Categoria: Santos do dia

  • Os fulgores da Ressurreição

    Contemplando os esplendores e mistérios que envolvem a Páscoa da Ressurreição, Dr. Plinio tece interessantes hipóteses e comentários sobre o significado dos acontecimentos narrados no Evangelho.

     

    Nas cerimônias litúrgicas do tríduo pascal, a Igreja sempre soube impregnar de tristeza a atmosfera quando se tratava de ficar triste; e depois marcar de alegria os momentos em que se deveria estar alegre.

    Pudemos ver, por exemplo, essa nota de tristeza, sobretudo, ontem: a cerimônia da Sexta-Feira Santa estava pungente!

    Agora, o júbilo. O “Gloria in Excelsis Deo” dá-nos a impressão de ser o reflexo da alegria de quando Nosso Senhor ressuscitou!

    A primeira visita ao Santo Sepulcro

    O Evangelho lido hoje narra que Santa Maria Madalena e a outra Maria encontraram o sepulcro aberto e um anjo sobre a lápide que antes vedava o túmulo. O anjo rolou a pedra e sentou-se nela.

    Por ser o seu rosto como o raio e a sua vestimenta como a neve, ele incutiu grande terror àqueles guardas que tomavam conta do sepulcro, e que então fugiram. Duas simples mulheres não tiveram medo, e ele falou com elas familiarmente.

    Tem-se a impressão de que elas estavam muito intimidadas, porém não medrosas, o que é uma coisa diferente.

    Outra manifestação da intimidação delas é o fato de ter sido necessário o anjo dizer-lhes que entrassem no sepulcro. Seria normal elas penetrarem ali, vamos dizer, com as reverências devidas a um lugar sacrossanto, fazendo assim a primeira visita ao Santo Sepulcro! Uma honra, aliás, enorme! Todas as gerações dos séculos posteriores visitaram o Santo Sepulcro. Elas foram as duas primeiras. É formidável! Como honra, é algo extraordinário!

    Elas entraram e viram que Nosso Senhor não se encontrava lá. Estava tudo explicado.

    Um acontecimento pleno de simbolismos

    Agora, eu teria muita vontade de saber qual era o sentido simbólico do rosto como fulgor e das roupas como neve.

    Evidentemente o fulgor indica o poder de Deus. Mas indicará de que maneira? Será um fulgor de vitória, de festa triunfal em que não se está mais pensando no inimigo, ou desse tipo de celebração de triunfo na qual se tem a sensação de estar calcando aos pés o inimigo? É uma pergunta. Qual seria o feitio desse fulgor?

    Se soubéssemos como os exegetas consideram esse fulgor, talvez pudéssemos ter aí um elemento para formar um juízo sobre isso.

    As roupas como a neve. Percebe-se que era neve refulgindo ao clarão desse fulgor. A neve é a pureza do espírito. Um puro espírito porque não tem carne e, além disso, é um espírito puro, ou seja, é santo! Compreende‑se bem que a túnica — seria provavelmente uma túnica — era como a neve. Mas quais são os outros significados dessa neve?

    Por que ele não pairava no ar ou não estava de pé sobre a pedra, mas sentado?

    Cada uma dessas coisas tem um significado. É claro que nós teríamos vontade de conhecê-los. Aumentaria nossa alegria pela Páscoa da Ressurreição.

    Por que um anjo anunciou a Ressurreição?

    Se o objetivo da manifestação angélica era dar uma prova apologética da Ressurreição, debaixo de certo ponto de vista, essa prova poderia não ser muito concludente. Sobretudo para os homens do século XX, cuja mentalidade os levaria a dizer:

    “As duas foram caminhando para a sepultura cada vez mais compenetradas. Quando chegaram lá, estavam no auge da excitação. Então julgaram ver um anjo. E os guardas estavam fora porque tinham saído para — em linguagem nossa — tomar um cafezinho. A sepultura estaria aberta? Quem pode garantir? Qual é a prova que se tem disso? Não seria mais interessante haver um magote de dez homens importantes como, por exemplo, Lázaro, José de Arimateia, Nicodemos que dissessem terem visto? Por que um anjo?”

    Eu julgaria uma objeção completamente inválida, mas é uma pergunta que se poderia fazer.

    A essa pergunta devemos dar a seguinte resposta:

    Deus, nas suas manifestações, não visa principalmente àqueles que não creem, mas aos que creem. Um episódio como esse — que foi a primeira manifestação da Ressurreição, depois vieram muitas outras — seria calculado conforme a conveniência da piedade e do aumento no fervor do punhado de fiéis reunidos em torno de Nossa Senhora. Era a esses que se tratava de afervorar, de alimentar, de preparar para Pentecostes, que seria o próximo grande lance.

    Sendo assim, compreende-se que fosse um anjo e não um homem. Porque não existe proporção entre dez homens e um anjo. Ademais, poderia haver entre eles pequenos desacordos a propósito de um ponto ou outro, e até mesmo algum que, ao contar o fato, ficasse vaidoso…

    Poder-se-ia, inclusive, levantar outra objeção: Nós não acreditamos muito nesses homens que estão servindo de testemunhas, porque nenhum homem estaria à altura de testemunhar tal acontecimento; só um puro espírito. Parece-me, portanto, inteiramente concludente e apropriado o aparecimento de um anjo para anunciar a Ressurreição.

    A honra de remover a lápide do Sepulcro

    Em uma de nossas comissões de estudo estamos lendo textos de São Dionísio Areopagita que tratam sobre a hierarquia dos Anjos. Segundo ele, dos nove coros angélicos existentes, o menos elevado é o dos simples Anjos.

    A palavra “anjo” significa “emissário”. E esses são os emissários. Um anjo de uma categoria mais elevada é um Arcanjo. Os outros têm categorias mais altas: Principados, Virtudes, Potestades, Dominações, Tronos, Querubins e Serafins.

    E São Dionísio Areopagita dizia que embora a categoria dos Anjos seja a menos elevada, ela completa a hierarquia angélica. De tal maneira que esta ficaria cambaia como um vaso do qual se serrasse a base, caso não houvesse o coro dos Anjos.

    Quer dizer, a categoria menos alta é tão preciosa que constitui um elemento sem o qual toda aquela ordenação que está acima ficaria desajustada. É, pois, um importantíssimo papel. Por que Deus teria enviado um simples anjo e não um serafim para realizar uma missão como essa?

    Provavelmente porque remover uma pedra não é tarefa para um príncipe. E podemos imaginar esses anjos menos elevados fazendo uma humilde e razoável súplica diante de Deus para ser dada a eles, e não a uma categoria mais elevada, a honra de mover a pedra do Santo Sepulcro:

    “Senhor, Vós que nos mandais exercer missões que tocam mais diretamente na matéria, desta vez que se trata de operar a mais nobre remoção da matéria, Vós nos tirais essa ocasião única?! Ela não está na natureza de nosso ofício?”

