Categoria: Santos do dia

  • São Filipe Néri e a florescência da Europa católica

    “Imagine, quem puder, toda a beleza espiritual de uma época em que os santos se encontravam na rua, cruzavam seus olhares, e a luz da virtude de um resplandecia na face do outro!” — exclama Dr. Plinio, ao considerar alguns dos edificantes episódios da vida de São Filipe Néri.

     

    De São Filipe Néri, Fundador da Congregação do Oratório, sabemos que nasceu em Florença, no dia 15 de julho de 1515, e morreu em Roma, no dia 25 de maio de 1595.

    Cena poética na Cidade Eterna

    Segundo interessante notícia biográfica(1), ele teria passado todas as noites, durante dez anos, nas catacumbas. Quando encontrava as igrejas fechadas, recitava suas orações nos pórticos dos templos, e mais de uma vez foi visto fazendo leitura ao clarão da lua.

    Não podemos nos esquivar de considerar o poético da cena. Um jovem estudante, piedoso, futuro santo, aureolado de virtude, peregrinando pelas igrejas da Cidade Eterna, lendo ao clarão da lua. E a poesia se torna mais acentuada se lembrarmos que, em Roma, isto se dava junto a ruínas milenares, sentado sobre o capitel de uma velha coluna, afagando com a mão a cabeça de um leão de pedra trazido do Egito, com ramagens crescendo pelo meio, enfim, todo o ambiente da Roma antiga, temperado por uma pitoresca e artística desordem…

    Elevação de trato entre dois santos

    No dia de Pentecostes de 1545, como ele suplicasse ao Espírito Santo de lhe conceder seus dons, sentiu seu coração abrasar‑se, e não podendo suportar o excesso desse abrasamento, jogou-se no chão. Quando se levantou, levou a mão ao peito: seu amor era tanto que o tórax havia estufado e se distanciado do coração.

    Cinqüenta anos depois, quando da sua morte, os médicos o abriram para examinar o milagre e descobriram que duas costelas haviam se rompido sobre o coração e não se fecharam, tal o entusiasmo do amor de Deus que ele tinha sentido. Após aquele episódio na festa de Pentecostes, o santo experimentou uma contínua palpitação de coração todas as vezes que se ocupava das coisas divinas.

    Muitos e nobres personagens, estimulados pelo exemplo desse até então simples leigo — ele só se tornaria padre seis anos depois, em 1551 —, entraram em Ordens religiosas, enquanto ele mesmo permanecia no século. Por isso Santo Inácio de Loyola, que o conheceu, censurava-lhe com familiar afeto, comparando-o ao sino, que chamava todos para dentro da Igreja, mas que nunca entrava.

    Vê-se o dito amável, leve e gracioso de um santo para outro santo. O primeiro fora inspirado por Nossa Senhora a escrever os Exercícios Espirituais na Gruta de Manresa, e o segundo, nimbado pelos dons do Espírito Santo numa festa de Pentecostes: quem pode imaginar, pois, a elevação do trato entre eles!? Eram grandes conversas de grandes santos.

    Assistência especial de Deus para com os caridosos

    Certa noite, dirigindo-se à casa de uma pessoa nobre, mas arruinada, para levar alguma provisão de víveres, topou com uma carruagem no seu caminho, e querendo lhe dar passagem, caiu dentro de um buraco muito profundo. Porém, o anjo do pobre a quem ia socorrer velava sobre ele, e o suspendeu miraculosamente no ar, impedindo que despencasse naquela abertura.

    Quer dizer, enquanto São Filipe Néri caminhava pelas ruas de Roma à procura dos necessitados aos quais costumava amparar, os anjos da guarda deles o acompanhavam e protegiam. Poder-se-ia perguntar por que não foi socorrido pelo seu próprio anjo custódio. E eu responderia: primeiro, porque o pobre era interessado em que seu benfeitor chegasse até ele; e em segundo lugar, porque Deus dava a entender, por essa forma, quanto Lhe era grata a esmola que São Filipe fazia ao necessitado.

    Ou seja, o fazer bem aos pobres nos dá direito a uma assistência especial da parte da Divina Providência. E devemos acrescentar: se o socorro prestado aos indigentes de bens materiais reverte em tantos benefícios para o benfeitor, estes serão ainda maiores para os que prestam auxílio aos carentes de bens espirituais. Então, ao darmos um bom conselho, fazermos um apostolado, trazermos uma alma para a Igreja, etc., estaremos colhendo frutos para nossa própria santificação.

    O “contra‑Carnaval” e os milagres de São Filipe Néri

    Alguns fatos da vida de São Filipe merecem particular destaque.

    Por exemplo, já sacerdote, nos dias de Carnaval costumava redobrar suas orações. Seguido por uma massa imponente de fiéis, peregrinava pelas sete basílicas de Roma, a fim de protestar contra a imoralidade de seus cidadãos.

    Ou seja, enquanto alguns do povo se entregavam aos festejos desregrados, ele organizava procissões pelas ruas, apresentando a Deus um ato de reparação. Era um contra‑carnaval, vigoroso e destemido. A tal ponto que o cardeal-vigário de Roma o chamou e, depois de lhe ter censurado fortemente por aquelas peregrinações, proibiu-lhe de ser confessor durante 15 dias.

    Ora, o vigário morreu bruscamente, antes de ter levantado a penalidade e o Papa Paulo IV, chamado a julgar a causa, deu ordem ao santo de retomar os seus exercícios e lhe pediu que rezasse por ele, Sumo Pontífice.

    Outro fato digno de nota se passou com um de seus penitentes que, tendo partido de Roma contra a opinião de São Filipe, em direção a Nápoles, foi detido por corsários. Como estava a ponto de se afogar, ele clamou por São Filipe Néri à distância e pediu seu apoio. Imediatamente o santo lhe apareceu, cercado de uma auréola luminosa, tirou‑o da água pelos cabelos e o conduziu até a margem, por cima das ondas.

    Como se vê, um estupendo milagre.

    Noutra ocasião, o Papa Clemente VIII se viu atacado por uma doença mortal e fez chamar São Filipe Néri. Assim que o santo entrou no quarto, o Pontífice se sentiu curado.

