Categoria: Santos do dia

  • Encarnação do Verbo: o mistério da Contra-Revolução

    A Festa da Anunciação do Anjo a Nossa Senhora nos convida a admirar este sublime paradoxo: no momento em que a Virgem Santíssima afirmava ser a serva do Senhor, o próprio Deus quis fazer um supremo ato de servidão, de dependência e de escravidão em relação a Ela. Nisto encontramos a perfeição do espírito da Contra-Revolução.

     

    Em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem(1), São Luís Grignion de Monfort tem o seguinte pensamento:

    Os verdadeiros devotos de Nossa Senhora terão uma devoção especial pelo mistério da Encarnação do Verbo, a 25 de março, que é o mistério adequado a esta devoção,…

    Quer dizer, da sagrada escravidão.

    …pois que esta devoção foi inspirada pelo Espírito Santo: primeiro, para honrar e imitar a dependência em que Deus Filho quis estar de Maria, para glória de Deus seu Pai e para nossa salvação; dependência que transparece particularmente neste mistério em que Jesus se torna cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, aí dependendo dela em tudo; segundo, para agradecer a Deus as graças incomparáveis que concedeu a Maria, principalmente por tê-La escolhido para sua Mãe digníssima, escolha feita neste mistério. São estes os dois fins principais da escravidão a Jesus Cristo em Maria.

    Um grau de sujeição inimaginável

    O pensamento muito profundo é de que Nosso Senhor, vivendo em Maria durante o tempo da Encarnação, esteve em uma dependência incomparável d’Ela, pois sendo já inteiramente lúcido, ficou, entretanto, completamente dependente, como uma criança no seio materno depende de sua mãe.

    É o maior estado de submissão que se possa imaginar. Uma criança fora do ventre materno tem uma vida própria, liberdade de movimentos, enfim, todo um dinamismo próprio ajudado pela mãe. Mas não vive, propriamente, da vida da mãe. Pelo contrário, a criança que está no seio materno, vive da vida da mãe; em tudo é conduzida e, por assim dizer, circunscrita por ela.

    Como sujeição, é um estado bastante semelhante ao de escravidão, porque neste o escravo renuncia completamente à sua liberdade para ficar inteiramente circunscrito pela vontade de seu senhor. Sua vida, seus atos são para o serviço de seu senhor, seus pensamentos tendem a ele. Assim era Nosso Senhor em relação a Nossa Senhora.

    Aquele que, sendo infinito, criou o universo e a quem o Céu e a Terra não podem conter, foi contido pelas entranhas indizivelmente gloriosas da Santíssima Virgem e teve para com Ela um grau de sujeição inimaginável!

    Em resposta ao “Non serviam” de Lúcifer, o “Amém” do Filho de Deus

    Portanto, quem quiser ser verdadeiro escravo de Nossa Senhora deve venerar de modo muito especial essa miraculosa e insondável sujeição de Jesus a Maria, na qual o infinitamente maior deixou-Se dominar e conter pelo menor, na realização de um plano divino, cuja sabedoria excede a qualquer cogitação humana.

    Por outro lado, este é o mistério da Contra-Revolução, porque se a Revolução é um grande “Non serviam”(2), o mais alto grau de alienação – praticado pelo Filho de Deus em Maria Santíssima – é o mistério que mais esmaga a psicologia, a mentalidade e os falsos ideais da Revolução. Em lugar do “Non serviam” é o “Amém”. Lúcifer bradou: “Não servirei”; Nosso Senhor disse: “Assim seja” a tudo quanto Nossa Senhora quis.

    Exatamente isso dá uma constrição especial no homem de espírito revolucionário, diabólico. Não é apenas ver a Deus servido por sua criatura e, portanto, sendo observada aí uma espécie de ordem de mérito, mas é o próprio Criador querendo obedecer à sua criatura e esta mandando n’Ele. É levar a obediência a um grau que se não soubéssemos, pela Revelação, ter havido a Encarnação, nunca poderíamos imaginar que essa virtude chegaria a tal extremo.

    Se isso deu tanta glória a Deus, a ponto de naquilo que abusivamente poderíamos chamar a História d’Ele – porque Deus é infinito e não tem História – Ele quis que figurasse esse ato de obediência insondável, compreendemos também como a obediência praticada por nós dá glória a Nossa Senhora. Em contrapartida, como a revolta injuria a Maria Santíssima e seu Divino Filho.

    Vemos, assim, até que ponto a Revolução é odiosa a Deus, e isso nos leva a compreender melhor o Inferno, com seus tormentos eternos, o desespero completo, o esmagamento perpétuo do demônio, à vista do fato de que ele atentou contra este princípio: ele deveria obedecer e não quis.

    Certos teólogos dizem que a revolta de Lúcifer deu-se porque lhe foi mostrado o plano da Encarnação e dada a ordem de adorar o Verbo de Deus Encarnado. E por ser um anjo de tão alta categoria, ele não quis e revoltou-se.

    Esta hipótese, que me parece totalmente provável, adquire uma clareza ainda maior se pensarmos no demônio considerando Nosso Senhor Jesus Cristo contido no claustro sacratíssimo de Nossa Senhora e obedecendo a Ela. Ver essa obediência do Verbo Encarnado a uma criatura infinitamente menor do que Deus – por mais excelsa que seja –, e a inferioridade d’Ele em relação a essa criatura, isso deve ter levado ao paroxismo a indignação de Lúcifer.

    A festa da Contra-Revolução

    Nós podemos dizer, portanto, que o dia 25 de março é a festa da Encarnação do Verbo, da escravidão a Nossa Senhora, da Contra-Revolução. É a festa na qual se celebra o espírito de obediência, o amor à hierarquia, à ordem, à dependência, a tudo quanto a Revolução odeia.

    É mais do que concebível que nos preparemos para essa festa por meio de orações especiais para pedir a Nossa Senhora que esse espírito representado pela Encarnação atinja em nós a plenitude desejada por Deus quando nos criou.

    De outro lado, vemos também o espírito mais do que humilde e contrarrevolucionário de Maria Santíssima em face deste mistério. Quando Ela soube que o Verbo Se encarnaria n’Ela, sua reação não foi de Se vangloriar, mas de pronunciar esta frase humílima: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Como se dissesse: “Se Deus quer de mim essa coisa inexplicável, isto é, que eu mande n’Ele, até isso Ele pode exigir de mim. Portanto, se Deus pede o meu consentimento a essa situação inimaginável, por obediência a Ele, n’Ele mandarei! Mas é Ele o Senhor, e a sua vontade, em todas as coisas, eu farei.”