    A qualquer pessoa pareceria um argumento difícil de responder…

    Duas maneiras de imaginar a Ressurreição

    Mas considerando a Ressurreição em si, poderíamos imaginá-la de duas formas:

    Em certo momento, Nosso Senhor começaria a dar sinais de vida. Seu Corpo sagrado se tornaria de uma luminosidade extraordinária, e no instante em que sua Alma o reassumisse, sua primeira atitude seria uma glorificação do Padre Eterno e um ato de amor ao Espírito Santo. E levantando-Se com uma majestade indizível, caminharia dentro do sepulcro transformado, de repente, numa catedral feita de luzes, cânticos e glória.

    Chegando junto à porta do túmulo, o anjo rolaria a pedra. É-nos legítimo imaginar que no interstício entre a Ressurreição e o encontro com Santa Maria Madalena, em virtude do deslocamento rapidíssimo dos corpos gloriosos, Ele tenha estado no Cenáculo e se manifestado a Nossa Senhora. De maneira a ter sido Ela a primeira pessoa a contemplar seu divino Filho ressuscitado. Logo depois, Jesus teria Se apresentado a Santa Maria Madalena, conforme nos descreve o Evangelho.

    Essa seria uma modalidade de conceber a Ressurreição.

    Poder-se-ia figurá-la de outro modo, conforme a piedade e o feitio de cada pessoa. Por exemplo, em meio às trevas densas, de repente reluz algo à maneira de um corisco sublime! A montanha, como que, racha e Nosso Senhor se levanta como um raio. E num instante já está junto à porta, um anjo rola a lápide e Ele aparece diante dos olhos estupefatos. Acabou!

    A Páscoa: uma festa triunfal

    Em todo caso, a Páscoa não é uma celebração qualquer, é uma festa de triunfo. Portanto, não pode ser considerada, como muitos supõem, apenas como uma festa caseira para despertar a bonomia familiar, distribuindo ovos e todos se abraçando. Tudo isso é muito legítimo, acho um encanto, mas a Ressurreição tem qualquer coisa de um estouro, de uma explosão magnífica!

    Sem dúvida, pode-se imaginar a Ressurreição acompanhada pelo maior e mais majestoso dos raios desferidos numa aurora.

    Vários quadros representam o divino Ressuscitado assim, saindo com o braço direito levantado e tendo os dedos em posição de quem ensina ou abençoa, mas com um ar de desafio vitorioso: “Já atravessei!” Isso deveria causar no Inferno o terror diante da inutilidade de tudo quanto fizeram contra Ele.

    Aí está um pequeno comentário para participarmos juntos das alegrias pascais.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 18/4/1981 e 21/4/1984)

  • Preciosos ensinamentos da Ressurreição

    Da gloriosa Ressurreição de Cristo, pondera Dr. Plinio, não só refulgem consoladoras alegrias, como também dela se depreendem importantes lições para o homem fiel, à luz das quais deve este pautar sua trajetória rumo à eterna bem-aventurança.

     

    Durante os três dias em que Nosso Senhor esteve morto, aos olhos dos que O conheceram, com exceção de Maria Santíssima, tudo parecia irremediavelmente perdido. “Morreu!”, pensavam eles. “Correram a pedra sobre a entrada do sepulcro, e a escuridão envolveu o corpo d’Ele. Acabou, não resta mais nada!”

    Indizível alegria das almas dos justos

    Ora, restava tudo. A história da salvação dos homens apenas começara. Assim que a alma santíssima de Nosso Senhor se separou do corpo sagrado, apareceu às almas dos justos que aguardavam — algumas há milênios — a Redenção e a abertura das portas do Céu.

    Imaginemos, se pudermos, a emoção da alma de São José em contato com a de seu Filho, ou a felicidade indizível da alma de Adão e a de Eva, constatando que, afinal, o pecado por eles cometido, o pecado que provocara a decadência do gênero humano, estava perdoado e sua culpa redimida! E do mesmo modo, o júbilo ímpar da alma de tantos outros justos, patriarcas e profetas do Antigo Testamento ali reunidos, que aclamaram o aparecimento de Quem os libertava daquela longa espera. Esse encontro foi, sem dúvida, um espetáculo extraordinário.

    Na pior das horas, refúgio junto a Maria

    Contudo, para os apóstolos e discípulos que haviam fugido durante a Paixão, essa realidade espiritual e gloriosa era inteiramente desconhecida. Pelo contrário, achavam-se abatidos, prostrados, horrorizados, sem vislumbrar saída alguma para a dramática situação em que estavam. Cada qual se escondeu como pôde, esperando que a efervescência dos acontecimentos se extinguisse e a normalidade da vida de todos os dias fizesse com que deles se esquecessem.

    Outros eram, porém, os desígnios da Providência. Podemos conjeturar que houve um trabalho misterioso da graça no sentido de sugerir ao espírito de cada um deles o desejo de procurar Nossa Senhora e de se abrigar sob seu manto materno. Junto a Ela — sempre nos é dado supor — encontraram-se, chorosos e contritos, ainda incertos quanto ao futuro. Apenas a Mãe de Deus confiava e rezava, segura do triunfo de seu Divino Filho sobre a morte.

    De alguma maneira, também própria ao sobrenatural, a fidelidade de Maria Santíssima começou a contagiar a tibieza dos apóstolos, e a despertar na alma de cada um deles sensações, esperanças, percepções da maravilhosa graça que lhes estava reservada. No interior daqueles homens, em meio à tormenta da provação, foram se alicerçando uma convicção nova e um novo ânimo.

    Quer dizer, na pior das horas, porque se refugiaram aos pés de Nossa Senhora, receberam graças inestimáveis que os prepararam para tudo o que logo lhes aconteceria. Unidos em torno da Virgem Fiel, estavam em condições de acreditar na Ressurreição e de se predisporem à grandiosa missão para a qual haviam sido chamados.

    Confirmaram-se as mais audaciosas esperanças

    Na manhã do terceiro dia, ressurge glorioso o Redentor Divino e — como sugere a crença de piedosos autores, embora os Evangelhos não o narrem — aparece em primeiro lugar a Nossa Senhora, inundando-A de consolação e felicidade. Todo Ele era um só esplendor, espargindo luminosidade celeste a seu redor como o brilho de mil sóis!

    Aparece depois a Maria Madalena e a outros discípulos. A Ressurreição era já um fato incontestável. Os apóstolos creem e exultam. Tudo quanto era caminho sem saída, tornou-se viável e todas as esperanças, as mais audaciosas, confirmaram-se no triunfo de Cristo Ressurrecto. Vitória que representava, ao mesmo tempo, a afirmação de toda a vida d’Ele e um imenso perdão para seus discípulos. A partir daí estes passaram por uma autêntica conversão. Mais alguns dias, e receberiam a infusão do Espírito Santo, tornando-se cada qual uma coluna de amor e fidelidade sobre a qual se ergueria o edifício da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

    O homem fiel não se deixa abater pelos reveses

    Da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo e dos aspectos a ela vinculados — sejam os precedentes, sejam os que se lhe seguiram — depreendem-se para nós alguns ensinamentos.