    E o próprio São Filipe, no mês de maio de 1594, foi acometido por uma violenta febre, e acreditou estar tudo perdido. Mas quando todos se desesperavam em torno dele, o doente, atraído subitamente por uma força desconhecida, foi arrancado de seu leito e durante alguns momentos suspenso entre a terra e o céu. Nossa Senhora visitou aquele a quem Ela amava e que tinha socorrido a tantos enfermos e lhe restituiu, ao mesmo tempo, a vida e a saúde.

    Sem seriedade, nem as lições dos milagres nos fazem bem

    Semelhantes milagres nos levam a uma consideração colateral, porém importante. Procuremos nos imaginar entrando no quarto de um moribundo e, de repente, o vemos se elevar e permanecer suspenso entre o céu e a terra. Dali a instantes ele desce, senta-se na cama e diz: “Estou curado”. Levanta-se e retoma seus afazeres costumeiros.

    Dificilmente essa cena não produziria um impacto profundo em quem a presenciasse. Pergunta-se: esse impacto nos faria muito bem ou não?

    Sabendo-me pouco amável — mas provavelmente veraz — em minha resposta, eu diria não estar tão certo da afirmativa. Pois a contagiante superficialidade de muitos espíritos contemporâneos é tal que, se não nos habituarmos a tomar as coisas com seriedade, um milagre como esse produz em nós impressão passageira, sem nos fazer o bem que dele deveríamos colher.

    Alguém constestaria: “Dr. Plinio, eu teria um tal choque, que nunca me esqueceria desse fato”. É verdade. Nunca se esqueceria, mas nunca o tomaria a sério.

    E o que entendo por “tomar a sério” é ver, julgar e agir como São Paulo no caminho de Damasco. Ele foi jogado ao chão, ofuscado pela luz divina, e ali mesmo, deitado no solo, tomou suas resoluções de santidade: “Senhor, o que quereis que eu faça?”, foi sua imediata resposta ao apelo de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Quer dizer, tomou a sério: viu que andou mal, ouviu a voz de Deus, julgou sua situação, tirou suas conclusões e decidiu agir. “Que quereis que eu faça?” É o exemplo que devemos imitar, é o hábito de ser sério que devemos adquirir.

    Contemplava a perfeição na fisionomia dos santos

    Voltemos  à vida de São Filipe Néri. Por um privilégio especial, era-lhe dado contemplar a santidade resplandecer no rosto dos santos.

    Percebe-se, por aí, como ele passeava no meio de bem-aventurados, conhecendo a vários deles e observando na suas fisionomias a excelência moral de que eram relicários vivos.

    De modo particular notava-o no semblante de São Carlos Borromeu e de Santo Inácio de Loyola. Deste último, costumava dizer: “A beleza de sua alma é tal, que ela resplandece em sua face. Eu via raios de luz emanarem de seu rosto”.

    Pensemos como haveria de ser maravilhoso essa contemplação: olhar para um homem e ver raios de luz espargindo de sua face! Se pudéssemos simplesmente presenciar a cena de dois santos cruzando seus olhares, quanto isso nos faria bem… se o soubéssemos tomar a sério!

    “Eu preciso morrer”

    Deus concedeu a São Filipe Néri o dom da bilocação, como atesta um episódio passado entre ele e a bem‑aventurada Catarina de Ricci, dominicana. Esta se achava na cidade de Prato, e São Filipe, em Roma. Ora, aquela pode vê‑lo e conversar com ele, e quando o santo foi informado disso, concordou que tudo quanto ela tinha dito era verdade. O próprio São Filipe admitiu que tinha conversado com Catarina, sem que esta tivesse ido a Roma, nem o corpo dele tivesse ido a Pratto.

    Ou seja, foi um fenômeno de bilocação, muito pouco freqüente, mesmo entre os santos.

    Por fim, no dia de Corpus Christi de 1595, São Filipe, após ter recitado o Ofício, celebrado a Missa e confessado pela última vez um grande número de penitentes, aos quais recomendava, sobretudo, ler a Vida dos santos, deitou-se na cama, dizendo: “Eu preciso morrer”.

    O médico foi chamado, examinou‑o e disse que ele estava mais bem disposto do que nunca. Três horas depois São Filipe expirava docemente, assistido pelo Cardeal Baronius, um dos seus primeiros colaboradores. A Rainha do Céu recebeu sua alma.

    Das considerações desses fatos tão edificantes, além dos exemplos de virtudes a serem por nós imitadas, depreende-se a idéia do que foi a florescência da Europa católica de antigas eras. Parafraseando a expressão de Leão XIII, diríamos: tempo houve em que os santos se encontravam nas ruas, cruzavam seus olhares e a luz da santidade de um repercutia na do outro, multiplicando-se e operando milagres. Felizes tempos.

     

    (Extraído de conferência em 8/10/1973)

     

    1) Cf. Rohrbacher, Histoire Universelle de L’Église Catholique, 1872, vol. 10, p. 347 ss.

  • São Gregório VII

    São Gregório VII — conforme meu modesto entender, o maior Papa que a Igreja teve — foi terrivelmente perseguido pelo mais famoso potentado daquele tempo, o Imperador do Sacro Império Romano-Alemão.

    Ele estava exilado de Roma, e após mudar de castelo para castelo, de convento para convento, de abadia para abadia, seu corpo foi enfraquecendo aos poucos. Quando sentiu aproximar-se a morte, ele disse: “Justitiam dilexit et odivit iniquitatem, propterea morior in exilium — amei a justiça e odiei a iniquidade; por causa disso, morro no exílio”.

    Os sofrimentos dele foram incalculáveis. Porém, ele os aguentou e compareceu diante de Deus com a taça da dor bebida inteiramente.

    (Extraído de conferência de 2/11/1991)

  • Homem semelhante a uma catedral

    O que é uma pessoa venerável? É aquela dotada de uma especial profundidade de espírito adquirida pelo estudo, pela experiência, pela meditação; que possui uma têmpera, uma constância e uma força de vontade incomuns, por onde, mesmo em circunstâncias adversas, com sacrifício de sua saúde, de seu conforto, de sua riqueza, de sua própria existência, tendo traçado uma linha de conduta boa, ­seguiu-a até o fim.