    Como ganha um realce especial, à luz disso, a atitude de Nossa Senhora na Anunciação, dizendo-Se escrava de Deus no momento em que Ele queria fazer um ato supremo de servidão, de dependência, de escravidão em relação a Ela! Encontramos nisto a perfeição do espírito da Contra-Revolução.               v

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/3/1971)

    Revista Dr Plinio 252 (Março de 2019)

     

    1) Cap. VIII, art. 1, §4, n. 243.

    2) Do latim: “Não servirei.”

  • Oração para a Semana Santa

    Jesus é depositado no sepulcro. Na aparência, é o fim, tudo está acabado… Na realidade, em breve tudo começará a renascer.

    Junto a Vós, ó Refúgio dos Pecadores, os Apóstolos começam a chorar seus pecados. Logo virão a Ressurreição, a Ascensão e Pentecostes!

    Quanto mais vitorioso parece o demônio, mais próxima está a vossa vitória.

    Nestes dias em que, pelo atrativo de uma liberdade mal compreendida, está-se chegando a um assombroso desregramento dos costumes, ao caos na cultura e à anarquia nos países, dai-me, ó Mãe, uma fé firme nas promessas que fizestes em Fátima, uma esperança abrasada de que elas não tardam em se cumprir, uma certeza da derrota da Revolução e da instauração de vosso Reino. Amém.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira

  • São Leandro, Bispo de Sevilha

    Sem o auxílio da graça, o homem é incapaz de obter êxito em seu apostolado; porém, amparado por ela, consegue o inimaginável. Disto nos dá um belo exemplo São Leandro de Sevilha, o qual extirpou a heresia que havia quase dois séculos grassava na Espanha.

    Os grandes movimentos da História, em geral, são impulsionados por homens a quem Deus concede uma grandiosa missão, comunicando-lhes seu espírito e sua força. Um destes homens foi São Leandro de Sevilha. Convertendo os godos e salvando uma nação inteira do jugo dos arianos, ele bem pode ser considerado um dos fundadores da Idade Média.

    Acompanhemos com especial veneração sua ficha biográfica(1):

    São Leandro nasceu em Cartagena, Espanha. Seus pais pertenciam à alta nobreza, e sua família estava repleta de santos. Um de seus irmãos, Santo Isidoro, sucedeu-o no trono episcopal de Sevilha; o outro, São Fulgêncio, foi Bispo de Cartagena. Sua irmã, Santa Florentina, tornou-se religiosa.

    Quando era jovem ainda, São Leandro retirou-se para um mosteiro, tornando-se perfeito modelo de ciência e piedade. Seus méritos o levaram à Sé Episcopal de Sevilha, onde não diminuíram em nada as austeridades que praticava.

    Quando Leandro foi nomeado bispo, parte do território espanhol estava dominada pelos visigodos arianos havia cento e setenta anos. Entregando-se imediatamente ao combate da heresia, o novo Bispo rezava e implorava o auxílio de Deus. O sucesso coroou seu zelo, e em pouco tempo a heresia já contava com menos adeptos.

    Entretanto, Leovigildo, então rei dos visigodos, e também ariano, irritado com a atividade de São Leandro, e principalmente com a conversão de seu filho primogênito, condenou o santo ao exílio e o filho à morte.

    Seu segundo filho, Recaredo, que vindo a ser um fervoroso católico, ao herdar o trono conseguiu a conversão de todos os seus súditos.

    São Leandro dedicou-se a manter o fervor dos fiéis e foi a alma de dois grandes concílios: o de Sevilha e o de Toledo, os quais condenaram o arianismo.

    Homem de ação, Leandro a todos inspirava o amor à prece, especialmente aos religiosos. Escreveu instruções admiráveis à sua irmã sobre o exercício da oração e o desprezo do mundo. Reformou a liturgia na Espanha.

    Afligido por numerosas enfermidades, o apóstolo dos visigodos faleceu em 596.

    A ação do Espírito Santo e a pujança da santidade

    A ficha é riquíssima de aspectos passíveis de comentário. O primeiro deles é o florescimento de santos numa mesma família da alta nobreza espanhola: Santo Isidoro de Sevilha — um dos maiores santos da história da Espanha —, São Fulgêncio, Santa Florentina e São Leandro.

    Vemos que beleza há na conjunção de tantos santos numa mesma estirpe. Com isso, Deus faz sentir a importância do fenômeno “estirpe” na formação dos santos e na realização dos planos da Providência.

    Por outro lado, observamos a pujança de santidade existente naquela época. Trata-se de um dos mais belos fenômenos da História, onde inúmeros santos inauguraram o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo durante a Idade Média; fenômeno não atribuível a nenhum homem, a nenhuma Ordem religiosa, mas diretamente oriundo da ação do Espírito Santo.

    De fato, a não ser por um verdadeiro sopro universal do Divino Espírito Santo, não seria possível o surgimento de tantas almas santas ao mesmo tempo.

    Em pleno domínio dos bárbaros arianos…

    Ao ser eleito Bispo de Sevilha, São Leandro encontrou-se diante do seguinte problema: havia cento e setenta anos, bárbaros hereges exerciam uma função dominadora na Espanha.

    Ao contrário do que muitos pensam, a maior parte dos bárbaros não era pagã, mas sim ariana. Quando invadiram o Império Romano, muitas tribos bárbaras já haviam sido visitadas, em suas respectivas regiões, por um Bispo ariano chamado Úlfilas(2), o qual as perverteu para o arianismo.

    Desta maneira, enquanto descendentes dos antigos cidadãos do Império Romano, os católicos eram os vencidos, os pobres, estavam por baixo e gemiam sob o jugo dos arianos, os quais, por sua vez, constituíam o povo novo, forte e vencedor.

    …a Providência suscita São Leandro de Sevilha

    São Leandro recebeu, então, da parte de Deus, a missão de derrubar o domínio ariano. De que maneira ele o fez?