    O homem modelado segundo o espírito do Divino Mestre, o homem que corresponde às graças obtidas pelos rogos de Maria, o homem fiel que obedece inteiramente a vontade de Deus e tem sua alma talhada pela doutrina da Igreja, esse homem possui uma têmpera tal que não há desastre, ruína ou tristeza, não há perseguição nem miséria que o abatam e o desviem de sua trajetória apostólica.

    Pelo contrário, quanto maiores os reveses, maior sua coragem; quanto mais inesperadas e inopinadas as derrotas, maior a sua vontade de reagir; quanto mais terríveis os golpes que ele recebe, maior a sua determinação de continuar a lutar. E se acontecer de ele cair prostrado durante a lide, Deus, que vela por ele e por sua descendência espiritual, fará com que de seus exemplos e de sua lição nasçam discípulos que continuem sua obra.

    E assim por diante, de glória em glória, de passo em passo, mas de dor em dor, de sofrimento em sofrimento, é possível levantar obras de uma grandeza e de uma beleza inimagináveis. Mas, essas obras nascidas da dor, da fidelidade, da constância e da entrega completa de si mesmo para que Deus execute sua vontade sobre os homens, nascem também da devoção e da união a Nossa Senhora, a qual nos alcança graças indizivelmente fortes, profundas e tonificantes.

    Júbilo que nos prepara para novas provações

    Outra lição que nos é dada pelo triunfo de Nosso Senhor sobre a morte vem das jubilosas celebrações que no-lo recordam.

    As pompas da esplêndida e brilhante liturgia da Vigília Pascal e do Domingo da Ressurreição nos falam de todas as alegrias legítimas e até gloriosas que o homem fiel pode desfrutar em sua vida. Entretanto, a missão e os trabalhos dos apóstolos convertidos nos ensinam não haver alegria que desvie o homem fiel do caminho da dor; não há felicidade que o amoleça, que o subtraia da austeridade com a qual trilha o caminho do Céu. Pelo contrário, como essa alegria é fruto do Espírito Santo, o homem sai desse dia de festa e de glória mais disposto a suportar todas as humilhações, todas as dores e todos os sacrifícios necessários para a grande batalha da salvação que ele terá diante de si.

    Por essas razões, ao celebrarmos a Páscoa da Ressurreição, devemos pedir a Jesus Ressurrecto, por intermédio de Nossa Senhora, a força de espírito pela qual não haja nenhuma provação que nos leve ao desespero, nem glória que nos leve à moleza. Assim, através desse caminho de sofrimentos sem desânimos, e de triunfos sem relaxamentos chegaremos afinal à imperecível glória do Céu, pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, nosso Redentor, e pelos rogos de Maria Santíssima, nossa Mãe, a cujas preces tanto devemos.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 8 e 14/4/1990)

  • Santa Maria Egipcíaca, exemplo de contrição

    Após levar uma vida pecaminosa, aos 29 anos Santa Maria Egipcíaca foi tocada pela graça de um modo inusitado… Então, converteu-se e viveu no isolamento, sujeitando-se à mais austera penitência.

     

    Tenho em mãos um texto da Légende Dorée, de Jaques de Voragine, sobre Santa Maria Egipcíaca, que passarei a ler e comentar. Há quem pergunte se tal fonte é histórica. Ora, o mundo necessita da existência de coisas dessas, as quais realmente alimentam a alma, sem indagações históricas nem outras preocupações dessa natureza, pela beleza intrínseca que elas contêm.

    Santa Maria Egipcíaca, também chamada a Pecadora, durante 47 anos levou no deserto uma vida de arrependimento e privações. Sua história foi por ela mesma contada ao Abade Zózimo, que certo dia a encontrou.

    Ao pedir o religioso que lhe dissesse quem era e de onde vinha, aquela estranha figura de mulher, negra e curtida pelo sol, respondeu:

    “Pai, perdoai-me, mas se vos revelar quem sou, fugireis como à vista de uma serpente e vossos ouvidos serão manchados por minhas palavras e vós sereis empestado por minha impureza. Eu me chamo Maria e nasci no Egito. Vim para Alexandria com 12 anos de idade, e durante 17 anos aí levei má vida. Mas um dia, como alguns habitantes dessa cidade fariam uma peregrinação para adorar a Santa Cruz, em Jerusalém, pedi aos marinheiros que me deixassem embarcar também.

    “E assim se fez a viagem. Mas eis que em Jerusalém, como eu me apresentasse com os outros peregrinos na porta da igreja, senti-me repelida por uma força invisível que não me permitiu entrar no templo. Vinte vezes aproximei-me das portas e vinte vezes essa força invisível me reteve, enquanto que todos os outros entravam livremente, sem que nada os impedisse. De tal sorte que, voltando ao albergue, compreendi que aquilo era uma consequência da minha vida criminosa. Então comecei a ferir-me, a verter lágrimas amargas, a suspirar do mais profundo do meu coração.

    Depois, vendo na parede uma imagem da Bem-aventurada Virgem Maria, supliquei-Lhe que me obtivesse o perdão dos pecados e a permissão de entrar na igreja para adorar a Santa Cruz. Em troca, prometi renunciar ao mundo e viver na castidade.

    “Essa oração me deu confiança e de novo me apresentei às portas da igreja; então pude entrar sem nenhum impedimento. E enquanto adorava piedosamente a Santa Cruz, um desconhecido deu-me três moedas, com as quais comprei três pães. E ouvi uma voz que dizia para atravessar o Jordão e vir para este deserto, onde vivo há 46 anos, sem jamais ter visto figura humana, alimentando-me dos três pães que trouxe comigo, os quais, tendo-se tornado duros como pedra, ainda são suficientes para minha alimentação. Quanto aos meus vestidos, há muito que se fizeram em pedaços, e durante os primeiros 17 anos de minha permanência no deserto fui atormentada por tentações. Mas no momento, pela graça de Deus, eu as venci inteiramente. Eis minha história. Eu a contei para que peçais a Deus por mim”.

    Então, o ancião, prostrando-se em terra, bendisse ao Senhor na pessoa de sua serva. E esta lhe disse: “Ouvi o que vou pedir-vos: no dia da Páscoa, atravessai novamente o Jordão, trazendo convosco uma hóstia consagrada. Eu esperarei na margem e receberei de vossas mãos o Corpo do Senhor, porque não mais comunguei, desde que aqui cheguei”.

    O ancião voltou ao seu mosteiro e no ano seguinte, estando próxima a festa da Páscoa, voltou ao Jordão levando consigo uma hóstia consagrada. Eis que percebeu a mulher, de pé, na outra margem e, tendo feito o sinal da Cruz sobre as águas, ela andou sobre as mesmas e assim chegou até o ancião. Este, maravilhado, quis se prostrar humildemente a seus pés, mas ela lhe disse: “Meu pai, guardai-vos de vos prosternar diante de mim, sobretudo agora que trazeis o Corpo de Cristo. Mas dignai-vos voltar ainda o ano que vem”.