    A presença da pessoa venerável incute respeito, os outros amam de ver aquela venerabilidade e têm uma tendência natural a prestar reverência, a obsequiar, como quem pratica um ato de justiça. É próprio ao espírito da Igreja Católica comunicar uma nota de venerabilidade a tudo.

    Como eu gostaria de ter conhecido São Beda, o Venerável! Como me atrai imaginar seu porte, mais parecido com o de um monumento do que de um ser humano, quando um homem vai tomando tais ares, que se assemelha a uma catedral!

    Então, contemplar São Beda, o Venerável, ajoelhar-me diante dele, oscular seus pés e implorar que ele me obtivesse de Nossa Senhora algo dessa venerabilidade, sem a qual ninguém é autenticamente católico.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/5/1970)

  • Nossa Senhora Auxiliadora bondade e misericórdia incansáveis

    Desde menino, quando se viu atendido pela Auxiliadora dos Cristãos em penoso momento de sua vida — a Ela rezando um peculiar e fervoroso “Salvai-me Rainha”(1) —, Dr. Plinio nutriu particular devoção a esse título de Maria Santíssima. E como podemos comprovar pelas palavras que seguem, não perdia ensejo de recomendá-la a seus discípulos, mostrando-lhes as maravilhas de clemência e solicitude maternas que nos coloca ao alcance tal invocação.

     

    Segundo o ensinamento da Igreja, as maiores glórias de Nossa Senhora redundam do fato de sua maternidade divina. Ou seja, porque eleita para ser a Mãe do Verbo Encarnado, foram-Lhe concedidos todos os demais augustos privilégios e dons excepcionais. Entre seus grandes títulos estão os de Imaculada Conceição, Co-redentora do gênero humano, Medianeira Universal de todas as graças, etc.

    Apesar de assim louvarmos e cultuarmos de modo especial a Santíssima Virgem, a invocação de Nossa Senhora Auxiliadora nos é muito cara, e com invulgar insistência a dizemos para implorar a misericórdia de Maria.

    Mãe que conhece e atende a todas as nossas necessidades

    Explica-se. Sendo Ela Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, é também Mãe nossa, permanentemente disposta a nos ajudar em tudo aquilo que precisamos. São Luís Maria Grignion de Montfort faz uma comparação que pode parecer exagerada, porém inteiramente verdadeira: se uma mãe, com um único filho, reunisse em seu coração todas as formas e graus de ternura que todas as mães do mundo têm por seus filhos, ela o amaria menos do que Nossa Senhora preza todos e cada um dos homens.

    Assim, Maria Santíssima quer tanto a cada um — por mais desvalido, desencaminhado, espiritualmente trôpego que seja, ou nada valha — que, voltando-se este para Ela, seu primeiro movimento é de amor e auxílio. Nossa Senhora nos acompanha antes mesmo de nos dirigirmos a Ela. Tem ciência do que acontece com todos os homens, em qualquer lugar, sabe de todas as nossas necessidades e, por sua intercessão, nos alcança de Deus as graças que são importantes para nossa perseverança e santificação. Quando nos dirigimos a Ela, como que a primeira pergunta d’Ela para nós é esta: “Meu filho, o que queres?”

    Graus inexcogitáveis de misericórdia

    Outra afirmação, igualmente verídica, é esta: se o próprio Judas Iscariotes — depois de ter vendido Nosso Senhor e caminhado para o local onde se enforcou — tivesse tido um movimento de devoção à Mãe de Deus, rezado a Ela, obteria um apoio. Quer dizer, se A procurasse e lhe dissesse: “Eu não sou digno de chegar próximo de Vós, de Vos olhar, de me dirigir a Vós, sou Judas, o imundo… Mas, vós sois minha Mãe, tende pena de mim”, Ela o teria recebido com bondade. Ela acolheria com benevolência o filho cujo nome é sinônimo de horror: Judas Iscariotes.

    É-nos difícil ter sempre presente essa noção da imensidade da misericórdia de Maria. Em nossa miséria, muitas vezes somos daqueles que não creem porque não vêem. Não duvidamos, mas esquecemos das graças recebidas neste sentido. Tentados, somos levados a pensar: “Aconteceu-me isto, aquilo, aquilo outro, pedi a Nossa Senhora e não fui socorrido. Sê-lo-ei agora? Certo, Ela é Mãe de misericórdia, mas, às vezes, não sinto sua ajuda…”

    Mais do que nunca, nessas horas, devemos dizer: “Auxílio dos Cristãos, rogai por nós!”. Quando não compreendemos uma situação nem sabemos como dela sair, o que vai nos acontecer, etc., precisamos repetir com insistência: “Auxílio dos Cristãos! Auxílio dos Cristãos! Auxílio dos Cristãos!”. Para a Mãe de Deus, todo problema tem solução. Às vezes não a vemos, mas Ela já está dando ao caso um monumental e favorável desfecho.

    Auxílio especial nas aparentes catástrofes

    Quando me lembro da história das catástrofes pelas quais passou nosso movimento, nossos reerguimentos, nossa dolorida e gloriosa avenida de becos sem saída, pergunto-me: “Se Ela me desse para escolher entre a via dos becos sem saída e qualquer outro dos caminhos que eu imaginava para nossa obra, qual eu teria preferido?” Eu responderia: “Minha Mãe, se Vós me derdes força, a avenida dos becos sem saída!”

    É a via do inexplicável, da catástrofe aparente, da derrota, do arrasamento, mas também a da vitória que se afirma. Como é bela essa via, porque é o caminho triunfal de Nossa Senhora. Ela transforma uma estrada esquartejada em becos numa linda e desimpedida avenida. Compreende-se, assim, como a Virgem Santíssima, Auxiliadora dos Cristãos, opera verdadeiras maravilhas, sobretudo nos momentos em que tudo nos parece mais difícil e a solução menos alcançável.