    Em primeiro lugar, chorando diante de Deus e pedindo, por meio de Nossa Senhora, os auxílios necessários para a tarefa que deveria realizar de modo admirável. Cônscio da incapacidade humana perante as tarefas apostólicas, São Leandro sabia que o homem não é senão um instrumento de Deus e de Nossa Senhora, os verdadeiros realizadores do apostolado. Assim, as conversões deram-se em número colossal e o poder ariano foi diminuindo graças às suas pregações.

    Aspectos fugazes, porém importantes, se desvendam na vida de São Leandro, uma das maiores figuras da hagiografia e da história espanhola.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 26/2/1964 e 27/2/1967)

    1) Butler, Alban. Lives of the Saints – With Reflections for Every Day in the Year.
    2) Educado no Catolicismo, Úlfilas aderiu ao arianismo por ocasião de uma viagem a Constantinopla, onde Eusébio o sagrou bispo. Tendo voltado para o grêmio dos godos, dedicou-se à conversão de seus irmãos de raça à fé ariana.

  • São José – Modelo de cavaleiro

    Um dos episódios mais bonitos da vida de São José é a fuga para o Egito.

    O Santo Patriarca recebe em sonho a visita de um Anjo que lhe diz que o Rei Herodes está querendo matar o Menino Jesus. Então ele sai às escondidas, com Nossa Senhora e seu Divino Filho, e vão para o Egito.

    A defesa do maior tesouro que houve na Terra — e tesouro maior do que esse não há no Céu — ficou inteiramente confiada a São José, que representava o braço vigoroso, a previdência, a força varonil na defesa de um Menino que era ao mesmo tempo Deus, mas quis ser fraco nas mãos de São José.

    Nós louvamos e apreciamos muito a vocação de Godofredo de Bouillon, que comandou as tropas na reconquista de Jerusalém. É o cruzado por excelência, é uma coisa linda! Entretanto, muito mais do que retomar o Santo Sepulcro para Nosso Senhor é defender a Ele próprio! E disto São José foi encarregado bela e gloriosamente. Ele foi, portanto, o cavaleiro-modelo na defesa do Rei dos reis, do Filho de Deus encarnado.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/7/1989

  • São Domingos Sávio – Alegre apóstolo da seriedade

    Considerado a obra prima da educação Salesiana, Domingos Sávio, eminentemente piedoso e cumpridor de seus deveres, foi o grande discípulo de São João Bosco. Vivendo em fins do século XIX, doze anos de idade foram suficientes para demonstrar sua vida exemplar na prática das virtudes e na observância da Lei de Deus.

    Sendo uma época em que tomava livre curso o ateísmo e a anti-religiosidade, penetrando até mesmo na mentalidade e na formação das crianças, São Domingos foi um admirável apóstolo da seriedade. Mostrando uma sabedoria muito superior à sua idade provou possuir uma compreensão profundamente séria e sobrenatural, baseada na Fé, de tudo quanto devia realizar.

    Difundiu em torno de si uma atmosfera de compostura, seriedade e calma, que entretanto não fazia com que as crianças deixassem de serem autênticas, proporcionando um meio de reflexão e de compostura. Opondo-se, portanto, ao traço característico da Revolução na infância, que é a falta de educação e de cerimonial; que faz dos indivíduos, quando forem homens formados, os adversários de todas as tradições de um tempo em que se cultivava a seriedade e a cerimônia.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/3/1973)

  • São Domingos Sávio modelo de pureza e seriedade

    A boa formação de uma criança e de um adolescente, observava Dr. Plinio, deve proporcionar-lhes um equilibrado e sadio impulso para a maturidade. Sobretudo, para alcançarem o ideal de perfeição moral a que todo homem é chamado. Como a seguir veremos, luminoso exemplo dessa educação bem assimilada encontramos em São Domingos Sávio, discípulo predileto do grande São João Bosco.

     

    No mês de março a Igreja celebra a memória de um Santo cuja vida me causou grande admiração, e a respeito do qual gostaria de tecer alguns comentários. Não tanto evocando seus traços biográficos, quanto ressaltando sua fisionomia moral, que deixou profunda impressão no meu espírito. Trata-se de São Domingos Sávio, discípulo de São João Bosco.

    Obra-prima da educação salesiana

    Faleceu ele antes de seu mestre, aos 12 anos de idade, e foi considerado a obra-prima da educação dada pelo célebre apóstolo da juventude. Menino eminentemente piedoso, exímio cumpridor dos seus deveres, conservou sempre uma castidade exemplar, tendo sido proclamado pelo Papa Pio XI como o padroeiro da pureza, depois de São Luís Gonzaga.

    Essas reflexões se prendem a uma recordação pessoal, que me parece oportuno registrar.

    Há alguns anos, a convite do Arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, desloquei-me até essa histórica cidade de Minas para fazer uma conferência sobre São Domingos Sávio. Após o almoço, disse ao reitor do Colégio salesiano onde a sessão se realizaria à tarde:

    — Peço que o senhor me consiga uma biografia de São Domingos, pois apesar de sabê-lo canonizado, ignoro os pormenores de sua vida.

    Com muita solicitude ele me procurou uma biografia do Santo, porém bastante resumida. Comecei a lê-la e me lembro que o biógrafo acentuava diversas qualidades comuns aos bons meninos. Assim, São Domingos Sávio era muito devoto, obediente aos seus superiores, de modo especial a São João Bosco, além de fazer apostolado junto a seus colegas, sendo um exemplo de zelo pelas almas.

    Os “birichini” de São João Bosco

    Contudo, pensei: “Infelizmente, com esses dados, não me é possível proferir uma conferência que não seja uma repetição de tantas outras realizadas ou preparadas, a respeito de vários bem-aventurados…”. Com efeito, naquela época encontrava-se certos formulários para sermão ou exposição de vidas de santos, que diziam: “São tal, mudando a data e o nome, serve para tais e tais santos”.

    Ora, ao ler o opúsculo que o reitor me conseguira, percebi que escapara ao biógrafo o traço mais marcante e acentuadamente contra-revolucionário da vida de São Domingos Sávio, que, creio eu, indicava o “segredo” de sua santidade.

    Para que esse traço fique bem explicitado, importa considerarmos o fato de que nosso santo viveu em meados do século XIX, um período em que a Revolução atingia um auge, e o espírito revolucionário, portanto, lograva grande concessão da parte dos adolescentes que principiavam a frequentar escolas. De um lado.

