Categoria: Santos do dia

  • São Beda – Venerabilidade e espírito católico

    A Santa Igreja comunica uma nota de venerabilidade a tudo. O contrário disso é a influência exercida pela “heresia branca” e pela superficialidade otimista de nossos dias.

     

    Segundo a ficha que tenho em mãos, São Beda, o Venerável1, foi um dos sábios mais ilustres do seu tempo. Tal era a sua santidade que, por não poderem chamá-lo de Santo ainda em vida, deram-lhe o título de Venerável, que não perdeu depois da morte.

    Título atribuído às pessoas cujo processo de canonização está em curso

    Seria interessante fazermos um comentário não tanto considerando o Santo, mas o seu título. Ele era reputado como um dos homens de maior instrução e tão virtuoso que, não ousando os seus contemporâneos chamá-lo de Santo – porque ninguém pode receber este título antes de ser canonizado pela Igreja –, chamavam-no de Venerável. Porque Venerável é o título atribuído pela Igreja às pessoas cujo processo de canonização está em curso.

    A aplicação desse título tem variado ao longo dos séculos, de acordo com os lugares e a disposição do Direito Canônico. Até algum tempo atrás, se chamava Venerável aquele cuja causa de canonização tinha sido introduzida, mas que ainda não havia sido beatificado. A beatificação se dava quando a Igreja, depois de examinar a vida e as obras de uma pessoa, concluía que ela havia praticado em grau heroico as virtudes teologais e cardeais. Deveria ser ratificada por um milagre e dava a certeza de que a pessoa estava no Céu. E importava a autorização para um culto local, ou no lugar onde a pessoa tinha vivido; “local” no sentido de circunscrito às capelas ou oratórios de uma Ordem Religiosa a que ela havia pertencido.

    Depois, com a canonização que dependia apenas de novos milagres, a pessoa era elevada à honra dos altares, apontada como exemplo e posta como objeto de culto pela Igreja universal. O Venerável era, portanto, aquilo que hoje se chama o Servo de Deus, havendo todas as razões para supor que ele vai ser canonizado, uma vez que o seu processo foi introduzido. Mas, de fato, o número de processos de canonização que encalham em curso é muito grande.

    Venerável era, portanto, uma pessoa digna de veneração, da qual se presumia a santidade. E eu queria me ater a esse título de Venerável para considerar um aspecto da Moral católica, o qual está muito pouco em foco hoje em dia, e que os costumes do mundo atual tornam especialmente ignorado e malvisto.

    Perfil moral de uma pessoa venerável

    O que é propriamente uma pessoa venerável? Diz-se que alguém é venerável, por exemplo, quando atingiu uma idade provecta e tem a seriedade e a dignidade desta idade. Assim, um homem de oitenta anos que cumpriu sempre os seus deveres, teve uma prole numerosa, praticou alguma ação insigne pela Igreja ou pelo Estado; aquela longa continuidade na prática de uma virtude, embora não seja uma virtude extraordinária, incute respeito. Então, se diz que essa pessoa é venerável, nós a veneramos.

    Podemos dizer que é venerável um homem que, por exemplo, se portou heroicamente durante uma guerra e foi ferido em combate. Um general que ganhou muitas batalhas é um homem venerável. Por quê? Porque, evidentemente, ele praticou atos extraordinários, incomuns, que merecem  respeito. Uma religiosa que durante muito tempo cuidou dos leprosos, com risco do próprio contágio, é venerável. Porque uma longa prática de uma abnegação num estado de vida sumamente respeitável, como é o  religioso, enfrentando o risco de contágio, que aumenta a abnegação de que a religiosa deu provas, tornam-na venerável. Então, de todas essas aplicações correntes da palavra “venerável”, que não são suas aplicações canônicas, nós traçamos o perfil moral de uma pessoa venerável.

    Venerável é uma pessoa que tem uma profundidade de espírito maior do que a comum, adquirida pelo estudo, pela experiência, pela meditação. Possui uma têmpera, uma força de vontade, uma constância incomum. Mesmo em circunstâncias adversas, com sacrifício de sua própria existência, sua saúde, de seu próprio conforto, de sua riqueza, ela traçou uma linha de conduta boa e a seguiu até o fim. Ela se faz notar por um modo de presença que incute o respeito. A pessoa venerável está presente, os outros amam de ver aquela respeitabilidade e a respeitam, têm uma tendência natural a se inclinar, a prestar reverência, a obsequiar; e fazem isso como quem pratica um ato de justiça devido.

    Como vemos, a ideia de venerabilidade tem na sua raiz o conceito de seriedade, e como corolário a ideia de força e de abnegação. Quem é sério, forte e abnegado, torna-se respeitável. Aqui está o conceito de venerabilidade.

    Seriedade, força, abnegação

    Há no centro de São Paulo uma imagem que dá uma ideia bonita de venerabilidade: a de São Bento localizada no pórtico do mosteiro beneditino. Tanto aquela imagem quanto a fachada devem ser consideradas no momento em que o sino grave do mosteiro anuncia seis horas da tarde, quando, sobre a zoeira idiota e superagitada da cidade, descem aqueles sons meditativos, compassados e nobres. Então, temos as torres imutáveis, perpétuas, de um granito em que nada toca, que resiste a todas as transformações da cidade e são sempre as mesmas; um sino vinculado a uma tradição que vem do fundo dos séculos, com timbre grave, solene; o pórtico bonito, nobre, que avança sobre a rua, e a torre em cujo ângulo figura um Anjo apoiado sobre um letreiro que diz: “Ora et labora”. É o símbolo da venerabilidade. “Reza e trabalha” é o lema da Ordem de São Bento: medita, considera, contempla e trabalha com as suas próprias mãos.

    Na frente, a figura de São Bento: um homem já sexagenário ou mais, com uma grande barba, um ar de pastor, com um cajado, olhando a cidade que passa. É o próprio exemplo da estabilidade, da seriedade, da profundidade de vistas, da alma patriarcal, do espírito varonil desses homens que não têm prole material, mas possuem prole espiritual infinda, e cuja figura se impõe à veneração de todos os séculos. Esta é a venerabilidade. Ela, como eu disse, tem como fundo a seriedade, como prolongamento a força e como ponto terminal a abnegação. Quem é sério, forte, abnegado, este é respeitável.