    No ano seguinte, Zózimo não a encontrou na margem. Ele atravessou o rio e se dirigiu ao local onde a vira pela primeira vez. E lá a encontrou morta, estendida sobre a areia. Então, ele chorou amargamente e não ousava tocar seus restos. E, enquanto pensava como enterrá-la, leu uma inscrição sobre a areia: “Zózimo, enterrai meu corpo, dê minhas cinzas à terra e pedi por mim ao Senhor, pois fui liberta do mundo no segundo dia de abril”. Assim, o ancião abriu-lhe uma cova, sendo para isso milagrosamente auxiliado por um leão, que aí apareceu. E o ancião voltou ao mosteiro glorificando a Deus.

    Pulcritude do contraste entre o pecado e a penitência

    A Légende Dorée está inteira nessa narração. Podemos analisá-la ponto por ponto. Preliminarmente, consideremos a pulcritude do contraste aqui estabelecido entre o pecado e a penitência. Ela era uma pecadora péssima, uma mulher que durante 17 anos tinha vivido na pior das situações. Mas de repente, ela é tocada por vias imprevisíveis da Providência, e chega até o momento da conversão. Sabendo que haveria uma festa em Jerusalém, ela viaja por curiosidade e chega até à igreja; então à noção do pecado — do pecado escancarado e com sua hediondez — opõe-se a visão de um Deus três vezes santo e que tem horror ao pecado. Por vinte vezes, ela procura entrar na igreja, mas uma força invisível a impede: é Deus, infinitamente puro, infinitamente santo, que tendo horror ao pecado não quer a presença do pecador maculado em seu santuário.

    Entretanto, há ao mesmo tempo a graça e a misericórdia de Deus. Ela volta para a hospedaria e começa então a cair em si, na solidão de seu quarto. Ela pensa:

    “O que fiz eu? Ah! o meu crime é o meu pecado: “peccatum meum contra me est semper”, eu pequei contra Ti só e o meu pecado está continuamente de pé, increpando-me e censurando-me. Então percebo o mal que fiz; a cólera do Céu me aparta do resto das criaturas. E enquanto as portas do santuário estão abertas misericordiosamente para todo mundo, a mim Deus rejeita. Como eu caí baixo!”

    Notamos como isso é teológico e explica o grande arrependimento e a grande penitência que vieram depois.

    Providencialmente há uma efígie de Nossa Senhora em seu quarto; Maria Egipcíaca encontra então a Mãe de Misericórdia e a Porta do Céu, reza para obter o perdão e é convidada para uma penitência extraordinária: ela se afasta completamente dos homens e vai fazer uma dessas penitências de assustar. O pecado de assustar recebeu uma prevenção ou advertência de assustar, que é um convite admirável e de deslumbrar para uma penitência de assustar: ela atravessa o rio Jordão e se coloca num deserto, onde passa 47 anos sem ver ninguém. Então sua beleza de pecadora se esfuma no sol; ela está torrada, preta, causticada, endurecida, os seus trajes caem como andrajos. Ela está continuamente a rezar, numa solidão cheia de amor de Deus.

    Para receber a Comunhão, Santa Maria Egipcíaca caminha sobre as águas

    Numa primeira fase, Maria teve tentações, mas depois as tentações se retiram e ela fica fazendo uma penitência que é mais a penitência da inocência do que a do pecado. Porque ela se colocou num nível tão alto de virtude, que o perdão é inteiro. Quer dizer, faz uma penitência que já não é só por ela, mas naturalmente por todos os pecadores. E Deus queria que, antes de morrer, ela recebesse essa suprema prova da reconciliação: a Comunhão.

    Então acontece que um santo varão — varão como era comum naquele tempo: de barba branca, todo vestido de preto, com um capuz comprido e pontudo, usando um bordão — vai andando pelo deserto, parando para abençoar uma coisa, exprobar um crime, condenar um tirano, fazer um milagre, curando um doente, rezar diante de um ícone. E depois continua a caminhar sozinho pelas estradas. Eu só encontrei, em nossa época, algo de semelhante na vida do Bem-aventurado Charbel Makhlouf, cuja leitura recomendo. É admirável, toda feita desse encanto primitivo, magnífica!

    Então, o santo varão chega até o outro lado do deserto e a vê; pergunta quem ela era, e sua resposta é bem no tom sentencioso e grave daquele tempo: “Pai, perdoai-me, mas se vos revelar quem sou, fugireis como à vista de uma serpente, vossos ouvidos serão manchados por minhas palavras e vós sereis empestado por minha impureza. Eu me chamo Maria e nasci no Egito”.

    “Eu me chamo Maria e nasci no Egito”. Essa introdução da biografia dela tem uma grandeza e um senso literário verdadeiramente extraordinários.

    Santa Maria Egipcíaca está de tal maneira elevada no amor de Deus que, para receber a Comunhão, ela caminha sobre as águas. Deus perdoou tudo, esqueceu tudo, Se fez completamente amor para ela, a qual vive num conúbio com a graça divina o mais íntimo que se possa imaginar.

    No ano seguinte, o santo varão volta e ela não está à margem do rio. Ele atravessa o Jordão e encontra o corpo dela estirado no chão; sobre a areia ela escreveu algumas palavras, recomendando-lhe que a enterrasse.

    Para os funerais dessa espécie de anjo do deserto, vem o rei do deserto. Quer dizer, é altamente poético e arquitetônico que também um leão ali apareça. O leão, que domina o deserto, é a glória e o brilho do deserto, vem para ajudar os funerais. O santo varão velho e o leão cavam a sepultura, na qual ela é colocada; mais nada. Resta apenas essa história de Santa Maria Egipcíaca, um “apenas” que é uma página de ouro dentro da Légende Dorée. Notamos que maravilha se pode fazer através de uma narração de um grande acontecimento referente a uma grande alma.

    Contrição e amor de Deus

    Vemos também aí a beleza da contrição, a respeito da qual nossa época faz uma ideia completamente falseada, julgando que a contrição nos vem exclusivamente do temor de Deus, o qual nos afasta do seu amor; de onde a contrição é, debaixo de certo ponto de vista, o contrário do amor de Deus.

    Nada mais mal pensado do que isso. Em primeiro lugar, porque o autêntico temor de Deus é um dom do Espírito Santo. E o que procede do Espírito Santo não pode nos afastar do amor de Deus; pelo contrário, só nos une a Ele. Quem tem, portanto, verdadeiramente a graça de um saliente temor de Deus encontra nele um meio para subir ao amor. E notamos pela narração como, pelo arrependimento de seu pecado, Santa Maria Egipcíaca chegou até o auge do amor.

    Além disso, precisamos considerar que a atrição é provocada pelo temor, o qual é, aliás, um sentimento salutar. Mas é o amor de Deus que provoca a contrição. E uma pessoa pode passar a vida inteira contrita pelo pecado que cometeu, até crescendo em contrição e, ao mesmo tempo, em amor e em sagrada intimidade com Deus, Nosso Senhor.