    De outro, temos que São João Bosco lecionava para os “birichini”, apelativo dado na região de Turim aos meninos de famílias modestas. Nesse sentido, é esplêndida a vocação dos salesianos: ensinar sobretudo para as classes populares, instruindo-lhes nos misteres profissionais em estabelecimentos para essa finalidade. Eram meninos com grande vitalidade e efervescência, mas tendentes a travessuras e à falta de seriedade (a qual, aliás, se alastrara por todas as camadas sociais).

    Admirável apóstolo da seriedade

    Nesses ambientes São Domingos Sávio mostrou-se um admirável apóstolo da seriedade, manifestando uma sabedoria superior à existente em meninos de sua geração. E na medida própria à mentalidade de uma criança, possuía uma compreensão invulgar de tudo quanto deveria fazer. De maneira que não praticava uma ação nem dizia uma palavra que não revelassem uma reflexão séria — nas proporções de um menino, insisto — baseada na fé e profundamente sobrenatural.

    Por isso ele difundia em torno de si uma atmosfera de compostura, de seriedade, de calma, sem fazer com que os meninos deixassem de ser autênticas crianças. De outro lado, proporcionava-lhes assim um meio eficaz de se oporem à mania do brinca-brinca, da falta de educação, da ausência de cerimônia e boas maneiras.

    “Morte ao pecado mortal”

    Essa característica de São Domingos Sávio se faz notar num episódio de sua vida, do qual tomei conhecimento quando li outra biografia dele, escrita pelo próprio São João Bosco. Este escreveu:
    Domingos veio ver-me no dia anterior ao início da novena da Imaculada Conceição, em 1854, e teve comigo o seguinte diálogo. Disse ele:
    — Eu sei que a Virgem concede grande número de graças a quem faz bem suas novenas.
    — E tu o que queres fazer nesta novena, em honra da Virgem?
    — Quisera pedir muitas coisas.
    — Quais, por exemplo?
    — Antes de tudo quero fazer uma confissão geral de minha vida, para ter bem preparada a minha alma. Depois procurarei cumprir exatamente as florzinhas que cada dia da novena se darão nas boas noites.

    “Florzinhas” (fioretti em italiano) significavam pequenos propósitos a praticar, recomendados na “boa noite”, gênero de alocução famosa que Dom Bosco dirigia aos seus alunos. Consistia geralmente de breves comentários de algum fato do dia, ocorrido no interior ou fora do colégio. Continua a narração, com a pergunta de São João Bosco:
    — E não tens mais nada?
    — Sim, eu tenho uma coisa: quero declarar morte ao pecado mortal.
    — E o que mais?
    — Quero pedir muito, muito à Santíssima Virgem e ao Senhor que me mandem antes a morte do que deixar-me cair no pecado venial contra a modéstia.

    Ou seja, contra a virtude da castidade. E São João Bosco acrescenta:
    “Deu-me então um papelzinho em que ele tinha escrito esse propósito e manteve suas promessas porque a Santíssima Virgem o ajudava. São Domingos Sávio tinha, nessa ocasião, doze anos de idade.

    Ressalta-se, assim, na estrutura de alma de uma criança, o traço distintivo de São Domingos: extraordinariamente sério, conseqüente, lógico em tudo. Ao mesmo tempo, alegre, de espírito sadio e maduro.

    Reflexão ratificada pelos devotos de São Domingos

    Dando-me conta desse cunho característico de São Domingos Sávio, comecei a minha conferência em Mariana dizendo que me achava diante de todo o corpo docente de um colégio salesiano, numa sessão que se realizava sob a presidência de um Arcebispo também salesiano e, portanto, exporia minha impressão pessoal, submetendo-a ao juízo deles. Acrescentei que a leitura de uma vida de São Domingos Sávio deixara em meu espírito essa ideia: merecia ele ser chamado perfeitamente de apóstolo da pureza das crianças, mas deveria também ser denominado seu apóstolo da seriedade.

    Desenvolvi o tema, mostrando a importância do papel da seriedade para se alcançar a perfeição espiritual: não basta ser sério para ser santo, porém não se pode ser santo sem ser sério.

    Tão logo enunciei a tese de que São Domingos era o modelo da seriedade entre as crianças, houve um aplauso geral iniciado pelo Arcebispo e todos os professores, seguido naturalmente pelo público. Naquela época, São Domingos Sávio estava sob o foco das atenções, pois era recém-canonizado e os salesianos difundiam muito a devoção a ele. Sua vida, portanto, era bem conhecida de seus irmãos de vocação e devotos. A ratificação daquela tese concedida por esse corpo docente salesiano, com tal ênfase, demonstrava-me a veracidade da minha observação.

    Como vivemos num tempo em que a falta de seriedade se torna cada vez mais aguda e crítica, parece-me de importância capital rogarmos a São Domingos Sávio que seja nosso padroeiro para a seriedade, e nos alcance do Sagrado Coração de Jesus, pelas mãos de Maria Santíssima, uma perfeita prática dessa virtude da qual ele é um excelso modelo.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 9/3/1971 e 9/3/1973)

  • Vós fostes, Senhor

    “Vós fostes, Senhor, um modelo de paciência. Vossa paciência não consistiu, entretanto, em morrer esmagado debaixo da Cruz, quando Vo-la deram.

    Conta uma piedosa revelação que, quando recebestes das mãos dos verdugos vossa Cruz, Vós a beijastes amorosamente, e, tomando-a sobre os ombros, com invencível energia a levastes até o alto do Gólgota. Dai-nos, Senhor, essa  capacidade …. de sofrer heroicamente, não apenas suportando o sofrimento, mas indo ao encontro dele, procurando-o e carregando-o, até o dia em que tenhamos a coroa da vitória eterna.”

    Plinio Corrêa de Oliveira

  • Santa Francisca Romana: discernimento e firmeza face aos demônios

    Ao considerar as impressionantes revelações de Santa Francisca Romana a respeito dos demônios, Dr. Plinio manifesta sua admiração por esta filha da Igreja, em quem reconhece, através dos matizes de sua biografia, o verdadeiro espírito da Esposa de Cristo.