    Quando virmos alguma coisa que não é venerável, tenhamos certeza de que ali não está o sinal distintivo, o espírito próprio da Igreja Católica. Ela comunica uma nota de respeitabilidade e de venerabilidade a tudo. A Igreja não toca em nada sem enobrecer aquilo em que tocou, e não há verdadeira nobreza que não se distinga pela nota da venerabilidade.

    As nocivas influências da “heresia branca” e do otimismo

    A sacralidade é a mais alta expressão da venerabilidade. Isto vale para formar o nosso espírito contra duas espécies de influências que recebemos: primeiro, a “heresia branca”(2) expressa em certas imagens de Santos que olham com uma carinha sentimental e despreocupada. Não deveriam ser assim. As coisas santas precisam ser veneráveis, incutir respeito. É necessário defender Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora, a Santa Igreja Católica contra isto.

    Em segundo lugar, contra outra forma de influência que reputo também muito inconveniente e nociva: essa espécie de otimismo cândido e engraçado de nossos dias, que não é senão uma espécie de bobeira oficializada. Pessoas corroídas de preocupação, que trabalharam o dia inteiro como mouros, de olho afiado para pegar o que puderam, e que, entretanto, chegando a hora do jantar, à noite, estão todas com umas carinhas de anjinhos inocentes e idiotas, não Anjos verdadeiros, mas uma caricatura.

    É contra essas influências que destaco o título de São Beda, o Venerável. Como eu gostaria de o ter conhecido, como me atrai imaginar seu porte que é mais de um monumento do que de gente; quando um homem adquire tal ar, fica parecido com uma catedral! Então, vendo São Beda, o Venerável, ajoelhar-me diante dele, oscular seus pés e implorar que ele me obtivesse de Nossa Senhora algo dessa venerabilidade, sem a qual não se tem o espírito católico.            v

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/5/1970)

    Revista Dr Plinio 254 (Maio de 2019)

     

    1) Presbítero e Doutor da Igreja. Passou toda a sua vida no mosteiro de Wearmouth, na Nortúmbria, Inglaterra. Dedicou-se com fervor a meditar e expor as Sagradas Escrituras (†735).

    2) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

  • Auxílio dos pequeninos

    Nossa Senhora Auxiliadora Se apresenta a nós com o Menino Jesus no braço para indicar a relação materna que Ela tem com o Divino Infante. Relação de intimidade absoluta, com a disposição de atender as últimas e menores dificuldades de uma criança, com aquele afeto, aquela bondade que se tem para com o pequenino e o fraco.

    Maria Santíssima é também a Mãe do Corpo Místico de Cristo e, portanto, de todos os cristãos. Em relação a cada um de nós, a posição d’Ela é de querer que sejamos como o filho carregado no colo a quem Ela dá muito mais do que pede, e até mesmo o que ele não sabe pedir.

    Mas a condição para receber é pedir com essa intimidade e a certeza de ser atendido, como uma criança de colo. A esse título, Ela nos auxilia com aquela multidão de auxílios dados aos pequenos.

    O maior dos auxílios que Nossa Senhora pode nos conceder é nos comunicar seu espírito de santidade, sua autenticidade de virtudes, sua força e a vitória contra o demônio.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/5/1966)

     

  • Madre Thérèse-Camille de l’Enfant-Jésus

    Mais importante do que fazer uma imponente obra é edificar pelo exemplo. Eis a lição tirada por Dr. Plinio da conturbada vida da Madre Thérèse-Camille de l’Enfant-Jésus.

     

    A  24 de julho de 1784, recebia o véu no Carmelo Mademoiselle Camille de Soyécourt(1), filha da mais alta nobreza da França. Jovem, entretanto, tão franzina e acometida, segundo os médicos, de uma moléstia incurável do coração, que todos julgavam não poder permanecer mais de seis meses no convento. Contudo, ela não somente sobreviveu muitos anos como, sem dúvida, sua personalidade teve destaque notável, embora desconhecido, na preservação do Carmelo de Paris durante a Revolução Francesa.

    Familiares guilhotinados

    Em 1792, seu convento foi invadido e as religiosas dispersas. Irmã Camille, liderando o grupo delas, instalou-se numa casa, firmemente decidida a manter vivo o espírito carmelitano. Denunciada, a pequena comunidade foi presa. Quando obteve a liberdade, Mademoiselle de Soyécourt refugiou-se em casa de sua família, mas por pouco tempo, pois seus pais e duas irmãs foram encarcerados.

    Após numerosas peripécias, empregou-se numa fazenda. Durante todo esse tempo não deixou de cumprir o mais rigorosamente que pôde os preceitos do Carmelo: jejuava, recitava o Ofício nas horas devidas e confessava-se, com grande dificuldade, semanalmente, com um padre refratário.

    Um dia teve a notícia da condenação de seus familiares, todos guilhotinados. Soube então que sua irmã deixara um filho, pequeno ainda. Apesar de sua dolorosa situação, Irmã Camille foi tutora do sobrinho até a morte.

    Expulsa da fazenda onde trabalhava, pois a morte de seus pais traiu sua pessoa, a religiosa mendigou algum tempo. Tendo encontrado uma Irmã de seu convento, decidiu restabelecer sua Ordem. Com o dinheiro das esmolas e com auxílio de padres refratários obteve a capela de um seminário, recomeçando os ofícios religiosos.

    Copiava e distribuía a Bula de excomunhão de Napoleão

    Terminado o Terror, Mademoiselle de Soyécourt, então uma figura alta, pálida, grave e suave, decidiu reobter para seu sobrinho e para seu convento a fortuna de seus pais. Causava espanto aos notários e homens da lei a presença dessa mulher paupérrima, falando de milhões, de venda de terras e de compra de imóveis.

    Mas conseguindo integralmente o que desejava, a religiosa chamou para junto de si as suas Irmãs dispersas. E o convento carmelita de Paris reinstalou sua comunidade. Aí ela viveu mais de 45 anos, não sem problemas. Por exemplo, em janeiro de 1811, Fouché foi informado de que uma senhora carmelita, superiora do Carmelo, ocupava-se ativamente em copiar e distribuir a Bula de excomunhão do próprio Imperador. Foi por isso presa num lugar bem distante do convento, o que não a impedia de atender sua comunidade, fazendo-lhe visitas inteiramente disfarçadas, e passando, desse modo, diante dos guardas, com toda a segurança.