    A batalha de Lepanto

    Temos um célebre exemplo dessa intervenção misericordiosa e decisiva de Maria Santíssima em nossos momentos de apuro: a batalha de Lepanto, em 1571, episódio histórico que se relaciona com a festa de Nossa Senhora Auxiliadora. Sucintamente, recordemos que a esquadra católica se achava em número muito inferior à do adversário, e via-se com isso votada a uma derrota com funestas conseqüências para a Igreja naquela época. Porém, em certo momento do confronto, aparentemente sem explicação, os inimigos abandonam a luta e fogem. Contudo, nos anais redigidos pelos próprios componentes da esquadra maometana, pode-se ler: Os nossos navios debandaram porque uma Dama terrível apareceu no céu e nos olhava com ar de ameaça tal que nos causou pânico.

    Quer dizer, os católicos, embora em número menor, não cessaram de confiar na proteção de Maria, e Ela os socorreu. Conta-se que, naquele mesmo instante da vitória, o Papa São Pio V se encontrava numa de suas salas no Vaticano, e rezava o Rosário, rogando o especial amparo da Auxiliadora dos Cristãos. Em certo momento, o Pontífice se volta aos que o acompanhavam, e diz: “Uma grande vitória foi obtida por Dom João d’Áustria, comandante da esquadra cristã!”

    A partir de então o Papa incluiu a invocação Auxilium Christianorum na Ladainha Lauretana, e a Ela devemos recorrer em todas as circunstâncias de nossa vida e na hora de nossa morte, quando estivermos no último alento. Antes de exalarmos o derradeiro suspiro, digamos: “Auxílio dos Cristãos, rogai por mim” — e o Céu se abrirá para nós.

    Errônea concepção da vida sem caridade

    Antes de concluirmos essas considerações, convém insistir num ponto de particular valia para nós.

    No mundo contemporâneo não é raro que alguém se deixe levar pela ideia de que os relacionamentos devem se basear numa troca de direitos e deveres, exclusivamente. Ou seja, cada homem tem determinados direitos que implicam em deveres de outrem para com ele. Uma vez respeitados tais direitos, o homem tem suas necessidades atendidas.

    Portanto, o ato de bondade, de caridade, de amor ao próximo, inteiramente gratuito, não tem razão de ser. Se os direitos não são acolhidos, cumpre exigi-los, como se cobra uma letra de câmbio. Consoante tal mentalidade, todas as relações humanas se reduziriam a um sistema de cheques. Então, a verdadeira noção de caridade — que compreende prestações de serviço realizadas por amor, bondade, simpatia, a concessão gratuita de vantagens, etc. — desaparece. Mais ainda. Atrapalha a vida social, fundamentada na estrita justiça, transtorna o convívio dos homens, baseado num jogo de exigências. Se alguém pretendesse receber mais do que lhe é necessário, o indivíduo infectado por essa concepção responderia: “Dou-lhe aquilo a que apenas tem direito. Se quiser mais, mereça!”

    Se uma pessoa transpõe esse modo de ver as coisas para a ordem sobrenatural, dirá: “Não compreendo a misericórdia de Deus para comigo, pois Ele está disposto a me perdoar e a me ajudar, mesmo quando não O agrado. Se agi mal, que Ele me puna, pois é a atitude lógica. Caridade, bondade… são coisas que não têm sentido. Baseio-me nos meus direitos, os quais Deus precisa atender”.

    Socorro baseado numa relação impregnada de bondade

    Ora, essa não é a mentalidade com a qual devemos considerar nossa vida terrena, e muito menos a nossa vida de piedade, nosso relacionamento com Deus.

    Com efeito, o convívio humano, quando bem entendido e praticado, fundamenta-se em grande parte na solicitude e na compaixão de uns para com os outros, sobretudo dos que têm mais em relação aos que têm menos.

    Que dizer, então, do trato de Deus conosco? Esse comércio tem como um dos seus fatores preponderantes a bondade, e bondade gratuita, a efusão de caridade, de misericórdia, compaixão, assistência contínua. E diante de Deus, devemos nos sentir pequeninos, impotentes, encontrando a razão de esperar clemência em nossa própria pequenez, até em nossa fraqueza quando pecamos.

    Deus nos amou gratuitamente, e quer de nós que também O amemos. Estamos cumulados de dívidas, e o único meio de saldá-las consiste em manifestarmos esse amor e essa adoração a Deus. Em segundo lugar, compreendendo humildemente que necessitamos da ajuda divina, como o filho depende do pai, sem estar fazendo grandes contabilidades, e sim recebendo tudo d’Ele — eu diria — com uma espécie de santa sem-cerimônia.

    Com esse pressuposto, entendemos melhor o fundamento do título de Nossa Senhora Auxiliadora. Pois o que se diz sobre a infinita bondade de Deus para conosco, devemos dizê-lo da insondável solicitude de Maria em relação a seus filhos. Ela nos ajuda a todo momento, nos dispensando misericórdia e favores aos quais não teríamos direito, e nos concede tudo isto com uma superabundância de amor, de sorrisos, de perdão, muitas vezes dando-nos o que não pedimos, ou mais do que rogamos, e até movendo nosso coração para aceitar benefícios que não queríamos receber.

    Portanto, a ideia do auxílio de Nossa Senhora está toda pervadida pelo princípio de que as relações entre o homem e Deus são baseadas não apenas na justiça, mas em larguíssima parte na misericórdia, na generosidade sem limites, na benevolência e na gratuidade de favores.

    Razões a mais para nunca deixarmos de invocá-La: Auxílio dos Cristãos, rogai por nós.

     

     

    1) Cfr. “Dr. Plinio” número 1, abril de 1998

     

  • Dizei uma só palavra…

    Na Visitação de Nossa Senhora à sua prima Santa Isabel, vemos o poder da Mãe do Redentor: o eco de sua voz santifica um homem de um momento para o outro. É isto que devemos esperar de Nossa Senhora e pedir a Ela: que sua voz fale no íntimo de nossas almas e nos santifique, concedendo-nos uma virtude que às vezes anos de lutas e trabalhos não nos proporcionaram.

    Todos aqueles que tenham algum desânimo, tristeza ou perplexidade na vida espiritual podem dizer a Maria Santíssima: “Senhora, eu não sou digno de ouvir a vossa voz, mas dizei uma só palavra e a minha alma será transmudada de um momento para o outro se Vós assim o quiserdes”.