     

    Como se sabe, Santa Francisca Romana se caracteriza por visões extraordinárias a respeito dos demônios, e deixou revelações importantíssimas. Talvez nenhuma santa ou mística tenha se assinalado tanto na História da Igreja no que diz respeito a manifestações dos anjos maus do que Santa Francisca Romana. Essas revelações falam muito a respeito da presença na Terra dos tais demônios que ainda não foram para o Inferno e serão mandados para lá no fim do mundo. Embora sem tentar diretamente o homem para o pecado, eles predispõem a alma a aceitar a tentação dos demônios que estão no Inferno. Creio que no processo de canonização dela devem figurar muitas coisas dessas.

    Os espíritos malignos e suas relações com os vícios

    Diz uma ficha tirada do Pe. Rohrbacher(1).

    9 de março, Santa Francisca Romana. Visão sobre os demônios.

    A terça parte dos anjos caiu em pecado, as outras duas partes perseveraram na graça. Na parte decaída, um terço está no Inferno para atormentar os condenados; são os que seguiram Lúcifer por sua própria malícia com inteira liberdade. Eles não saem do abismo senão pela permissão de Deus, e quando se trata de produzir uma grande calamidade para punir os pecados dos homens, e são eles os piores dentre os demônios.

    Os outros dois terços dos anjos decaídos estão espalhados nos ares e sobre a Terra: são aqueles que não tomaram parte entre Deus e Lúcifer, mas guardaram silêncio. Os que estão nos ares provocam frequentemente geadas, tempestades, ruídos e ventos com que enfraquecem as almas apegadas à matéria, conduzem-nas à inconstância e ao temor, induzem-nas a desfalecer na Fé e a duvidar da Providência divina.

    Quanto aos demônios que circulam entre nós a fim de nos tentar, são decaídos do último coro dos anjos, e os anjos fiéis que nos são dados por guardiães são todos do mesmo coro. O príncipe e chefe de todos os demônios é Lúcifer, ligado ao fundo do abismo, encarregado pela divina Justiça de punir os demônios e os condenados. Caindo do mais elevado dos coros angélicos, os serafins, tornou-se o pior dos demônios e condenados. Seu vício característico é o orgulho.

    Abaixo dele estão três outros príncipes: o primeiro, Asmodeu, tem o vício da carne como característica e foi chefe dos querubins. O segundo é chamado Mamon, caracteriza-o o vício da avareza e foi do coro dos tronos. O terceiro, chamado Belzebu, que foi dos coros das dominações, caracterizando-o a idolatria, o sortilégio e encantamentos; é o chefe de tudo quanto há de tenebroso e tem a missão de difundir as trevas sobre as criaturas racionais.

    Resumindo, ela mostra que Lúcifer era um serafim que pairava no mais alto dos céus, e o pecado dele foi de uma grande responsabilidade porque os serafins constituem o mais elevado coro dos anjos. Tendo sido o maior dos revoltados, ele foi precipitado para o mais fundo dos infernos. Houve anjos que resolveram acompanhá-lo por uma iniciativa própria, e estão no Inferno com ele; Lúcifer os atormenta continuamente porque é mais poderoso do que os outros, e é encarregado pela Justiça divina de punir eternamente os espíritos que ele mesmo induziu, mas que, por uma maldade própria, foram juntos para a perdição.

    Sob a direção de Lúcifer há três anjos principais. O primeiro é Asmodeu, o demônio da luxúria e que tenta os homens especialmente para a impureza. O outro anjo é Mamon, que pertencia ao coro dos tronos, quer dizer, da categoria dos anjos que acompanham a História e suas harmonias, enlevam-se vendo Deus compor a trama histórica pelos seus decretos e encaminhar a História dos anjos e do mundo; Mamon é o demônio da avareza. E Belzebu, que é o demônio da idolatria, dos sortilégios e dos encantamentos, quer dizer, dos bruxedos.

    Lúcifer tem como característica o orgulho. Asmodeu, o vício da carne; era chefe dos querubins. Mamon, a avareza. E Belzebu é o chefe das idolatrias e das obras tenebrosas em geral.

    Diferentes categorias de demônios

    Vemos que os dois principais anjos rebeldes são, em primeiro lugar, Lúcifer e depois Asmodeu, os demônios do orgulho e da sensualidade. Isso está de acordo com a nossa concepção de que o orgulho e a sensualidade são os elementos que impulsionam e dão rumo à Revolução. Os anjos maus estão no Inferno, e Deus só raramente permite que algum deles saia para produzir catástrofes. Mas tenho a impressão de que, na época atual, a chave do poço do abismo caiu e o Inferno se abriu, e esses anjos péssimos estão todos espalhados por aí, e que a presença de Lúcifer é mais assídua, mais contínua, mais forte do que em qualquer época da História, do que na crucifixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Depois há outros anjos, que quiseram representar entre Deus e Lúcifer um papel de “terceira força”. Quer dizer, não se solidarizaram com Deus, mas também não se solidarizaram diretamente com Lúcifer; ficaram numa posição como que neutra, naturalmente com simpatia por Satanás. O resultado é que eles também foram condenados.

    A Justiça divina tornou a condenação deles de algum modo um pouco menos terrível, porque em vez de estarem sofrendo o fogo do Inferno, eles ficaram na Terra, nos ares, padecendo penas terríveis. Mas quando chegar o Juízo Final, eles serão precipitados no Inferno e vão sofrer lá por toda a eternidade. De maneira que estão fora do Inferno por um curto lapso de tempo, porque o período que vai desde o pecado deles até o dia do Juízo Final é muito pequeno, menos do que um minuto, em comparação com a eternidade na qual eles serão atormentados no Inferno.

    Esses anjos maus dividem-se em duas categorias: os que estão espalhados pelos ares e produzem as intempéries, as coisas que assustam as pessoas; outros ficam na Terra e são do mesmo coro dos nossos anjos da guarda.

    Batalha entre espíritos angélicos

    Há, portanto, uma batalha entre os anjos da guarda e os anjos perdidos, na qual naturalmente o predomínio é dos anjos da guarda sobre as almas que se entregam a eles.

    Houve uma santa que teve a visão de seu anjo da guarda, que pertence à menos alta das hierarquias angélicas. Ela se ajoelhou pensando que fosse Deus, tal é o esplendor do anjo da guarda.

    Podemos fazer ideia de qual é a sublimidade de um arcanjo, por exemplo!

    Temos aqui uma lição muito importante: compreender como o homem é pequeno dentro da natureza material, em relação à qual ele poderia ser comparado a uma formiga. E acima dessa natureza existem ainda espíritos angélicos com uma força, um poder incomparavelmente superior ao dos seres humanos.