    A Restauração tirou-a desse exílio. Quando suas dificuldades morais pareceram diminuir, começaram as físicas. Seu corpo tornara-se quase diáfano, por causa dos jejuns e penitências. Aos 85 anos, ainda dormia sobre uma tábua, apesar da gota dolorosíssima e de dores de estômago que não lhe permitiam repousar. Manteve, entretanto, como sempre em sua vida, inalterável bom humor e sua proverbial intrepidez. Repleta de dores, veio a falecer, em 1849, aos 92 anos de idade.

    Vida cheia de inusitados contrastes

    Gostaria que nos colocássemos diante dessa biografia(2), não no ponto de vista de quem simplesmente a lê, mas de quem a viveu. Então, vermos tudo quanto foi acontecendo para ela como próprio a uma vocação, a um objetivo muito definido, nos quais ela se adentrou com todo o empenho de sua alma.

    Ela entra no Carmelo, forma-se, e poderia esperar ter, por exemplo, uma vida como a de Santa Teresa de Jesus ou de Santa Teresinha do Menino Jesus, ou seja, transcorrida inteira no Carmelo, com essas ou aquelas dificuldades, mas dentro da vida carmelitana. Com certeza, ela tivera mil apetências sugeridas pela graça para isso.

    Entretanto, o que aconteceu? Ao invés de levar essa vida, eclode a Revolução Francesa e a Irmã Camille vai para o cárcere. Suponhamos que ela tenha pensado na hipótese do martírio: “Vou dar a minha vida, ficarei uma santa. Está bem, aceito com todo o gosto”. Conformidade… Ora, ela foi posta em liberdade.

    Ela, que esperava viver ao menos sozinha para Deus, transforma-se em chefe de família, apesar de solteira, e fica tutora de um sobrinho.

    Tendo sido uma moça rica, perde a fortuna. Os pais vão para a guilhotina e ela se torna criada numa fazenda, isto é, trabalhadora manual. Ela, que dera sua vida à Igreja, de nobre passa a religiosa e depois a trabalhadora manual em fazenda. A biografia não entra nesses pormenores, mas nada exclui a hipótese de que ela tenha tido que limpar estábulos e realizar outras tarefas prosaicas desse gênero.

    Depois, é posta fora desse emprego e vira mendiga, tendo que cuidar ainda do menino. Começa a mendigar de um lugar para outro e, de repente, passada a Revolução Francesa, ela se transforma em mulher de negócios. Começa, então, a bater os cartórios para recompor a fortuna à qual tinha direito.

    Tudo isso era completamente contrário ao que ela queria. Porém, ela sempre com o mesmo objetivo: ser carmelita. A tal ponto que reconstitui o Carmelo. Então, começa a vida normal de carmelita, mas vem a prisão que a interrompe novamente. Afinal, ela volta para o Carmelo. Dir-se-ia que ela vai levar uma vida tranquila. Então se inicia outro gênero de provação.

    O que é ser pessoa realizada?

    Poder-se-ia pensar: “Bem, coitada, é a fase final. Agora ela vai morrer e repousar em Deus.”

    Nada de repousar em Deus! Vai ainda lutar na Terra até o último alento. Vive até os 92 anos, sempre praticando penitência, sendo modelo de religiosa, aguentando doenças e, afinal, morre numa idade que, com certeza, nunca podia imaginar atingir.

    Aos olhos do espírito moderno, como considerar isso? Foi uma vida frustrada ou realizada?

    Para os homens de hoje a vida realizada seria se ela tivesse entrado no convento e ficado religiosa direitinho até o fim. Como houve fatos que atrapalharam sua vida e a obrigaram a ser uma porção de coisas que não queira, ela cem vezes durante sua existência deveria ter se sentido frustrada, abandonado a vocação. E quando chega a doença, ela devia ter dito: “Não tem mais solução. Deus me entregou. Porque agora que eu poderia levar a vida normal de uma carmelita, começo a ter uma existência de doente”.

     Nós, entretanto, dizemos que foi uma grande vida realizada. E é impossível ouvirmos essa narração sem sentirmos a maior admiração por ela.

    Mas então nos perguntamos: o que vem a ser a realização? Aqui entra o choque do homem moderno contra o espírito católico.

    Segundo o espírito do mundo, ela não foi uma pessoa realizada porque não levou a vida que desejava. Teve uma existência inteiramente diferente daquele ponto para onde tendiam os seus esforços. Ela, portanto, não realizou a obra que empreendeu. Em última análise, a noção de indivíduo realizado que nós vemos por aí é, ou quem levou a vida que quis, ou o que ganhou muito dinheiro, suposto sempre que todo mundo quer adquirir dinheiro. Ora, ela não ganhou muito dinheiro e não levou a vida que quis. Logo não foi uma pessoa realizada.

    Mas é impossível ouvirmos a leitura dessa ficha sem vermos que ela foi realizada. Então, no sentido verdadeiro da palavra, o que é a realização? Não é o que o espírito moderno pensa. A realização é, no sentido mais imediato – não no supremo –, a realização de si próprio. Quer dizer, vê-se que ela efetivou uma grande personalidade. Foi uma pessoa de grande virtude que, no esplendor de sua virtude, manifestou um grande número de qualidades até naturais de que a Providência a tinha dotado. Levou até a perfeição mil coisas que nela estavam potencialmente. É como uma semente que deu inteiramente uma esplêndida árvore.

    Então, realizar-se, nesse sentido mais imediato da palavra, é o atingir a sua própria perfeição. Se fez ou não o que quis, não tem importância. O importante é ter chegado à sua própria perfeição.

    Nunca se sentiu quebrada e sempre caminhou para a frente

    Ademais, ela realizou essa perfeição, não através de uma série de fracassos consumados, mas vê-se que sua vida teve uma continuidade. Embora não fosse tudo como ela queria, eram os planos que Deus traçara a respeito dela. Ela, portanto, fez a vontade da Providência.