    Por exemplo, São Pedro. Diz-se que até velho ainda chorava o pecado cometido ao negar Nosso Senhor, e que lágrimas percorriam sua face de maneira a abrir nela dois sulcos. Por quê? Com certeza, porque o olhar de Jesus permaneceu diante de seus olhos a vida inteira. E ele foi crescendo no amor a Nosso Senhor, na consideração daquele olhar, até extremos inimagináveis. Era a contrição que aumentava o amor, e o amor que aumentava a contrição e a intimidade com o Redentor.

    Quer dizer, essas coisas se entrelaçam. E a vida de Santa Maria Egipcíaca não nos deve causar terror, mas enlevo pela figura patriarcal e primitiva dessa grande penitente. A Igreja é mais ou menos como um dia luminoso: o sol tem seu colorido da aurora e de todas as horas do dia. E todas essas cores são bonitas. A Esposa de Cristo possui um colorido para cada era de sua vida. E aqui é o colorido da Igreja primitiva: das grandes mortificações, das grandes penitências, dos grandes pecados, das grandes contrições, das inocências virginais, da austeridade requintada. É o velho som de um sino que nos vem do passado, lembrando-nos exatamente aquela velha gravidade, aquela seriedade da Igreja primitiva, tão capaz de empolgar as almas que verdadeiramente procuram amar a Nossa Senhora.

    Assim, pensar em Santa Maria Egipcíaca é um refrigério para nós. E devemos pedir a ela que nos dê uma contrição verdadeira de nossos pecados, mas uma contrição na paz, sem escrúpulos; uma contrição verdadeiramente santa, que aproxime nossas almas de Nossa Senhora.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 31/3/1967)

  • RESSURREIÇÃO E FELICIDADE ETERNA

    Ora, se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição de mortos? ” (I Cor 15, 12-13). A comemoração da ressurreição de Nosso Senhor, diz Dr. Plinio, é um prenúncio de nossa própria ressurreição.

     

    Antes de ser ensinada e difundida pela Igreja Católica, a crença na ressurreição dos corpos era motivo de grande perplexidade para as religiões e os filósofos pagãos do mundo antigo. Sem  acreditar na imortalidade da alma humana, eles estavam convencidos de que, com a morte, uma pessoa ou desaparecia completamente, ou algo dela se reincorporaria — perdendo a identidade consigo mesma — na natureza ou num deus impessoal existente alhures.

    Surpreendente doutrina que dividiu o mundo antigo

    Com o advento do Cristianismo e a pregação dos Apóstolos, a doutrina da ressurreição dos mortos causou imensa atração. Com efeito, a ideia de que o homem é constituído por uma alma espiritual e um corpo material, e a noção de que um Deus onipotente ressuscitará a todos nós por toda a eternidade, como ressuscitou a Si mesmo,
    reunindo novamente em cada pessoa os dois elementos que a compõem — era de molde a surpreender e a maravilhar aqueles povos da antiguidade.

    Porém, diante do Evangelho, ou seja, da boa notícia de que o Verbo de Deus se tinha feito carne, nos havia remido, ressuscitara e abrira o caminho da ressurreição para todos nós, os espíritos se dividiram. Uns se mostravam antipáticos ao novo ensinamento, preferindo suas velhas convicções de que a existência do homem termina com sua morte e, portanto, tratava-se de prolongar e aproveitar ao máximo a vida terrena.

    Outros, mais elevados, mais alígeros, pensavam: “Depois da série de tormentos que suportamos neste mundo, eu julgava que me afundaria no negrume da sepultura, desfazendo-me no nada. E agora vem um homem chamado Pedro e me diz que ele tem as chaves do reino dos Céus! E me ensina que haverá essa ressurreição gloriosa, que um dia, cheio de luz, eu me levantarei da sepultura para uma felicidade da qual as coisas terrenas nem sequer dão uma ideia!? Que maravilha!”

    Compreende-se que a nova doutrina causasse essa divisão em duas famílias de almas. Aconteceu, então, que os da primeira, mais numerosos, mais poderosos, começaram a desafiar e a perseguir os da segunda: surgiram os mártires do tempo do Império Romano. Homens e mulheres convertidos ao cristianismo, até ontem respeitados e venerados por seus semelhantes, agora se encontram ali, na arena do Coliseu, semi-desnudos, invectivados e vaiados por uma multidão enraivecida.

    Por quê? Porque abraçaram a crença na vida eterna.

    Belezas que envolvem a ressurreição dos mortos

    Não é difícil, pois, imaginar o drama e a reviravolta que a pregação da ressurreição provocou na velha humanidade.

    Como não é difícil nos darmos conta de que não podemos tomar como banalidade o que deixou pasmo um antigo, perplexo um imperador romano, o que causava dor de cabeça a um filósofo   pagão, e fazia estremecer de alegria um ancião ou uma criança inocente. Antes, devemos sempre ter presente toda a beleza que essa verdade encerra, e o quanto ela foi, ao longo da história da Igreja, ensinada e fundamentada pelos maiores e mais ilustres expoentes da Teologia católica.

    Para não nos estendermos, basta evocarmos o pensamento do grande São Tomás de Aquino, que prova a ressurreição com argumentos tirados da razão natural e da Escritura: é fato revelado pelo Espírito Santo.

    E ele apresenta como um dos elementos da Revelação esta frase de São Paulo: “Quando tu semeias, não semeias o corpo da planta que há de nascer, mas semeias o mero grão”. A interpretação fantástica dada pelo Doutor Angélico: o grão é o cadáver e a planta que nascerá é o homem ressurrecto, saído daquele. Esta sentença se ajusta de modo magnífico às palavras de Nosso Senhor no Evangelho: “Se o grão não se decompor, não frutifica”. Quer dizer, enquanto o homem não termina a sua batalha neste mundo e morre, dele não brotará o fruto da sua própria ressurreição.

    Assim, quando se fecha a tampa do caixão contendo um cadáver, devemos ter o seguinte pensamento, inspirado pela Fé: “Se é verdade que a morte representa um castigo, verdade é também que aqui está uma semente para a ressurreição”.

    Nisto devemos ver, também, como é bela a continuidade de uma vida humana levada na virtude e no amor a Deus, de uma existência virtuosa que passa sobre a morte com os olhos postos nas  glórias da ressurreição. É essa verdade que nos incute ânimo, que nos explica a vida, que nos faz seguir sempre em frente, rumo ao encontro da eterna e completa felicidade.

    Felicidade esta que o mesmo São Tomás aduz como mais uma prova da ressurreição. Posto que o homem procura como meta final a alegria perfeita, a qual não pode ser achada senão na eterna bem-aventurança, tem de haver uma vida após a morte e uma ressurreição da carne. Sob pena de que tudo neste universo seja coisa errada, fracassada, e sem sentido.

    De fato, para que viver, se não existe este objetivo de alcançar a felicidade sem limites, infinita, sem sombras, onde compreendemos eternamente, na medida de nós mesmos, o eterno, o insondável e perfeitíssimo que é Deus? Ver Deus em Deus, ver Deus na pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, vê-Lo em Nossa Senhora, nos Anjos e nos santos! Esta é a autêntica alegria. O que não for isto, é burla em matéria de felicidade.