    Em face dessa batalha de anjos que continua a se realizar por toda parte; anjos bons que descem do Céu e anjos maus que se misturam no meio dos homens, qual é o grande meio de defesa que temos contra os demônios?

    Aqui se aplicam as palavras de Nosso Senhor: “É preciso vigiar e orar para não cairdes em tentação”(2). A vigilância consiste em crermos nos poderes angélicos e na ação dos demônios.

    Por exemplo, suponho que normalmente, durante as exposições que faço, os assistentes recebem muitas graças vindas por meio de seus anjos. Acredito também que um ou outro dos aqui presentes sistematicamente é tentado pelo demônio. Quer dizer, enquanto estamos falando, há uma batalha entre anjos e demônios.

    Faz parte do dinamismo das coisas haver pessoas que se dão mais a Nosso Senhor e outras menos. E devemos ter sempre em vista o princípio, aceito pela maioria dos teólogos, segundo o qual todas as vezes que um homem tem uma tentação por uma causa natural, o demônio junta-se a esta para agravar a tentação.

    Se, por exemplo, um dos presentes está irritado com um companheiro que se encontra ao seu lado e fica infernizado com isto, esta pequena tentação de irritação será acrescida por um cutucão do demônio para agravá-la. Quer dizer, o demônio está sempre atuando, os anjos da guarda estão sempre nos protegendo. Devemos discernir a ação do demônio e pedir a do anjo da guarda.

    Precisamos rezar e vigiar. É o que se deduz das revelações de Santa Francisca Romana.

    Filha da Igreja, cônscia de sua missão e do poder divino

    Ela possuía um discernimento fantástico a respeito dos espíritos malignos e frequentemente via demônios. Tomando conhecimento de sua história, fica-me a impressão de tê-la conhecido pessoalmente, porque a considero não como uma velha qualquer que tinha visões, mas sim como uma filha da Igreja dotada de determinadas características que, conhecendo o espírito da Esposa de Cristo, eu sei atribuir a ela através dos matizes de sua biografia. Percebo que era uma matrona romana firme, digna, e que olhava o demônio, não propriamente de modo ameaçador, mas com firmeza, de frente, cônscia de sua missão e do poder de Deus, enfrentando, descrevendo e intimidando. Ela considerava o que essas visões tinham, por assim dizer, de divino e amava o Criador através delas.

    Então, Santa Francisca Romana me enche de admiração. E tenho certeza de que, estudando o processo de sua canonização, encontraremos a confirmação do que afirmei.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 8/1/1965, 8/3/1969 e 9/3/1980)

    1) ROHRBACHER, René François. Histoire universelle de l’Église Catholique. Vol. XXI. Paris: Gaume Frères et J. Duprey – Libraires-éditeurs, 1858. p. 459-460.
    2) Cf. Mt 26,41.
    3) Cf. ROHRBACHER, René François. Vies des Saints pour tous les jours de l’année. Vol. II. Paris: Gaume Frères et J. Duprey – Libraires-éditeurs, 1853. p. 63-79.
    4) Elevada posteriormente à dignidade de Basílica Menor, é também chamada de Basílica de Santa Francisca Romana.

  • As coisas terrenas passam, só a eternidade fica

    A fisionomia de Santa Catarina de Bolonha é distendida. O mais expressivo deste semblante está nos lábios cerrados, longos e finos, com um leve sorriso, ao mesmo tempo de afabilidade e de  acolhida, como quem, com muita suavidade, mas com uma enorme transcendência, sorri de desdém de todas as coisas da vida, e diz:

    “Olhe, tudo isso não é nada, tudo acaba, não tem importância; a figura das coisas terrenas passa, só a eternidade fica. Eu passei por tudo, sofri todas as dores, tive todas as provações, e terminados esses sofrimentos sorrio para eles. Porque aquilo que foram  mares encapelados, precipícios temíveis, montanhas intransponíveis, fica para trás. De longe, eu sorrio para tudo isso e percebo que só a eternidade é séria.”

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/5/1971)

  • Corpo, Sangue, Alma e Divindade…

    Nosso Senhor Jesus Cristo, realmente presente na Sagrada Eucaristia, entra em contato conosco de um modo todo especial: de alma a alma! Cristo vem a nós quando comungamos. Nas páginas a seguir, Dr. Plinio nos sugere um modo eficaz e piedoso para bem aproveitarmos as graças que recebemos neste divino convívio.

     

    Quando eu era menino, nas aulas de catecismo perguntava-se à criança se ela cria que Nosso Senhor Jesus Cristo estava realmente presente na Sagrada Eucaristia. Ela deveria dar uma resposta que me ficou até hoje nos ouvidos, muito bonita, como eram as respostas do catecismo: “Creio que Ele está presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade”.

    Nosso Senhor Jesus Cristo não possui corpo humano e alma divina: sua Alma é humana como a nossa. Se Ele não tivesse alma humana, não seria verdadeiramente homem. Ele é Homem-Deus, com duas naturezas, a humana e a divina, estando a humana hipostaticamente unida à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

    Para bem comungarmos, devemos ter presente a seguinte verdade: não vemos Nosso Senhor Jesus Cristo, mas Ele está presente na Sagrada Eucaristia como esteve na Casa de Nazaré, em Betânia — com Marta e Maria —, nos braços sagrados da Santíssima Virgem, na Cruz.

    E na Comunhão Nosso Senhor Jesus Cristo penetra em nós.

    “Caro Christi, caro Mariæ”

    Qual é a força da presença de Nosso Senhor Jesus Cristo em nós quando comungamos?

    Imaginemos Nosso Senhor no seio imaculado e puríssimo de Nossa Senhora. A Santíssima Virgem, pelo fenômeno natural da geração, foi Lhe dando elementos para que seu Corpo se constituísse. Sendo Deus, desde o primeiro instante de sua Encarnação Ele possuía inteligência, mantinha comunicação direta, altíssima e insondável com a Santíssima Trindade, e recebia continuamente o culto de Nossa Senhora, a qual sabia que o Redentor estava presente n’Ela. Durante os meses da gestação, Nossa Senhora ia formando o Corpo de Jesus e fazia atos de adoração, de amor, cada vez maiores, porque conhecia o processo pelo qual Ele estava passando.