    Quando acabamos de ler essa síntese de sua vida, percebemos a grande obra da Irmã Camille para a glória de Deus entre os homens. Não foi tanto de acabar fundando um convento – o que é uma obra excelente –, mas uma coisa muito maior: ter deixado um grande exemplo de perseverança, resolução, força de alma, confiança na Providência divina, obediência aos desígnios de Deus nas circunstâncias mais adversas da vida.

    De maneira que, enquanto sua memória for conhecida pelos homens, haverá pessoas fracas, em condições difíceis, que terão um alento maior para enfrentar as dificuldades da vida, por causa do exemplo dela. E Irmã Camille vai ser a força dos fracos, a luz daqueles que estiveram na incerteza, na penumbra. Por quê? Porque foi o grande exemplo que ela deixou; isso é algo muito maior do que fazer uma grande obra.

    Um grande convento é uma coisa esplêndida, mas se não fosse, ele mesmo, um grande exemplo, não adiantaria de nada. Abaixo do culto a Deus, a melhor coisa que podemos fazer é edificar pelo exemplo. As nossas palavras e ações vêm abaixo do exemplo. As palavras movem, o exemplo arrasta.

    Irmã Camille deixou um exemplo de força de alma, e se percebe que, através de todas as incertezas da sua vida, ela foi sempre forte. Nunca se sentiu quebrada, sempre caminhou para a frente fazendo o dever de acordo com o que queria a Providência, sem perder a unidade do que ela estava realizando.

    Mas entendendo que, fazendo o dever do momento, ela cumpria a vontade de Deus. No Céu ela está vendo essa unidade que Deus quis. E ela talvez não tivesse calculado que o seu exemplo irradiaria tanto, pudesse ser tão conhecido.

    Trata-se de uma personalidade extraordinária, uma pessoa que talvez ainda venha a ser canonizada. Essa é a vida de alguém que cegamente vai seguindo diante das dificuldades, agindo e não se incomodando. No fim vem a glória de ter dado um bom exemplo, obedecendo a Deus. A meu ver, eis a grande lição que esta nota biográfica nos ensina.            

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/2/1970)

     

     

    1) Serva de Deus, cujo processo de beatificação, aberto em 1938, ainda está em curso.

    2) Não dispomos das referências bibliográficas.

  • Fervoroso adorador do Santíssimo até depois da morte

    Contemplando a vida de São Pascoal Bailão, Dr. Plinio ressalta o quanto a ação apostólica de alguns Santos permanece mesmo após a morte.

     

    São Pascoal Bailão foi um Santo franciscano que viveu no século XVI e se tornou famoso pela sua devoção ao Santíssimo Sacramento.

    Fervoroso devoto da Transubstanciação

    Para compreendemos bem o sentido da ficha que será lida, devemos saber o que é a Missa e, dentro dela, a Consagração.

    A Missa é a renovação incruenta do Sacrifício do Calvário. É o maior ato de culto da Religião Católica, porque é Nosso Senhor Jesus Cristo que se oferece a Si mesmo ao Padre Eterno.

    Quando o padre pronuncia as palavras da Consagração, a hóstia e o vinho se transubstanciam, passando a ser Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Esse é o momento no qual se dá a renovação incruenta do Sacrifício do Calvário, um dos mais augustos mistérios da Religião Católica.

    Assim, é compreensível que uma pessoa piedosa dê grande importância a estar presente à Missa. E todas as outras orações da Igreja se estruturam tendo em vista a parte mais importante da Missa.

    Desse modo compreendemos como um Santo, com uma devoção eucarística acendrada, tenha o melhor de sua devoção voltada para a transubstanciação, na qual Nosso Senhor Jesus Cristo se oferece novamente.

    Vejamos, então, a vida de São Pascoal Bailão(1).

    Um ato de adoração no momento extremo da vida

    São Pascoal Bailão, cujo corpo repousa no Convento dos Franciscanos de Valência, na Espanha, era nascido na província de Aragão. Tendo que apascentar seu rebanho, ele assistia à Missa sempre que podia, e se era impossível assisti-la, ele deitava ouvidos atentos ao som da sineta que tocava por ocasião da elevação.

    Vê-se que o prado onde ele apascentava o rebanho, quando menino, era muito próximo a uma igreja e ele, de fora, podia ouvir a campainhazinha tocando no momento da elevação.

    Assim que ouvia a sineta, ele se ajoelhava, e qualquer que fosse o lugar onde se encontrava, adorava com fervor o Santíssimo Sacramento, o Salvador descido do Céu para o altar.

    Com a idade de 24 anos entrou, na qualidade de irmão leigo, no Convento dos Franciscanos Descalços de Valência, onde mostrou o mesmo fervor ardente pelo Santíssimo Sacramento.

    Deus lhe recompensou esse fervor, chamando-o a Si no momento da elevação. Depois de ter recebido o Santo Viático, São Pascoal perguntou se a Missa solene já tinha começado na igreja do convento. E como lhe disseram que a elevação se aproximava, ele se tomou de uma alegria extraordinária, e deitou muita atenção para, do lugar onde estava, ouvir o tilintar da sineta. Quando ouviu, exclamou: “Meu Jesus! Meu Jesus!” e expirou.

    O seu enterro foi marcado por um grande milagre: tinham colocado seu caixão na igreja e o Ofício dos mortos acabava de começar. Eis que na elevação da Hóstia, o cadáver se mexeu, abriu os olhos, e quando o padre levantou o cálice, fez o mesmo gesto do padre.

    Isso não aconteceu uma única vez. Quando seu corpo foi colocado numa sepultura ao lado do altar-mor, deu muitas marcas de veneração pelo Santíssimo Sacramento cada vez que se celebrava a Missa nesse altar. Quando chegava o momento da elevação, ouvia-se um movimento no interior da sepultura como a convidar os fiéis a um ato de adoração mais ardoroso. Em nossos dias ainda se percebe, às vezes, esse movimento na sepultura. Vários santos padres, entre outros o piedoso Domenico Maso, que celebraram o Santo Sacrifício da Missa diante da sepultura de São Pascoal Bailão, informaram ter sido testemunhas desse milagre.

    É algo lindíssimo, cuja beleza merece ser analisada num instante.