    Eis uma graça a pedir à Santíssima Virgem no dia da Visitação: que Ela fale em nossas almas e estas estremeçam de júbilo como estremeceu o Precursor no ventre materno, e que elas se santifiquem num instante, como a alma de São João Batista.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/7/1970)

  • Prêmio à altura do afeto

    Mãe de Misericórdia, Nossa Senhora às vezes concede graças a pedido de quem não merece, como reza o “Lembrai-Vos”.

    Mas, Ela é também Mãe de Justiça. E a todo bem realizado por seus filhos, com quanta alegria Ela os favorece com uma justa recompensa! Como se dissesse a cada um deles: “Meu filho, a ti não darei uma graça porque te perdôo, e sim porque te premio.

    Que felicidade tu me proporcionas pelo fato de mereceres esse prêmio! Ei-lo, não à altura, mas muito maior do que teu mérito: à altura de meu maternal afeto…”

  • Auxiliadora onipotente

    A Santíssima Virgem segura no braço esquerdo o Menino Jesus, e na mão direita um cetro. Isso quer indicar que, pelo poder que Ela tem sobre seu Divino Filho, possui a onipotência sobre todo o universo. E por essa razão tem o poder de nos auxiliar em tudo quanto necessitarmos. É uma auxiliadora onipotente.

    Por outro lado, o semblante risonho e amável d’Ela nos fala da sua misericórdia.

    Estão presentes, portanto, os dois fatores para confiarmos no auxílio de Maria Santíssima, que quer e pode socorrer-nos inesgotavelmente, em tudo. Logo, se pedirmos, Ela socorrerá.

    Nossa Senhora Auxiliadora poder-se-ia chamar, debaixo de certo ponto de vista, Nossa Senhora dos Pedidos. Ela não nos auxilia só quando pedimos, mas sempre que o fazemos, Ela nos ajuda. Por causa disso, é invocada sob o título de “Auxílio dos Cristãos”.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/5/1968)

  • Poderoso auxílio em todas as dificuldades

    Continuamente devemos recorrer a Nossa Senhora, especialmente quando passamos por dificuldades. Ela sempre nos acolhe, pois nunca se ouviu dizer que a Mãe de Deus tenha abandonado alguém que pede seu socorro. Entretanto, às vezes nossa prece demora em ser atendida; isso significa que Ela nos dará graças com extraordinária abundância.

     

    Eu gostaria de dizer uma palavra mais especialmente quanto a Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos nas dificuldades da vida espiritual. Estas costumam ser de duas ordens. Umas dificuldades são as crises breves da vida espiritual, quando a pessoa se sente tentada e, portanto, hesitante ou abalada entre o bem e o mal, e com a possibilidade de ser arrojada no precipício do mal de um momento para o outro.

    As dificuldades do tipo clássico

    Essas são as dificuldades do tipo clássico, e quando falamos a respeito de dificuldade, naturalmente pensamos primeiro na do tipo clássico, quer dizer, no grande apuro da vida espiritual. Evidentemente Nossa Senhora é auxílio nessas circunstâncias. Não teria sentido Ela ser Auxílio dos Cristãos se não o fosse, sobretudo, para a vida espiritual, e é claro que o auxílio é principalmente para os mais necessitados. Então, para as pessoas que estão em crises agudas da vida espiritual e gravemente necessitadas, Maria Santíssima, na plenitude do termo, é o auxílio.

    Sendo Ela Mãe de Misericórdia, seu auxílio não é dado apenas para uma pessoa que diga: “Eu vou perfeitamente bem na vida espiritual, estou muito tentado, porém não cedi em nada. Tenho direito ao vosso auxílio; vinde e auxiliai-me!” Mas também para aquele que se encontre numa situação pior, e de apuro muito mais grave, e reze: “Eu estou muito tentado, pequei, andei mal. Receio me embrutecer no pecado, de me habituar a ele, de não sair da vida de pecado, e tenho uma vontade imensa de me regenerar. Não mereço vosso auxílio, mas porque sois Auxiliadora de todos os cristãos, até dos mais miseráveis e não apenas dos cristãos bons,  então Vos peço: vinde auxiliar-me!”

    Quer dizer, nessa visualização é a miséria da pessoa, o próprio fato de ela ter caído em pecado que é alegado diante de Nossa Senhora, como uma razão para obter o auxílio. É mais ou menos como quem se coloca diante da mãe e diz o seguinte: “Estou tão necessitado que até me aconteceu o pior. É verdade que foi por minha culpa. Pequei. E porque estou exatamente no sumo do desamparo, por ser um pecador, eu, enquanto abandonado, encontro no desamparo a razão pela qual primeiro devo pedir a vossa misericórdia.” Quer dizer, esta é uma consideração de fundo, que não fecha nunca as portas da esperança na vida espiritual, porque a Virgem Santíssima, sendo nossa Auxiliadora, é próprio,  inerente a Ela, é movimento profundo n’Ela, correspondente à sua missão, ao amor insondável que Ela tem a Deus, de nos auxiliar por esta forma.

    Há aqui uma esperança, um recomeçar sem fim de novos propósitos de emenda, que deve ser o fundo de nossa vida espiritual.

    Uma das crises da vida espiritual apresenta-se à maneira de alguém que, estando numa escada, encontra-se em perigo de cair em cima de uma fogueira: cai, não cai.

    Os que se atolam em alguma etapa da vida espiritual

    Existe um outro sistema de crise espiritual. É o da pessoa que está subindo uma escada e, no lugar onde deveria haver um patamar, tem o vazio, e mais adiante continuam outros degraus; de maneira que o indivíduo não sabe como faz para pular aquele vácuo. São as tais almas que atolam a alturas diferentes da vida espiritual.

    Há uns que atolam, por exemplo, num estado assim: levam anos no meio-termo entre a virtude e o pecado, ora no estado de graça, ora fora do estado de graça, e ficam naquele pêndulo do Inferno para o Céu e do Céu para o Inferno.

    Outros atolam numa espécie de mediocridade do estado de graça; não pecam mortalmente, mas cometem torrentes de pecados veniais — por exemplo, as tais mentirinhas ditas “inocentes” — à vontade.