    A Carne e o Sangue Sagrados d’Ele eram carne e sangue imaculados de Maria Santíssima.

    “Caro Christi, caro Mariæ”, dizem os teólogos: a Carne de Jesus Cristo é a carne de Maria. A presença física de Nosso Senhor no claustro imaculado da Santíssima Virgem era tão íntima, interna, que determinava como que uma interpenetração das almas, assim como havia uma interpenetração dos corpos. E isso tornava a presença d’Ele extraordinariamente fecunda para sustentar ainda mais aquela montanha luminosa e cristalina de santidade que foi Nossa Senhora.

    Cristo presente em nós pela Sagrada Eucaristia

    Através da analogia com a presença de Nosso Senhor Jesus Cristo no claustro de Maria Santíssima, podemos, então, compreender o que é a presença eucarística em nós.

    Ele entra em nós e, enquanto permanece, há uma ação d’Ele sobre todo o nosso ser. E como o nosso ser é composto de corpo e alma, Ele misteriosamente entra em contato santificante com nossa alma. E sendo nossa alma o que temos de mais alto, mais nobre, mais essencial, essa é a bem-aventurança extraordinária que cada um de nós recebe no momento em que comunga.

    Durante o período em que as sagradas espécies ficam em nós sem se corromperem pelo fenômeno da digestão, temos Nosso Senhor presente em nós, agindo misteriosamente em nossa alma. Para compreendermos a ação de Nosso Senhor sobre nossa alma durante a Comunhão, recordo um fato muito bonito, narrado pelo Evangelho(1).

    Jesus estava andando, e uma mulher enferma que queria ser curada por Ele, vendo aquela turbamulta em torno do Divino Mestre, desejosa de ouvi-Lo e vê-Lo ou ficar livre de alguma doença, não pôde chegar pela frente. Então, ela, por detrás tocou na túnica sagrada d’Ele. Nesse momento, Jesus voltou-se e perguntou: “Quem tocou em Mim?”, porque — diz o Evangelho — sentiu que uma virtude tinha saído d’Ele e passado para outra pessoa.

    Quer dizer, Ele percebia que uma força — nesse caso, evidentemente, tratava-se de uma força vital — que saía d’Ele e, transmitida para aquela mulher, curou-a.

    Ora, se uma pessoa com Fé, tocando em Sua túnica podia ser curada, o que significa recebê-Lo inteiro dentro de nós? É uma graça que não se pode medir.

    Contato de alma a alma

    Imaginemos uma pessoa que vai todos os dias à casa de alguém e com ele conversa. Se for uma pessoa distinta, preclara, eminente, santa, honrará a casa. Muito mais importante do que isso será o convívio de alma a alma. Conversam, e alguma coisa do talento, da nobreza, da excelência, das virtudes ou da santidade da alma do visitante é comunicada ao visitado.

    Em grau imensamente maior, a Sagrada Comunhão nos proporciona esses bens, porque Nosso Senhor tem um contato conosco muito mais íntimo do que um visitante em nossa casa. Entrar no nosso corpo e ter ali esse contato de alma é como que uma interpenetração.

    Suponhamos que Nosso Senhor Jesus Cristo entrasse agora neste auditório. Teríamos a reação a mais viva possível: todos nós nos prosternaríamos para dar passagem a Ele!

    O Evangelho nos fala das várias atitudes de Nosso Senhor. Aquelas que mais me tocam são de duas espécies. Uma é quando Ele se dirige ao Padre Eterno; suas palavras são lindíssimas, humílimas. Ele é Deus, mas também Homem. E se víssemos um homem como nós rezar a Deus daquele modo, com aquela humildade, mas ao mesmo tempo com aquela intimidade, nos sentiríamos nesse sulco de luz, quase que transportados para o interior da Santíssima Trindade. Imaginemos que Ele ficasse aqui sobre o estrado deste auditório e, como diz o Evangelho, postos os olhos no céu, elevasse a voz dizendo: “Meu Pai…” e começasse a rezar…

    Para mim, as orações de Nosso Senhor são mais bonitas do que seus sermões e de tudo quanto Ele fez. É natural, pois falando com o Pai Eterno, Ele diria coisas mais belas do que para nós, a quem Jesus disse palavras tão admiráveis que até o fim do mundo não se terá acabado de estudá-las.

    Suponhamos ainda que, além de rezar, Ele olhasse e dirigisse palavras a Nossa Senhora — para mim é a segunda coisa mais tocante. O último olhar do Redentor para Ela do alto da Cruz, que coisa maravilhosa! Eles se entreolharam e disseram, um para o outro, coisas indicativas do máximo do respectivo convívio. Nunca se saberá até o fim do mundo qual foi o esplendor dessa troca de olhares!

    Se víssemos aqui Nosso Senhor falar com o Padre Eterno e depois com Nossa Senhora, faríamos deste local uma capela.

    Eu dizia ser necessário considerarmos Quem vamos receber e a imensa honra, o benefício incalculável a nós concedido por Aquele que assim entra em nós e se digna de estabelecer conosco aquela união.

    Bondosa visita

    Não devemos ter apenas a sensação da honra, mas também da bondade. Nosso Senhor, na Sagrada Eucaristia, fica horas e horas sozinho, trancado num tabernáculo, isolado, numa capela onde apenas arde a lamparina do Santíssimo Sacramento. Muitas vezes as pessoas passam diante do templo e ninguém para para rezar, e Ele está ali à espera de alguém que venha comungar. O Redentor, então, se dá a qualquer um, entra em seu corpo e toma contato com sua alma para fazer-lhe o bem.

    São Pedro disse a respeito de Nosso Senhor esta frase que me pareceu muito bonita, de uma simplicidade e profundidade assombrosas: “Pertransiit benefaciendum — Ele passou fazendo por toda parte o bem”(2). Nos lugares aonde ia, as pessoas mais pecadoras eram por Ele recebidas com bondade. Assim, durante a Comunhão devemos ter confiança de que Ele não é um juiz severo, mas um pai bondoso, um médico infinitamente poderoso e desejoso de nos perdoar.