    Nosso Senhor deu a este Santo, durante toda a sua vida, uma graça especial para adorar o Santíssimo Sacramento. Talis vita, finis ita: assim como foi a vida, assim também é o fim. Graças à fidelidade dele a essa graça, Nosso Senhor fez coincidir a morte dele com o momento da elevação. Nesse instante Deus colheu a sua alma, como para dizer que, durante toda a vida, a alma dele esteve se maturando para esse supremo ato de adoração ao Santíssimo Sacramento. E quando ele atingiu a santidade própria para o momento extremo, no qual ele fez essa adoração extrema, ele tinha chegado à plena maturidade para o Céu. Essa maturidade ele a tinha realizado num ato de adoração ao Santíssimo Sacramento. Veio a Providência, o colheu e o levou para o Céu.

    Missão póstuma para maior glória de Deus

    É frequente os Santos, quando vão para o Céu, terem certo pesar de não poderem mais fazer apostolado na Terra. Parece incrível que uma pessoa, indo para o Céu, tenha pesar de alguma coisa na Terra não ficar como queria. Vemos São Pascoal Bailão, ainda depois de morto, o cadáver dele fazer um ato de adoração ao Santíssimo Sacramento. Depois, na sepultura, ainda se remexe quando há uma celebração, para convidar os fiéis a adorarem o Santíssimo Sacramento. É um apostolado eminente feito por seu cadáver.

    Nós podemos enunciar um desejo análogo? Podemos desejar alguma coisa desse gênero?

    Eu desejaria para todos nós que, depois de mortos, quando alguém pronunciasse o nosso nome, ou se lembrasse de nós a qualquer propósito, ou passassem perto de nossa sepultura, recebessem, se forem filhos da luz, um aumento de devoção a Nossa Senhora, uma participação no espírito d’Ela. Se forem filhos das trevas, se sentissem incomodados, humilhados, combatidos, obstados e perseguidos no que tivessem de mau, de maneira a largar a sua maldade. Desejaria combater para converter os maus ou para evitar que eles prejudiquem os bons. De modo que o número dos eleitos se completasse exatamente como Deus quer.

    Para isso devemos ser, até o fim da vida, duas coisas: primeiro, arautos de Nossa Senhora; segundo, pedras de contradição, de escândalo para salvação e perdição de muitos, exatamente como o Profeta Simeão disse a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Lc 2, 34).

    Se eu souber que até o fim do mundo Nossa Senhora resolveu utilizar do nome de um de nós para isso, exultarei intimamente e super exultarei, porque assim a nossa obra se realizará.

    Quer dizer, apenas quando — segundo a frase grandiosa da Escritura — tiver acabado o mundo e a abóbada celeste se enrolar como um pergaminho, e vier o Filho de Deus em grande pompa e majestade (cf. Ap 6, 14-17);  as contas todas estiverem acertadas e os adversários da Igreja liquidados; a Contra-Revolução estiver para sair da sepultura a caminho do Céu; os anjos malditos que circundam a Terra incitando os homens para a ação da Revolução estiverem prestes a ser acorrentados para irem ferver no Inferno por toda a eternidade; somente nesse momento a nossa missão acabe.

    Esta seria a aplicação do mesmo princípio usado por Nossa Senhora com São Pascoal Bailão. O que se faz a vida inteira faz-se também na hora da morte. O que se faz na hora da morte, faz-se até o fim do mundo.

    Podemos pedir a São Pascoal Bailão que nos dê essa grande graça.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/8/1974)

     

    1) Não dispomos dos dados bibliográficos da referida ficha.

    Errata: Na nota 2 da seção Hagiografia do n. 217, no lugar de “naturezas” leia-se “vontades”.

  • São Fernando de Castela

    Rei e arquétipo do batalhador incansável, São Fernando de Castela foi extraordinário exemplo do homem forte e herói, completado pelas antíteses harmônicas: alma mais vigorosa que o corpo, ímpeto maior que a musculatura; ideal ainda maior que o ímpeto; e uma total abnegação de si, em aras desse ideal.

    De tal maneira que não se tratava de um César imaginando-se nos triunfos de Roma, mas de um verdadeiro santo que pensava no Céu…

  • São Simão Stock recebe a libré de Nossa Senhora

    No momento em que tudo parecia perdido para a Ordem do Carmo, Maria Santíssima aparece a São Simão Stock e lhe concede o Escapulário, assegurando, assim, o florescimento e desenvolvimento da Ordem no Ocidente, e sua continuidade até os nossos dias.

     

    Hoje é festa de São Simão Stock, confessor. Ele era da mais alta nobreza da Inglaterra, e foi Prior Geral da Ordem do Carmo. Recebeu o Santo Escapulário das mãos de Nossa Senhora, como sinal da predileção d’Ela pela Ordem. Deu o primeiro grande impulso à vida contemplativa carmelitana. Século XIII.

    Ponte desde os primórdios da devoção mariana até o fim do mundo

    A respeito de São Simão Stock e da Ordem do Carmo, é preciso termos bem em mente a importância da obra deste santo numa linha muito alta das coisas, para compreendermos bem quão grata nos deve ser a festa que hoje se comemora.

    Tendo o Profeta Elias fundado os antecedentes da Ordem do Carmo, esta representou o primeiro filão da devoção marial no mundo. Elias simboliza o extremo da devoção a Nossa Senhora e lutará, no fim do mundo, contra o Anticristo e contra os últimos inimigos de Nosso Senhor. E constitui, portanto, uma espécie de ponte, desde o início da devoção a Maria Santíssima, séculos antes d’Ela ter nascido, até a luta contra os últimos inimigos de Nossa Senhora, que estarão acabando com o Reino de Maria, e contra os quais vai lutar precisamente Santo Elias.

    Compreende-se, portanto, a importância dessa ponte que se estabelece desde os primórdios da devoção mariana até o fim do mundo, e dessa continuidade, para o espírito contrarrevolucionário e para a verdadeira piedade marial.

    Ordem do Carmo transformada em destroços

    Consideremos a emergência diante da qual São Simão Stock foi levado a realizar o seu apostolado.

    Tinha havido as invasões dos sarracenos, e a Ordem do Carmo, que existia no Oriente, estava perseguida, enxotada e muitos religiosos passaram a viver no Ocidente.