    Portanto, com o auxílio e o amparo da Santíssima Virgem, chegará para todos nós o dia em que nossas almas estarão definitiva e perenemente unidas aos nossos corpos. As dores e os júbilos efêmeros desta vida terão passado, nós estaremos no Céu por todo o sempre.

    Alegria da Páscoa, prenúncio de nossa ressurreição

    Para concluir, vem a propósito evocar uma vez mais o ensinamento de São Tomás de Aquino. Ele se pergunta se a ressurreição dos homens tem como causa a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, e responde pela afirmativa. Ou seja, até Nosso Senhor, ninguém havia entrado no Céu. Somente depois da Paixão, Morte e Ressurreição do Cordeiro de Deus é que foram franqueadas para a humanidade as portas da bem-aventurança eterna. E o dia da Páscoa é a festa por excelência da Ressurreição d’Ele, mas traz no seu cortejo a perspectiva da ressurreição de todos os homens no dia do magno Juízo.

    Então se compreende que na alegria pascal, tão característica, temos um pouco do prenúncio de nossa própria ressurreição, e este sentimento se reflete no modo católico de viver o dia da festa da Ressurreição de Jesus.

    Plinio Corrêa de Oliveira

  • Paixão de Cristo

    Embora fosse infinitamente superior aos homens, Nosso Senhor Jesus Cristo chegou ao extremo de receber todos os ultrajes que Lhe foram feitos em sua Paixão, com imensa doçura.

    Assim sua superioridade tornou-se não apenas régia, mas, por essa doçura, digna de ser amada. É uma elevação enquanto corolário da misericórdia, consentindo em colocar-se num plano indizivelmente menor, por amor àqueles que Lhe são inferiores.

    Plinio Corrêa de Oliveira, 18/10/1989

  • De pé, como uma tocha de esperança

    Na hora do Gólgota, no momento mais trágico que houve e haverá na existência da humanidade, Nossa Senhora permaneceu fiel. Não se entregou, não fraquejou, não traiu, não recuou.

    E continuou de pé como uma tocha de oração e de esperança. Maria permanecia ereta, em toda a força de seu corpo e de seu espírito, com os olhos inundados de lágrimas, mas com o coração inundado de luz. Possuía a Fé inabalável, a certeza inamovível de que, após a grande tragédia, depois do abandono geral, viria a aurora da Ressurreição, viria o alvorecer da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, nimbada de glória a partir de Pentecostes. E de que, de cruzes em luzes, de luzes em cruzes, o mundo chegaria até o momento que em Fátima Ela prenunciou: “Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!”

     

    Plinio Corrêa de Oliveira

  • É de noite que é belo acreditar na luz!

    Nossa Senhora acreditou na luz durante a terrível treva da Paixão. Nesse tremendo desamparo, vendo que cada chaga era uma razão humana para tornar indiscutível a morte de seu Divino Filho, Ela teve uma Fé plena.

    Quando Maria Santíssima segurou aquele cadáver nos braços, no momento em que O acolheu para ser objeto dos cuidados e levado à sepultura, tendo aquela imensa derrota física nas mãos, Ela via toda a impossibilidade natural da Ressurreição e fazia um ato tranquilíssimo de Fé: “Ele ressuscitará. Eu creio porque Ele prometeu!”

    Plinio Corrêa de Oliveira, 19/11/1971

  • Uma devoção da cristandade…

    Nosso Senhor Jesus Cristo morreu numa sexta-feira e ressuscitou num domingo. Ambos os dias foram-Lhe especialmente consagrados, de modo que, semanalmente, relembram a Paixão e a Ressurreição do Senhor. Porém, entre estes dias há outro: o sábado. Como faria a civilização cristã para solenizar este dia posto entre duas datas tão sublimes?

     

    Na Idade Média, sob o impulso dos monges cluniacenses, o sábado passou a ser consagrado a Nossa Senhora. Mas, por que razão a piedade católica instituiu esse costume?

    A Ressurreição

    Embora os Apóstolos tivessem um misterioso instinto de que a história de Nosso Senhor não podia estar concluída e que a última palavra ainda não fora dita — caso contrário haveriam se dispersado —, eles ainda não tinham atinado com a ideia da Ressurreição.

    Não concebiam eles que Quem ressuscitara Lázaro — fato que eles puderam comprovar —, ressuscitar-se-ia a Si próprio; não imaginavam que Nosso Senhor aceitaria o desafio lançado pelo mau ladrão crucificado a seu lado: “Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo!”(1). Cristo fez muito mais do que descer da Cruz e curar-se a Si próprio: Ele consentiu em morrer para depois ressuscitar-Se.

    De fato, a Ressurreição é algo tão extraordinário e miraculoso, que o espírito humano é propenso a sequer imaginá-la. Pois, se um vivo ressuscitar um morto é incomum, quanto mais o é um morto voltar à vida por suas próprias forças, sair dos abismos da morte e dizer a seu corpo: “Levanta-te!”… Esta é uma espécie de vitória dentro da vitória, de esplendor dentro do esplendor, que o espírito humano não pode sequer imaginar.

    A Fé da Santíssima Virgem sustentou o mundo

    Porém, havia alguém que possuía plena certeza na Ressurreição de Jesus: Maria!

    No sábado que precedeu a Ressurreição de Nosso Senhor, somente Nossa Senhora, em toda a face da Terra, teve uma Fé completa e sem sombra de dúvida na Ressurreição. Ela possuía uma certeza absoluta, uma expectativa imensamente dolorida por causa do pecado que havia sido cometido, mas imensamente calma, com a certeza da vitória que se aproximava.

    A cada minuto que passava, de algum modo a espada da saudade e da dor penetrava ainda mais seu Coração Imaculado. Mas, de outro lado, havia a certeza de uma grande alegria da vitória que se aproximava. Esta concepção inundava-A de consolação e gáudio.

    Maria Santíssima, nesta ocasião, representou a Fé da Santa Igreja e, por assim dizer, sustentou o mundo, dando continuidade às promessas evangélicas, pois, se não houvesse Fé sobre a face da Terra, a Providência teria encerrado a História.

    Maria foi a Arca da Esperança dos séculos futuros. Ela teve em Si, como numa semente, toda a grandeza que a Igreja haveria de desenvolver ao longo dos séculos, todas as promessas do Antigo Testamento e todas as realizações do Novo; tudo isto viveu dentro da alma de Nossa Senhora.

    Podemos até nos perguntar se este episódio não foi mais bonito do que quando a Santíssima Virgem trazia o Messias em seu seio. Numa ocasião Ela gestava o Messias e carregava dentro de Si a salvação do mundo inteiro; noutra, tinha Ela em Si a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, portanto, o Corpo Místico de Cristo.

    É à noite que é belo acreditar na luz

    Na obra Chanteclair, de Edmond Rostand, há uma linda frase: “É à noite que é belo acreditar na luz”.