    Existem ainda aqueles que vencem as tais mentirinhas, mas se atolam numa outra coisa. Quem está nessa situação diz: “Combati todos os pecados que eu tinha — os leves e os graves —, e percebo que não estou valendo grande coisa. Há algo que falta, mas não sei o que é. Só sinto que eu, apesar de toda a profilaxia, não valho nada. Pior seria se eu não tivesse feito a profilaxia… Eu, antes, estava sujo; agora fiquei vazio. Mas, daí para diante, como encher isto? Também não sei.” E fica parado nesse estado.

    Há outros que adquirem virtudes, progridem, e param já num certo grau de virtude, mas, de vez em quando, o carro encalha e não há meio de galgar o patamar de cima. O indivíduo fica assim um tempo enorme. Isso corresponde, em qualquer altura da escada, sempre a um ponto: é algo de que a pessoa deveria se desapegar e que, ao mesmo tempo, é a coisa mais clara e a mais confusa do mundo. Ela vê com toda a clareza que devia deixar aquilo, mas, concomitantemente, não vê de nenhum modo que é aquilo que ela precisaria abandonar.

    A necessidade de uma graça extraordinária

    E a Providência fica provando aquela pessoa até criar um momento em que haja um estalo em sua cabeça, o qual, em geral, representa uma graça grande que ela recebe, fazendo-a pensar: “Ah! Eu agora vejo, tem isto, aquilo e mais tal outra consequência. Estou compreendendo”. Então começa uma emenda, e ela vai mais um pouco para diante. Um, dois, três anos depois para de novo. Cada solução de um encalhe destes equivale verdadeiramente a uma espécie de conversão. E tanto é conversão — neste sentido da palavra — do indivíduo que deixa o zigue-zague entre o estado de pecado mortal e o estado de graça, como daquele que está vazio, embora não sujo, e sente a necessidade de se encher de virtudes que não possui.

    Então, no caso de quem estacionou a certa altura da vida espiritual, é mais uma conversão neste sentido: é preciso uma graça extraordinária, como Nosso Senhor dava a um paralítico que, de repente, começava a andar. Essa graça precisa ser pedida, e ela representa o desapego de algo de muito claro e muito obscuro, ao qual a pessoa estava apegada.

    É evidente que não podemos produzir essa graça por nosso próprio esforço, porque a graça é um dom criado e concedido por Deus, e não obtido por nós, mais ou menos como um isqueiro que tira de si mesmo a sua própria chama.

    É preciso pedir que Maria Santíssima nos obtenha de Nosso Senhor essa graça. Portanto, nesses estados Nossa Senhora quer deixar bem clara a necessidade do sobrenatural.

    Durante muito tempo, por nós mesmos, nada conseguimos. Pedimos para Ela e, de repente, obtemos. Quer dizer, Ela pode levar mais tempo ou menos para dar, mas quando Ela concede, o faz de uma vez, rapidamente, de um modo impressionante.

    Esse tipo de graça, como a cura que Nosso Senhor realizava nos paralíticos, ao dizer a um homem “levanta-te e anda”, e ele saía caminhando, Nossa Senhora também nos obtém, enquanto Auxílio dos Cristãos, para circunstâncias extraordinárias, para casos que não se resolvem de outro modo.

    Acho muito importante isto, porque conheço muitas almas boas que acabam desanimando na vida espiritual à força de rotina, de estagnação, petrificação e paralisação; ela se pergunta: “O que eu vou fazer daqui por diante?” Não se sabe.

    Pedindo a Nossa Senhora, Ela nos dá o auxílio

    Às vezes entra-se em alguma igreja e se vê certas beatas rezando. Tem-se a impressão de que podiam passar dois mil anos fazendo aquela oração, e não saíam daquele pouco de vida espiritual. Tudo direitinho, arranjadinho… Pode-se imaginar uma delas que, voltando para sua casa, ia ver um filho bêbado, ateu, cuidava dele; depois pegava uma imagenzinha de Nossa Senhora, fazia uma novenazinha, etc. Mas uma chama de uma virtude heroica, de algo de generoso, que convertesse, nada! E então, também nesse caso, desânimo, uma certa rotina, rodando no vácuo.

    Por que às vezes se encontra um bom católico parado? Porque não lhe ensinaram que seu estado tem uma solução, um remédio, e que o fato dele não encontrar a solução é a prova de que Nossa Senhora quer mostrar-lhe que a solução é só Ela. Sem Maria Santíssima, ele de fato não vai para a frente, pois está apegado, entalou, enrascou em qualquer coisa.

    Então, Nossa Senhora quer deixar bem claro que é preciso pedir-Lhe essa graça, e, pedindo, Ela dá; o sobrenatural resolve as dificuldades, é uma questão de espírito de Fé. Rogando empenhadamente, afincadamente, nós conseguimos.

    O título de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos é um incentivo para que nós peçamos, porque compreendemos que o próprio d’Ela é auxiliar. Então, se eu preciso de auxílio e encontro a Auxiliadora dos Cristãos, estou certo de ser atendido, porque o necessitado encontra seu alívio junto à auxiliadora. Se considerar que a auxiliadora é Mãe, terei certeza de ser atendido. Então, àqueles dentre nós que se encontram nesse estado, em qualquer estágio da vida espiritual, eu sugiro — não vou além de uma sugestão — que rezem apenas três Ave-Marias por dia, pedindo a Ela isto: que tenha a bondade, a condescendência, a misericórdia de intervir nesse estado, e intervenha logo para nos socorrer. Ou, então, uma oração como o “Lembrai-Vos” pode ser sumamente útil para isso.

    Rezando essa prece, posso dizer: “Lembrai-Vos de que nunca se ouviu dizer que Vós abandonastes algum pecador. Ora, eu sou um pecador. Será que Vós ireis interromper dois mil anos de gloriosa assistência aos necessitados e abrir uma exceção para mim? Eu não acredito.” É uma linda expressão: “Lembrai-Vos”.

    Uma simples medalhinha amassada

    Quando nos lembramos de todo o rebotado que passou… E quanta coisa Nossa Senhora tem perdoado, de toda ordem, de todo jeito; uns judeus empedernidos como Ratisbonne(1), bêbados, sem-vergonhas, canalhas, gente de toda ordem que Ela converte. Dessa forma, posso pensar: “Nunca se ouviu dizer… Será que Vós permitireis que a primeira vez seja comigo? Não é possível!” Eu, então, crio alento e toco para a frente.