    Mas no Ocidente eles não se aclimatavam. Havia indiferença para com eles, não se compreendia o que eram, e estavam meio dispersos. São Simão Stock era o Geral deles, mas não exercia uma autoridade efetiva sobre uma Ordem propriamente constituída; podemos dizer que a Ordem do Carmo estava transformada em destroços que boiavam sobre um mar revolto, e não era mais um navio, com uma estrutura jurídica coesa e uniforme, capaz de conservar um espírito, de promovê-lo e transmiti-lo à posteridade.

    E foi nessa situação que ele, rezando a Nossa Senhora com muita devoção, pediu que Ela não deixasse morrer a Ordem do Carmo.

    No auge dessa aflição em que se encontrava o santo, a Mãe de Deus lhe apareceu e deu-lhe o Escapulário do Carmo. Não é propriamente esse bentinho que se usa comumente, mas aquele escapulário grande, à maneira de uma libré, que se colocava sobre a túnica.

    Tratava-se de uma época em que ainda se usava muito a túnica, como traje civil comum. E os homens que pertenciam a alguém vestiam, por cima de sua túnica, uma espécie de túnica menor — com a forma do atual escapulário do Carmo — a qual indicava, pela cor e por outras características, o senhor a quem aquele homem servia. Portanto, a Virgem Santíssima indicou aquela veste como libré d’Ela, que os carmelitas deveriam portar sobre a batina.

    Depois dessa intervenção de Nossa Senhora, a Ordem do Carmo começou a florescer e a se desenvolver extraordinariamente no Ocidente. E para falar apenas em três frutos desta Ordem, citemos Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz e Santa Teresinha do Menino Jesus. Quer dizer, três sóis no firmamento da Igreja.

    Lição de confiança

    Entretanto, mais do que isso — e não hesito em afirmar que é mais —, assegurou a continuidade da Ordem até os nossos dias. Foi, portanto, uma missão enorme que esse santo cumpriu.

    Ele foi o traço de união entre a vida ocidental e a vida oriental da Ordem. E no momento em que, nessa espécie de istmo entre esses dois continentes históricos, a Ordem se adelgaçava a ponto de parecer sumir, precisamente nesse momento, Maria Santíssima intervém para salvar e dar muito mais do que havia antes. A Ordem teve, no Ocidente, uma prosperidade muito maior do que tivera no Oriente.

    Nas obras que Nossa Senhora ama, as coisas podem chegar a ponto de se despedaçarem, se estraçalharem quase completamente. Tudo parece perdido, mas é o momento que Ela reserva para intervir.

    As grandes intervenções de Deus são precedidas por uma fase onde tudo parece destruído, para ficar inteiramente claro que nenhum socorro humano adianta de nada. Depois de provado que tudo quanto era humano fracassou, na hora da desolação e do caos, Deus intervém, por meio de Nossa Senhora, e salva a situação. Foi o que se deu com a história da Ordem do Carmo. Ou seja, uma lição de confiança magnífica dada para todos os carmelitas no decurso dos séculos.

    Vamos, então, nos recomendar hoje a São Simão Stock.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/5/1966)

     

  • O início de uma epopeia!

    Reunidos em torno de Nossa Senhora no Cenáculo, Apóstolos e Discípulos são tomados de ardor quando, de súbito, o Espírito Santo desce e os ilumina. A partir de então, tudo mudaria em suas vidas.

     

    Depois da morte de Jesus, os Apóstolos passaram alguns dias meio estonteados. Porém, permaneceram no Cenáculo aos pés de Nossa Senhora, e com isto foram recobrando as graças que mesmo as almas mais infiéis readquirem ao se porem junto à Virgem Maria.

    Quando Nosso Senhor apareceu-lhes após a Ressurreição, houve uma espécie de processo de conversão, ao longo do qual o Redentor apareceu-lhes várias vezes, tornando evidente o seu triunfo e patente o seu caráter divino.

    O ápice glorioso e definitivo deste período de ascensão — durante o qual foram como que se quebrando as crostas que havia na alma dos Apóstolos e Discípulos — foi o dia de Pentecostes, quando estavam reunidos, em recolhimento e oração muito elevada, no Cenáculo. Nossa Senhora presidia a reunião; junto a Ela estava São Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, bem como todos os demais Apóstolos, aqueles que por excelência são o sal da terra e a luz do mundo.

    Sob a forma de chamas, desce o Espírito Santo

    Cada vez mais o Espírito Santo agia sobre eles de um modo profundo, e a oração tornava-se mais elevada; em determinado momento, produziu-se um enorme estrondo e o Paráclito entrou naquela sala, sob a forma de chamas. Uma grande chama pousou sobre Maria Santíssima e depois se dividiu em várias outras sobre os Apóstolos.

    Eles saem do Cenáculo e começam a pregar, produzindo um verdadeiro acontecimento na cidade. Encontram-se de tal maneira entusiasmados com o fogo do Espírito Santo, tão alegres, contentes, com tanta força, que muitos pensam estarem eles embriagados.

    É o que a linguagem da liturgia chama de “a casta embriaguez do Espírito Santo”: um entusiasmo que não vem da intemperança, mas de uma plenitude da temperança, que faz com que a alma, inteiramente senhora de si e dominada por Deus, profira palavras tão sublimes e diga coisas tão extraordinárias, com tanto fogo, que muitas dessas coisas nem são adequadamente captadas pelos outros. Mas são coisas que arrebatam a todo mundo. Começa, então, a expansão da Igreja com uma plenitude do Espírito Santo, que nunca a abandonará.

    A plenitude do Espírito Santo penetra na Igreja Católica

    Desde aquele momento, onde houver autênticos católicos haverá uma presença do Divino Espírito Santo que se faz sentir pela infalibilidade da doutrina, pela continuidade da santidade, pelo vigor apostólico, e por um certo ambiente indefinível que é a alegria da alma do católico, por onde sabe-se que a Igreja Católica é a única verdadeira, eternamente a Igreja verdadeira, independente de provas ou de apologéticas.

    Quantas vezes, entrando em alguma igreja, temos de repente uma sensação sobrenatural de recolhimento, enlevo, que nos leva a dizer: “Esta é a verdadeira Igreja! O que não for isto é erro, mentira e impostura. A ela quero me dar inteiramente!”