    Agirá de acordo com a condição de escravo de Nossa Senhora, segundo a espiritualidade de São Luís Maria Grignion de Montfort, quem se preparar para a Comunhão em união com Ela, pedindo-Lhe as graças necessárias. É assim que eu me preparo, dizendo à Santíssima Virgem: “Minha Mãe, preparai-me Vós para esta Comunhão, pondo-me na alma todas as boas idéias, todos os bons impulsos, para eu ter presente o que vai acontecer de extraordinário e a imensa honra que receberei. Porque rezastes, vosso Filho virá a mim”.

    Em união com Nossa Senhora tudo se consegue.

    Consideremos agora a entrada de Nosso Senhor em nós.

    Antes da comunhão, se diz: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”. Quer dizer, sou indigno de comungar, mas sede Vós o ornato da casa onde deveis entrar, enchei-a das luzes dignas de Vos receber. Recebida a partícula em nossa língua, fazemos um ato de adoração e imediatamente a deglutimos.

    Métodos para bem aproveitar a Comunhão

    Há, entre outros, dois métodos de comungar. Um deles consiste em ter algum pensamento que nos tomou o espírito, nos interessou tanto que, durante o tempo de ação de graças, continuamos a desenvolvê-lo(3).

    Existe outro método que eu, por cautela, sempre emprego quando sigo o primeiro. Às vezes, preparo-me para a Comunhão muito rapidamente, porque há tanto tempo comungo diariamente que essas idéias facilmente se me tornam presentes. Ao receber a hóstia, mesmo tendo o pensamento focalizado em algum ponto relacionado com a Sagrada Eucaristia, faço os atos que a seguir explicarei.

    Filosoficamente, os atos de culto que um homem pode prestar a Deus são: adoração, ação de graças, reparação e petição. Ainda que sumariamente, devemos realizar esses quatro atos por meio de Nossa Senhora, quer dizer, pedir-Lhe que os faça conosco.

    Adoração

    Por exemplo, quanto à adoração: “Minha Mãe, sei que minha adoração não é nada em comparação com a vossa. Adorai Nosso Senhor junto comigo!”

    Maria Santíssima atende meu pedido. Então, devo imaginar como Ela, no Céu, está adorando a Ele presente em mim. Mas não se trata de uma imaginação; é uma coisa real que devo tornar presente ao meu espírito.

    Consideremos agora algo um tanto mais complicado, mas que espero tornar claro. Há vários modos de compreender esta adoração. Um deles pode ser assim formulado: Nossa Senhora é a síntese das santidades de todas as pessoas boas que houve, há e haverá na Terra até o fim do mundo. Ou seja, a forma de santidade de cada uma, Ela possui de um modo excelso, inimaginável. Cada pessoa é diferente da outra, e uma alma que se salvou, em algo dará glória a Deus como ninguém o fez antes, durante, nem depois da vida dela. Cada um dos que estão neste auditório, desde o mais jovenzinho até eu que sou o mais velho, é capaz de adorar a Deus, fazer ação de graças, reparação e petição de um modo como só ele realizaria. E Nossa Senhora possui, à maneira d’Ela, todos esses modos.

    Podemos, então, fazer-Lhe um pedido assim:

    “Minha Mãe, entre vossas excelsitudes incontáveis há uma perfeição por onde fazeis de modo sublimíssimo aquilo que especificamente eu realizo. E no vosso modo de adorar a Deus existe um filão que é a arqui perfeição do meu modo de fazê-lo.

    “Então, eu me uno a Vós para adorar vosso Divino Filho, como se eu estivesse falando ao Redentor com um alto-falante celeste. Ainda que fosse gago e rouco, minha voz se tornaria encantadora porque passou a ser vossa voz, ó minha Mãe.

    “Vou agora adorá-Lo, e Vós, ao mesmo tempo, o fareis de modo insondavelmente perfeito.”

    Podemos, durante a Comunhão, adorar Nosso Senhor em algum dos aspectos de sua vida terrena. Admiro e adoro, de modo especial, o mistério da agonia no Horto das Oliveiras, quando houve a crucifixão de sua Alma sagrada.

    Então, adoremos a Nosso Senhor, lembrando-nos, por exemplo, de sua agonia no Horto ou nos braços de Nossa Senhora, ou simplesmente enquanto Ele tendo a bondade de vir visitar-me. Eu O adoro em união com a Santíssima Virgem, a qual, em certo sentido, é arqui-eu mesmo.

    Há uma outra maneira de fazer adoração, considerando como Nossa Senhora adora o Divino Salvador de um modo insondável, como nenhuma pessoa foi capaz de fazê-lo.

    Podemos, então, dizer: “Meu Deus, eu quereria Vos adorar como Nossa Senhora Vos adora. Aceitai minha boa vontade. Ofereço-Vos toda a adoração que Ela tem por Vós”.

    Repetindo. No primeiro modo, referi-me a Nossa Senhora adorando o Divino Salvador exatamente — se assim se pode dizer — na linha em que eu adoro.

    Mas Ela não se limita a isso, pois contém todas as adorações do presente, do passado e do futuro da humanidade, inclusive as adorações dos que pecaram e não adoraram. Assim, posso pedir à Santíssima Virgem que não ofereça a Ele apenas o meu modo, mas o d’Ela de adorar, dizendo a Nosso Senhor:

    “Senhor, Vós vindes agora à minha casa. Muito mais do que a mim mesmo, tenho uma boa surpresa para Vos oferecer. Aqui está vossa Mãe, adorando-Vos não do único modo como sei adorar, mas de todos os modos de adorações, em todos os tempos e lugares, inclusive das que não foram feitas, as quais estão Vos sendo apresentadas por Ela em meu nome. Ó meu Senhor, é um presente verdadeiramente régio!”

    São dois modos, como a face e o reverso de uma medalha.

    É possível que, pela graça obtida por Nossa Senhora, o que estou dizendo lhes toque a alma. Porém, não se trata de meras expansões sentimentais, mas tudo é raciocinado como os elos de uma cadeia. E se não fosse raciocinado, para mim não haveria beleza. Explicações onde não entra o raciocínio claro, certo, controlado, sério, afinado com a doutrina da Igreja, à qual nos entregamos com toda a alma, não valem nada. Devem elas estar conformes à razão controlada pela Fé. Se for puro sentimento, não admito.

    De fato, estou desenvolvendo aqui uma tese.

     

    Continua no próximo número…

    (Extraído de conferência de 16/7/1977)

     

    1) Mc 5, 30.
    2) At 10, 38.
    3) Conferir Dr. Plinio, nº 143, página 17.