    Que mérito há em acreditar na luz ao meio-dia? Mas, acreditar na luz à meia-noite, ou mais ainda, às três horas da manhã, quando até a própria meia-noite já vai longe, tem-se a impressão de que o curso das coisas nos afundou nas trevas definitivamente; aí é que é belo acreditar na luz.

    Ora, Nossa Senhora acreditou na luz durante a terrível meia-noite da morte de seu Filho. Apesar de presenciá-Lo “rompu, brisé, anéanti”(2), Ela não teve dúvida nenhuma.

    Quando Jesus morreu e Nossa Senhora teve seu divino cadáver no colo, Ela fez um tranquilíssimo ato de Fé, dizendo: “Apesar destas chagas e desta morte estraçalhante, Ele ressuscitará! Eu creio porque Ele prometeu!”

    Este foi, sem dúvida, um dos mais belos momentos da vida d’Ela.

    A fidelidade de Maria fez-Lhe merecer, até o fim do mundo, ser lembrada especialmente aos sábados

    Compreende-se assim, com que tato a Igreja escolheu para festejar Nossa Senhora este dia que lembra exatamente a hora trágica da dúvida e do abandono de todos.

    No sábado, Jesus estava na sepultura, cheio de perfumes e de aromas, envolto no sudário. O sepulcro estava selado por uma enorme lápide e guardado por soldados. Para todos estava tudo acabado, exceto na alma d’Ela, onde uma tocha de Fé e de convicção ardia com a certeza de que Ele ressuscitaria.

    Este é o Sábado Santo, dia especialmente consagrado a Nossa Senhora.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/11/1971)

     

    1) Lc. 23, 39.
    2) Roto, quebrado e aniquilado.

  • Santa Maria Madalena: fruto da penitência e do desapego!

    Estando profundamente arrependida, Santa Maria Madalena perdeu o apego às coisas da Terra que lhe foram ocasião e motivo de pecado, e voou à contemplação.

    Meditando na vida da Santa Penitente, Dr. Plinio põe-se a seguinte interrogação: existirá alguma correlação entre espírito de contemplação, espírito de arrependimento, e desprendimento das coisas desta Terra?

     

    Santa Maria Madalena mereceu ser a primeira pessoa a contemplar o Salvador ressuscitado.

    No famoso episódio do banquete, em que Maria Madalena — tudo leva a crer que dela se tratava — ungiu os pés de Nosso Senhor, há aspectos colaterais os quais nos fornecem algumas perspectivas da alma e da vida dela, bem como de sua posição no firmamento da Igreja, que seria o caso de comentarmos.

    Contemplação e penitência

    Ela era irmã de Lázaro, o qual segundo a tradição, pertencia à alta sociedade porque era um homem muito rico. Portanto, Lázaro e suas duas irmãs eram pessoas de alta categoria, mas Maria Madalena havia decaído muito e se tornara uma pecadora pública.

    Depois do seu arrependimento, Santa Maria Madalena passou a representar duas coisas que se tornaram claras: de um lado a contemplação, e de outro a penitência.

    Ela se diferenciou de Marta, no célebre episódio em que Nosso Senhor disse a esta última — que censurava Madalena porque não estava se ocupando das coisas da casa, mas se limitava a olhar para Ele e ouvi-Lo —: “Marta, Marta, Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada!”(1)

    A partir de então, Santa Maria Madalena representou o estado puramente contemplativo, destacado da vida ativa. E, pelo seu grande arrependimento, pela sua fidelidade ao pé da Cruz, e pelo fato de ter sido a primeira que teve notícia da ressurreição do Redentor, ela passou a simbolizar não apenas a contemplação, mas a penitência, a penitência na sua glória, no estado do maior perdão e da maior intimidade com Nosso Senhor.

    Com o exemplo da vida dela, e de outros santos, alguns teólogos pretenderam que o estado de penitência séria, profunda, é mais bonito que o estado de inocência.

    Judas, o oposto de Santa Maria Madalena

    Em terceiro lugar, ela representou também a afirmação dos direitos da inocência e dos direitos de Nosso Senhor.

    Em que sentido?

    Todos se lembram deste fato: estando o Divino Salvador em Betânia, foi oferecida uma ceia em sua honra. Madalena entrou e, quebrando um vidro de perfume, começou a ungir os pés de Nosso Senhor. Judas censurou-a a esse respeito, mas o Redentor justificou a atitude dela(2).

    Vemos aí a penitência, juntamente com a contemplação, numa espécie de irredutível oposição ao espírito sem nenhum arrependimento de Judas. Este, em vez de arrepender-se, caiu no desespero, como mostra o ato pelo qual ele se enforcou na figueira.

    Enquanto ela, como contemplativa e penitente, representava a renúncia aos bens da Terra, Judas, como ladrão, traidor — e traidor por dinheiro —, simbolizava o apego aos bens deste mundo.

    Dois itinerários que se cruzaram

    O que pode ter levado esse miserável a ter tanto apego ao dinheiro? Um apego que naturalmente chegou ao ódio ao Redentor, porque ninguém faz uma traição como aquela, apenas por lucro, sem ódio; no fundo, um ódio que domina o próprio espírito de lucro. A roubar as esmolas coletadas para os pobres? Ele que era o defensor dos direitos dos pobres, na hora em que se verteu o perfume nos pés de Divino Mestre… Ao desejo de se tornar rico, para ter uma carreira colateral à de apóstolo, e ser um homem considerado importante naquela sociedade de Jerusalém, julgando que ele perdia algo de sua carreira humana seguindo a Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem os fariseus desdenhavam como um homem sem importância?

    Judas fez tais coisas porque, quando ele estava junto a Nosso Senhor e ouvia as prédicas e assistia aos milagres do Divino Mestre, o seu espírito saía de lá e começava a pensar em Jerusalém, nas suas praças ou no Templo, onde ficavam os tão “finos, simpáticos e inteligentes” fariseus.

    Porque não se reteve nas contemplações do Redentor e começou a aspirar às coisas do mundo, ele caiu em pecado. E esse pecado, chegando até o extremo, o conduziu ao desespero: Judas então se enforcou na figueira maldita.

    Podemos admitir a possibilidade de que, em determinado momento, Judas esteve em estado de graça e Maria Madalena em pecado mortal. Ela saiu do pecado, para subir a um alto grau de virtude, e ele desceu da condição de apóstolo, para a qual tinha sido convidado por Nosso Senhor — houve, portanto, uma hora em que o Redentor não só o amou, mas o amou até o fim, e Judas amou a Nosso Senhor —, ele desceu desta condição, para ser o vendilhão do Salvador.

    Vemos assim quanto pode subir uma alma que está no lodo, e quanto pode cair uma alma chamada para o que há de melhor. Foram dois itinerários que se cruzaram; é uma coisa que nos arrepia, enche de terror.

    Santa Maria Madalena e Judas; espírito de Jacó e de Esaú

    A oposição das figuras de Santa Maria Madalena e de Judas torna-se tão flagrante que vai até ao Calvário e à Ressurreição.