    Essa sensação é uma centelha do fogo de Pentecostes, desta permanência definida e definitiva do Espírito Santo entre os verdadeiros fiéis.

    Em Pentecostes, o início de uma epopeia…

    Durante sua vida, Nosso Senhor fundou a Igreja. Mas, quando Ele morreu, ela era ainda como um edifício inacabado.

    Morrendo na Cruz, Jesus regou a Igreja com seu Divino Sangue. Até então, ela era como uma planta que apenas começara a germinar, a se desenvolver, mas que não tinha dado ainda nem frutos nem flores. Com a descida do Espírito Santo, os frutos e as flores aparecem, e a Igreja começa a se mostrar com a sua força e sua beleza definitivas. A partir desse momento, com alguns Apóstolos que se dispersam, se inicia a grande epopeia da Igreja Católica.

    Alguns permanecem no Oriente Médio, outros vão pregando nas mais variadas regiões da Terra; uns fracassam, outros têm êxito. Os que têm êxito fundam a Cristandade, a qual se eleva acima de todas as nações da Terra e a domina.

    A obra de Nosso Senhor Jesus Cristo adquiriu em Pentecostes a sua plenitude, pois até então os Apóstolos não viam, não entendiam, não agiam bem; com Pentecostes, de repente, tudo mudou.

    Essa graça lhes veio por meio de Nossa Senhora. O fogo pousou sobre a cabeça d’Ela para depois se dispersar sobre todos os outros, a fim de dar a entender que a Virgem Maria é a Medianeira de todas as graças, tudo nos vem por meio d’Ela.

    Desejo de um novo Pentecostes

    Pentecostes, só houve um e não existirá outro até o fim do mundo. Mas poderá haver fatos análogos a Pentecostes. Quer dizer, aqueles que se juntam a Nossa Senhora para rezar, em determinado momento podem ser visitados por uma graça súbita, extraordinária. E mesmo os mais opacos, os mais tíbios e os mais transviados podem, de repente, ficar cheios da embriaguez do Divino Espírito Santo.

    Nós estamos numa época em que cada vez mais o espírito das trevas progride, avança e parece dominar tudo. Não seria lógico, simétrico, razoável e proporcional que, no momento onde o Espírito Santo parecesse completamente enxotado da Terra, Ele de repente voltasse? E voltasse com um grande estrondo e todas as coisas começassem a se modificar? Seria uma coisa concebível.

    Quem sabe se o “Grand Retour” que nós esperamos terá essa forma? Quem sabe se um acontecimento, um fato, uma graça nos mudará a todos num instante e, afinal de contas, seremos aquilo que devemos ser?

    Aos pés de Nossa Senhora se recebe o Espírito Santo

    É bom termos em mente a noção de que, aos pés de Nossa Senhora, se recebe o Divino Espírito Santo; e quem obtém o Divino Espírito Santo possui a própria fonte de todas as graças, e assim se converte completamente. Portanto, pedindo em união com Maria obteremos repentinamente a graça que tanto penamos para conseguir, mas por nossa maldade não correspondemos suficientemente e ficamos na nossa cegueira. Exatamente como os Apóstolos, que lutaram algum tanto para ter essa graça, mas corresponderam de um modo incompleto e ficaram no estado em que sabemos.

    Devemos apresentar, por meio de Nossa Senhora, esta oração a Nosso Senhor Jesus Cristo: “Enviai para este mundo revolucionário, corrupto, transviado, cego, abobado, o Divino Espírito Santo, e todas as coisas serão como que novamente criadas; tudo reflorescerá. E Vós, meu Deus, tereis renovado a face da Terra.”

    Peçamos a Nossa Senhora que Ela obtenha para nós o Divino Espírito Santo, e assim tomaremos uma nova vida. É isso que, com confiança, com espírito fiel, precisamos pedir no dia de Pentecostes. Tenho certeza de que essa oração será atendida. Porque, se é verdade que para quem bate se abre, para quem pede se dá, isto é sobretudo aplicável à oração na qual rogamos o Divino Espírito Santo.

    O que, acima de tudo, Nossa Senhora quer nos conceder é o bom espírito, do qual o Espírito Santo é a fonte. Todas as outras graças são colaterais. 

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/5/1972)

     

  • Visita de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel

    Ao entoar o seu Magnificat, Nossa Senhora se alegra pelo fato de Deus, tendo considerado a sua pequenez, querer exaltá-La, estabelecendo com Ela uma gloriosa relação. “Engrandeceu-me, e nisto agiu santamente Aquele que é poderoso, pois o me ter feito grande redundará em benefício e obra de misericórdia para todas as gerações, em todas as épocas da História” — é o pensamento que A inspirava.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 27/9/1990)

  • Invencível esperança na misericórdia de Maria

    Evocando o momento em que, pela primeira vez, sentiu-se amparado pela misericórdia de Nossa Senhora, Dr. Plinio nos convida a nutrirmos uma ilimitada e constante confiança na bondade de Maria Santíssima, “em todas as ocasiões, em todas as circunstâncias e de todos os modos”.

     

    Como já tive oportunidade de comentar, quando menino, estudando no Colégio São Luís, certa ocasião procedi mal. Eu atravessava, talvez, a pior época de minha vida, e estava descontente comigo mesmo. Ora, aconteceu-me de, por essa época, receber nota 6 em uma disciplina e, inconformado, no boletim escrevi sobre ela um “10”.

    Julgava ser objeto de merecido castigo

    Ao saber do fato, mamãe — sempre muito afetiva, mas também firme —, por mais que quisesse minha companhia, me disse:

    — Se ficar provado que você não merecia a nota que escreveu, inabilmente, com seu próprio punho no boletim, mandarei você para o Caraça.

    Tratava-se de um colégio muito bom de Minas Gerais, com regime de internato, mas cuja fama em São Paulo, por razões que ignoro, era a de uma penitenciária de crianças. Naturalmente, a ideia de ir para lá causava-me horror.

    Afinal, verificou-se que um funcionário do colégio havia se enganado ao passar as notas no boletim, e que eu havia tirado 10, como constava no livro apropriado. Antes de se comprovar o fato, porém, passei por grande apuro. Como, a propósito de outras questões, eu também havia procedido mal, julguei-me objeto de merecido castigo.