    Eu li uma vez, num livro de vida espiritual, uma coisa muito bonita a respeito do auxílio de Nossa Senhora. Uma senhora, se não me engano da nobreza de Paris, possuía uma casa muito bem arranjada, em cuja sala de visitas havia um quadro com uma moldura bonita e, dentro, uma almofada de veludo e uma medalhinha muito comum, amassada. Um ou outro visitante que aparecia lá perguntava, às vezes, o que era aquele objeto inteiramente sem valor artístico, até estragado, no meio daquela sala tão faustosa e de tanto gosto. E a senhora contava o seguinte: “A essa medalhinha devo a vida e a conversão do meu filho. Ele era ateu, estava saindo de um mau lugar — ou bebendo, ou fazendo qualquer outra coisa má; enfim, se encontrava em estado de pecado — e houve um crime na rua; o projétil desviou-se e bateu no peito dele, chocando-se contra essa medalhinha”.

    Sabemos como, em geral, as medalhas de Nossa Senhora são frágeis, ultra comerciais, de alumínio, etc.

    E ela continuou: “O projétil está guardado junto com a medalha. Entortou e estragou a medalha, mas miraculosamente não matou meu filho. Ele teve um tal golpe, que se converteu. E este grande milagre merece bem que eu tenha estes objetos expostos aqui”.

    Vemos, assim, a bondade de Nossa Senhora por um tipo que, sendo morto por um disparo, iria para o Inferno, pois estava ofendendo a Ela naquele momento. Para esse sujeito, Ela realiza um milagre esplêndido.

    Então: “Lembrai-Vos de mim também que não estou fazendo uma coisa horrorosa, não estou pecando, mas vilmente encalhado, bestamente encalhado, e não há o que me desencalhe. Disto eu estou farto de saber e compreendo que só Vós me podeis desencalhar; fazei-me este favor, desencalhai-me!” É um pensamento que só pode nos alentar e ser um incentivo para nossa novena de Nossa Senhora Auxiliadora.

    Tardando em nos atender, Maria Santíssima nos concede superiores benefícios

    Quando consideramos os auxílios da Virgem Maria, vemos que é uma verdadeira graça o fato de Ela dignar-Se estabelecer conosco relações pelas quais atende pequenos pedidos, quase que diríamos pequenas intenções, como se fossem pequenos carinhos maternos da parte d’Ela. Sem dúvida, é uma graça que devemos reputar como muito preciosa.

    Entretanto, não devemos nos espantar quando o auxílio de Nossa Senhora tarda. Muitas vezes Ela demora a atender exatamente nas grandes graças, que Ela quer que peçamos muito.

    Em geral, em toda a vida de uma pessoa muito devota de Maria Santíssima, assim como existem as graças que Ela dá logo, há também umas duas, três, quatro ou cinco que Ela concede demorando enormemente, e essas são as almas que Nossa Senhora mais ama, pelas quais, dentro de um rosário de graças facilmente concedidas, Ela coloca algumas muito difíceis. E em geral as graças que Ela ama mais são as de caráter espiritual. Às vezes, é uma graça de caráter temporal cujo retardamento vai ter um sentido espiritual.

    Contaram-me o caso de uma senhora protestante, convertida à Religião Católica, a qual tinha muita vontade de ser devota de Nossa Senhora. Leu São Luís Maria Grignion de Montfort, convenceu-se de ser aquela a verdadeira devoção, mas não conseguia ter uma devoção que não fosse puramente teórica em relação à Santíssima Virgem.

    Ela passou dez anos rezando todos os dias afincadamente, para ter uma devoção viva a Nossa Senhora. Ao cabo desse tempo, ela a obteve de modo supereminente.

    Quer dizer, há certos retardamentos da providência de Nossa Senhora, enquanto Auxílio dos Cristãos, em que Ela concede mais tardando do que dando logo. E isso em parte porque se Maria Santíssima atendesse todos os nossos pedidos imediatamente, a Terra se transformava num paraíso e os sofrimentos desapareciam. Ora, umas das maiores graças que Nossa Senhora nos dá são as cruzes, os sofrimentos. E muitas vezes Ela tarda para nos dar a graça e o mérito do sofrimento.

    É preciso também acrescentar que algumas vezes a Santíssima Virgem tarda para provar a nossa Fé, quer dizer, para nos desenvolvermos na Fé e na confiança; e depois Ela nos dá essas graças de modo supereminente.

    Por isso, se há alguma alma que esteja esperando muito tempo para receber uma graça, ela não deve considerar isso como uma recusa de Nossa Senhora, mas como uma promessa de que, se pedir muito, essa graça lhe será dada com uma abundância extraordinária.

    Na novena de Nossa Senhora Auxiliadora, que, enquanto Auxiliadora, é dadivosa e distribuidora de graças, devemos pedir que, assim como Ela tem pena das almas do Purgatório e abrevia seus tormentos, na medida em que convenha às nossas almas, condescenda em abreviar também essas grandes demoras, e nos dê aquilo que nós queremos, sobretudo para a nossa vida espiritual.

     

    (Extraído de conferências de 21/5/1964,
     17/5/1966 e 18/5/1966)

    1) Afonso Tobias Ratisbonne, convertido milagrosamente à Religião Católica ao presenciar uma aparição de Nossa Senhora. Ver Revista Dr. Plinio, n. 46, p. 6-9; n. 94, p. 24-29.

     

  • O amor materno da Auxiliadora dos cristãos

    Conhecendo-nos individualmente, e amando-nos como a filhos únicos, Nossa Senhora nos auxilia em todas as batalhas da vida.

    É verdade que Nossa Senhora é mãe de todos os homens; porém, Ela é, especialmente, mãe dos cristãos. Ela tem a missão, dada pela Providência, de auxiliar os cristãos.

    O educandário da vida

    Tal missão não deve ser vista como a de uma mãe junto a seu filho adulto. Por mais respeitável que seja a figura materna em todas as etapas da vida de um filho, há uma idade, entretanto, onde este carrega a responsabilidade de seu próprio destino, e mais protege a mãe do que é protegido por ela. Por isso, nossas relações com Nossa Senhora devem ser as de uma criança com sua mãe.