    Ela estava ao pé da Cruz, e ele, o apóstolo maldito, o homem execrando, foi quem encaminhou Nosso Senhor para a Cruz. Santa Maria Madalena é a primeira a presenciar a Ressurreição, enquanto ele se enforca e sua alma cai porcamente no Inferno.

    As antíteses entre um e outro estado de alma são tremendas; os espíritos são diferentes. Compete-nos fazer uma análise dos traços desses espíritos.

    Que nexo há entre arrependimento, pura contemplação e desapego dos bens do mundo, de um lado; e de outro lado, impenitência final, desespero, apego aos bens do mundo, enchafurdamento na vida prática, ativa, como fazia Judas, homem que naturalmente roubava e fazia negócios desonestos? Que paralelismo existe entre uma coisa e outra?

    Há algum tempo tratei neste auditório a respeito de Esaú e de Jacó, e falei sobre o espírito de ambos.

    Santa Maria Madalena nos afigura como quem teve o espírito de Jacó. Quer dizer, espírito superior, voltado para as coisas elevadas, portanto para Deus, e indiferente às coisas materiais do mundo.

    Judas é o tipo do Esaú. Mais do que vender o direito de primogenitura por um prato de lentilhas, ele vende seu Salvador por trinta dinheiros, o que é muitíssimo pior. E não teve verdadeiro arrependimento, porque nele não havia mais nenhuma forma de virtude sobrenatural. Fracassou totalmente, caiu no desespero e suicidou-se.

    Contemplação nascida da penitência e do desapego

    Então, que nexo existe entre estas três coisas: o espírito de contemplação, o espírito de arrependimento, e o desprendimento das coisas desta Terra?

    É fácil compreender, pois uma pessoa, de qualquer um desses pontos parte para o outro. Estando profundamente arrependida, com arrependimento eficaz, ela perde o apego às coisas da Terra que lhe foram ocasião e motivo de pecado; e, tendo esse desapego, facilmente vai para a contemplação. A pura contemplação e a renúncia das coisas devido às quais ela pecou, levada ao último extremo, são o próprio da penitência. Quem pratica a verdadeira penitência não se limita a separar-se daquilo que o conduziu ao pecado; ele o execra. E por isso coloca, entre aquilo por onde pecou e si mesmo, a maior das distâncias.

    Para praticar essa penitência tão grande, convinha a Santa Maria Madalena separar-se completamente do mundo. E não ficar apenas no estado de uma vida contemplativa e ativa, mas levar vida puramente contemplativa, em que tudo foi abandonado, e qualquer forma indireta de contato com a matéria execrada devido ao pecado foi também cortada; assim, não lhe restava outra coisa senão a contemplação. Contemplação que, nascida da penitência e do desapego, faz compreender a excelência das coisas do Céu, e que todas as coisas da Terra foram feitas para as do Céu. Portanto, era justo e bom derramar unguento nos pés sacrossantos de Nosso Senhor Jesus Cristo, mesmo quando houvesse pobre que precisasse de esmola.

    A pecadora arrependida amava Nossa Senhora, e o traidor A detestava

    Todos os que têm tratado deste particular dizem o seguinte: Judas com certeza não tinha devoção a Nossa Senhora. Se tivesse para com a Santíssima Virgem um mínimo de instinto filial, de simpatia, de amor, quando ele caiu inteiramente em si iria procurar por Ela; e ter-Lhe-ia pedido que arranjasse a situação dele. Mas Judas tinha antipatia por Nossa Senhora, e A detestava. O Evangelho diz, de modo taxativo, que o demônio tinha entrado nele. E o demônio afastava-o o quanto possível da Virgem Maria.

    Qual o resultado? Ele não se dirigiu Àquela que é o canal das graças, e isto ocasionou a sua perdição.

    São Pedro, depois de ter renegado Nosso Senhor, talvez tenha tido tentação de desespero. Mas é certo moralmente que ele procurou Nossa Senhora. Por isso, ele, que também tinha pecado muito, foi fiel, sendo o primeiro Papa da Santa Igreja Católica.

    Santa Maria Madalena sempre aparece fazendo parte do cortejo da Santíssima Virgem, intimamente unida a Ela em todos os momentos, sobretudo na hora régia da vida de Nossa Senhora, quando Nosso Senhor Jesus Cristo, com dores indizíveis, disse “Consummatum est”.

    Podemos imaginar Santa Maria Madalena junto a Nossa Senhora, na hora da piedade, quando  Mãe de Deus tinha Nosso Senhor Jesus Cristo sobre seu colo.

    Naquele momento tremendo, Nossa Senhora ficou inteiramente abandonada: Nosso Senhor no sepulcro, o Colégio Apostólico vacilante, a cidade de Jerusalém entregue a terremotos, e os justos da Antiga Lei andando de um lado para o outro. A Santíssima Virgem, nessa situação tão pouco conhecida, estava completamente só.

    Tenho a impressão de que não Lhe faltou a assistência de Santa Maria Madalena, a qual estava junto d’Ela. E porque permaneceu junto à Mãe de Deus, ela recebeu um rosário de glórias, cada uma mais extraordinária do que outra.

    Quando vemos tudo isto, é impossível não estremecermos com a nossa própria fraqueza. Mas é impossível também que não nos sintamos concertados com este ponto: por mais fraco que o homem seja, desde que ele se apegue muito a Nossa Senhora, peça-Lhe muito por sua própria perseverança e para que Ela o ampare, nunca o abandone, ele encontra aí um ponto de firmeza, de solidez.

    A última das pecadoras aproximou-se de Nossa Senhora e se tornou uma penitente gloriosíssima. Um apóstolo, que era distante de Nossa Senhora e frio para com Ela, tornou-se o filho da maldição e da perdição, que Dante coloca no Inferno dentro da boca de Satanás, com as pernas para fora, o eternamente triturado. Enquanto que podemos imaginar, no Céu, Santa Maria Madalena posta bem perto do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, agradecendo os favores imerecidos de que ela foi repleta. 

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/7/1965)

    1) Lc 10,42.
    2) Cf. Jo 12,1-8.

  • O poder das lágrimas de Maria

    No momento de Jesus ser retirado da Cruz para ser depositado, como sobre um altar, nos joelhos virginais e santíssimos de sua Mãe, Nossa Senhora olhava para Ele e chorava amargamente.

    As lágrimas de Maria Santíssima, vertidas tão abundantemente quanto o sangue por Ele derramado, operaram algo extraordinário: para que os efeitos da Redenção santíssima se aplicassem plenamente a nós, essas lágrimas mereceram o que nós não mereceríamos, aquilo que os nossos pecados rejeitaram afastando de nós o Sangue de Cristo.

    Pelas lágrimas de Maria, intercessora onipotente junto a Deus, a misericórdia exalada pelo Sangue de Cristo mais uma vez desceu até nós, nos resgatou, nos deu forças e nos incitou à luta.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/4/1990)