    Angustiado olhar para a imagem de Maria Auxiliadora

    Sob o peso dessa apreensão, fui assistir à Missa dominical na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, grande edifício que, juntamente com o liceu dos salesianos, ocupa um quarteirão inteiro. Por coincidência, realizava-se naquela hora a celebração dedicada aos estudantes do liceu. Só estes enchiam o templo. Formados em fileiras, entoavam cânticos religiosos, e qualquer outra pessoa que estivesse ocupando algum lugar nos bancos devia ceder-lhe a eles. Foi o que aconteceu comigo. Tive de me deslocar para o fundo da igreja e, não encontrando espaço na nave central, fui para a lateral, à direita de quem olha para o altar, fazendo face à imagem de Nossa Senhora Auxiliadora.

    Deu-se início à Missa. O contraste entre a situação daqueles meninos cantando, felizes, e meu apuro, era penoso. Em certo momento, olhei para a imagem e pedi a Nossa Senhora que me ajudasse. Pareceu-me, então, que os traços de seu rosto se moviam, e ela sorria para mim, afagava-me, como se dela partisse uma promessa de que tudo se arranjaria. Não se tratava de um milagre, mas de uma impressão.

    “Pela primeira vez senti o sabor da Salve Rainha”

    Durante esse fato eu rezava a Salve Rainha, prece conhecida por mim, mas que nunca me havia chamado especialmente a atenção. Não sabendo bem o latim, eu a recitava em português. Ora, no idioma latino, “salve” significa uma saudação. Contudo, eu entendia que tal palavra estivesse relacionada com “salvação”. Eu dizia, portanto, “Salve Rainha, Mãe de misericórdia”, no sentido de “Salvai-me Rainha”! Seja como for, naquela hora de aflição senti o sabor dessa oração pela primeira vez na vida.

    Lembro-me de que ao dizer “Mãe de misericórdia”, eu pensava: “Mamãe é tão boa, mas eu não diria dela que é mãe de misericórdia. Nossa Senhora, sim, o é. E, por mais que mamãe me queira bem, sei que Nossa Senhora me quer insondavelmente mais. Com Ela, conseguirei safar-me dessa situação”.

    Ponto por ponto, uma prece consoladora

    Ao dizer: “Vida, doçura e esperança nossa, salve!”, vinha-me à mente: “É isso mesmo! Vida é com Ela, porque nos livra de apuros como este, e de precipícios nos quais nem nossa mãe pode nos escorar. É a doçura d’Ela que nessa apreensão me atende”.

    “Esperança… Minha esperança é Nossa Senhora, porque, se Ela não olhar para mim, estou perdido.”

    E o pensamento me voltava: “Já que sois assim, salvai-me! pois estou arrasado”.

    “A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva”. Eu não sabia exatamente o significado de “degredados filhos de Eva”, mas entendia que tal expressão indicava uma situação muito infeliz, como aquela na qual me encontrava. “Estou nessa dificuldade sem saída”, pensava eu. “Esta é a oração para resolver o meu caso”.

    “A Vós suspiramos, gemendo e chorando…” Veja! Eu inteiro sou um gemido. “… Nesse vale de lágrimas”. É isso! Estou nadando nas minhas próprias lágrimas.

    “Eia, pois, advogada nossa…” Maria Santíssima não vai me julgar. Deus é o Juiz; Ela é minha advogada, que me defende em qualquer situação. Sinto que, se Ela estiver do meu lado, sou atendido.

    “Esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei”. Eu olhava para a imagem e tinha a impressão de que sorria para mim. Tranquilizava-me essa ideia: “Ela me acompanha do Céu, com seus olhos de Mãe misericordiosa. Isso vai dar certo!”

    “E depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre. Quer dizer, após sair dessa difícil circunstância, no fim da vida verei Jesus. Realmente! Esta oração foi feita para mim”.

    A partir daquele momento, minha devoção a Nossa Senhora se tornou mais fervorosa. E com o passar do tempo, pelo favor d’Ela, continuou a crescer.

    Nunca deixemos de confiar n’Aquela que é nossa esperança

    Baseado nesse meu exemplo pessoal, seja-me permitido ressaltar a necessidade de nutrirmos uma confiança sem limites e constante na bondade de Maria Santíssima, em todas as ocasiões, em todas as circunstâncias e de todos os modos, dizendo a Ela: “Salve Rainha, Mãe de Misericórdia, vida, doçura, esperança nossa, salve!”

    Ela é a nossa vida, porque, não fosse sua insondável misericórdia para conosco, estaríamos mortos. É nossa doçura, pois tudo quanto existe de doce em nossa existência nos vem pelo intermédio d’Ela. E a suavidade de Nossa Senhora para com seus filhos, ainda mesmo quando fracos e infiéis, é incomparável. Todas as formas materiais de doçura — a do mel, do açúcar, da brisa, ou a própria doçura dos corações maternos — não são senão pálida imagem dessa doçura das doçuras que vem a ser o Imaculado Coração de Maria, inundado da suavidade infinita de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Maria, vida, doçura, esperança nossa, salve. Esperemos sempre na intercessão d’Ela por nós, na sua misericórdia para conosco, com uma esperança invencível, pois quem possui tal Mãe, que de tal maneira induz os seus filhos a olharem para Ela, nunca pode deixar de esperar no seu maternal auxílio.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 6/5/1968 e 21/7/1990)

     

  • Profeta Jeremias: Um varão de dores

    O Profeta Jeremias foi aquele que mais chorou a queda de Jerusalém e, profeticamente, a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Neste sentido, é um dos profetas mais cheios de tristeza e  de lamentações. Foi o profeta das lágrimas que melhor profetizou o pranto e a dor do Redentor e de sua Mãe Santíssima.

    Não há profeta que possa ser tomado a sério se não for um varão de dores. Ele tem que sofrer, mas não como os outros, porque precisa ser um ponto de atração e de concentração das dores. Estas  confluem nele, e ele deve recebê-las e abraçá-las como Nosso Senhor abraçou a sua Cruz. O Profeta Jeremias abraçou esse sofrimento imenso para, de fato, realizar os desígnios da Providência.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 11/8/1967 e 16/9/1967)
    Revista Dr Plinio 254 (Maio de 2019)