    Enquanto vive nesta Terra, o homem está num período de provas e de lutas, onde sua alma se desenvolve rumo à plena maturidade. Assim, vistos do Céu, somos semelhantes a crianças em formação.

    De fato, espiritualmente falando, nossa verdadeira idade adulta será atingida quando Deus nos chamar a Si; nessa ocasião, se tivermos sido fiéis à graça, alcançaremos a plenitude para a qual fomos criados. Dessa forma, do ponto de vista do Céu, a Terra é um educandário, e a maturidade é a morte. Nossa Senhora nos vê, portanto, como espíritos em formação.

    Considerando os desastres e as desordens do mundo de hoje, que impressão causamos num espírito bem aventurado, o qual vê a Deus face a face? Evidentemente, é tal o desatino, a precariedade, a incerteza e a debilidade do homem, que, observados do Céu, somos como crianças mal encaminhadas.

    Compreende-se, portanto, que Nossa Senhora tenha para conosco a missão de uma mãe para com um filho pequeno. Quer dizer, de dar uma assistência inteira, estar presente em todas as horas, proteger de todos os modos. Ela isso faz com cada homem, em todos os momentos da vida.

    Maria Santíssima tem, a todo instante, conhecimento simultâneo e perfeito de cada um de nós. Ela nos ama como jamais alguma mãe amou seu filho. Assim, podemos imaginar a solicitude de Nossa Senhora para com sua missão de acompanhar, rezar, obter graças e guiar a vida de cada pessoa, como se esta fosse a única a existir.

    O perfeitíssimo amor de Maria

    Este é um ponto a ser sublinhado. De acordo com uma visão completamente falsa, quando rezamos temos impressão de estarmos sob as vistas de Nossa Senhora em meio a uma multidão de homens na qual Ela mal discerne cada um. E, quando chega da nossa parte um brado muito angustiado, Ela presta um pouco mais de atenção, mas fora isso nos perdemos em meio ao tumulto da humanidade e dos séculos.

    Ora, ao rezar, deveríamos nos lembrar de que Ela nos vê, conhece e ama como se somente cada um de nós existisse.

    Caso nosso Anjo da Guarda nos aparecesse e dissesse: “Neste momento a Virgem Maria vai parar de atender as orações de todas as pessoas, para olhar só para você. E no universo inteiro se fará um silêncio; haverá apenas a sua súplica subindo ao Céu”. A pessoa ficaria comovida: “Como é possível isso? Que honra! Que maravilha!”

    Com efeito, isto se dá a todo momento. Quando alguém reza a Nossa Senhora, é como se somente ele o fizesse, e o universo inteiro tivesse parado para Maria prestar atenção apenas nele.

    Com sua perfeição insondável, a Santíssima Virgem quer bem a cada um individualmente, do jeito como ele é, com aquela espécie de desinteresse do verdadeiro amor materno, em que a mãe não quer o filho por causa de sua carreira, mas por ser seu filho.

    Uma reminiscência do amor materno

    Quando se fala em amor materno, é normal que cada um pense na própria mãe. Por isso, vêm-me à lembrança fatos ocorridos com Dona Lucília.

    Em 1950, candidatei-me a deputado federal pelo Estado do Paraná.

    Eu acabara de chegar da Europa e tinha apenas vinte dias para a campanha eleitoral. Não foi fácil passar de Paris para as estradas poeirentas que ligavam as várias cidades do Norte do Paraná! Meti-me por aquelas vias e enfrentei os solavancos e desconfortos de uma campanha eleitoral.

    Terminada a campanha, voltei para São Paulo e mamãe me acolheu com o afeto de sempre.

    Começaram, então, a divulgar os resultados da votação. Estes, apesar de serem brilhantes para tão pouco tempo de propaganda, não atingiam o total exigido para minha candidatura. Nem podia ser de outro modo, tratando-se de um candidato desconhecido na região.

    Quando chegou a notícia confirmando minha derrota, mamãe, com aquela serenidade, aquela calma, aquele timbre de voz ao mesmo tempo grave e doce que lhe era característico, disse-me:

    — Como eu fico alegre com sua derrota!

    Fiquei muito espantado e perguntei:

    — Mas meu bem, por que a senhora diz uma coisa dessas? A senhora não vê que, ficando deputado, eu poderia prestar serviços à Religião?

    Ela respondeu:

    — Meu filho, é verdade, e se Deus assim o quisesse, eu quereria também. Mas eu fico alegre por Ele não ter querido sua eleição, pois ao menos assim você não vai para o Rio e fica mais perto de mim.

    Eu disse a ela:

    — Mas a senhora não gostaria de ter um filho eleito deputado por segunda vez?

    Ela respondeu:

    — A vida, meu filho, abaixo do serviço de Deus, consiste em se querer bem, morar juntos e se olhar.

    A benquerença materna

    Antes de rezar, lembremo-nos disso: Nossa Senhora tem por cada um de nós, de modo inimaginável, toda a benquerença própria às mães. Assim, quando alguém se ajoelha diante de uma imagem d’Ela, deve ter a ideia de que, ainda que esteja em estado de pecado, esse ato de devoção é verdadeiramente grato a Maria.

    Desse modo teremos correspondido à solicitude de Deus, dando-nos Nossa Senhora como auxílio.  

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/5/1969)

  • Visitação de Nossa Senhora a Prima Isabel

    Episódio sumamente rico em importantes aplicações para nossa vida espiritual, a Visitação de Nossa Senhora nos mostra como Santa Isabel, prima da futura Mãe de Deus, teve um conhecimento imediato de que o Messias se achava ali presente, encarnado no seio puríssimo de Maria. Ela o soube, não só por uma inspiração da graça, mas também por uma espécie de sentimento, de percepção do divino, excelentes, que a fizeram discernir a presença de Jesus.

    Essa percepção, esse sentimento, cada católico deveria ter — em grau proporcionado — para amar todas as coisas que sejam segundo Deus, e para rejeitar aquelas que Lhe são contrárias.