Categoria: Santos do dia

  • Uma das facetas do Imaculado Coração de Maria

    Um dos meios bonitos de conhecermos o espírito e o Imaculado Coração de Maria consiste em estudar a vida de São João Batista. Por ter sido ele santificado no seio de Santa Isabel pela palavra de Nossa Senhora, vê-se que Ela comunicou-lhe ali, misteriosamente, o espírito d’Ela. E tudo quanto o Precursor realizou em sua vida era uma decorrência dessa graça inicial recebida e constantemente intensificada, pelos rogos d’Ela.

    Podemos, então, ver São João Batista enquanto asceta austero, pregador do Cordeiro de Deus que viria, e como herói que enfrenta Herodes e morre como mártir, sublime de grandeza e de serenidade. É uma das facetas do espírito de Nossa Senhora.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/7/1967)

  • Eucaristia

    Imaginemos uma pequena capela onde um sacerdote dá a algum de nós a Eucaristia.

    Visíveis apenas o padre, um de nós, e um discozinho de farinha e água. Porém, a fé nos ensina que todos os anjos e santos do Céu adoram cada partícula do Santíssimo Sacramento existente na Terra; e portanto presenciam aquela comunhão, cantando e louvando o Divino Redentor. Nossa Senhora, por sua vez, louva a Nosso Senhor porque Ele está Se dando a nós. De maneira que o Céu inteiro está olhando para aquela cena e pede a Nosso Senhor misericórdia por aquele que está recebendo a Eucaristia.

    Pode-se conjecturar algo mais alentador? Quanta alegria e que beleza nessa cena! Se antes de comungar pensássemos um pouco nisto, não é verdade que iríamos receber a Eucaristia com mais esperança, mais confiança, mais alegria? É evidente!

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência em 15 setembro de 1973)

  • Excelências do Coração de Jesus

    Graças a Dona Lucilia, desde muito criança Dr. Plinio desenvolveu uma profunda devoção ao Sagrado Coração de Jesus, faceta do Homem-Deus que ele procurou cada vez mais explicitar e amar durante toda a vida. Eis o excerto de uma de suas numerosas conferências sobre o tema.

     

    Estando no mês em que se celebra a festa do Sagrado Coração de Jesus, parece-me muito oportuno admirarmos a beleza de algumas das invocações com que O honramos na sua Ladainha. Esta é um verdadeiro tesouro de maravilhas e louvores, próprio a encher nossas almas de amor e adoração a Ele.

    Coração do Filho, Coração da Mãe

    Tomemos, por exemplo, essa belíssima invocação: Coração de Jesus, formado pelo Espírito Santo no seio da Virgem Mãe.

    Se considerarmos o Coração de Jesus em sua realidade material e carnal, objeto de nosso culto como símbolo da vontade de Nosso Senhor e, portanto, do seu amor para conosco; se o considerarmos enquanto formado no seio imaculado de Nossa Senhora, com a matéria que a Mãe fornece para a constituição do corpo do Filho, ligada à divindade d’Ele em união hipostática compreendemos que a carne de Jesus é a própria carne de Maria, o sangue de Jesus é o próprio sangue de Maria, e, portanto, o Coração de Jesus é de algum modo o Coração de Maria.

    Se nos detivermos na evocação desse processo de geração tão admirável, pelo qual Jesus foi assim formado do corpo de Maria, num oceano, num incêndio de amor e de adoração d’Ela para com esse filho que se modelava em suas entranhas, compreenderemos ainda mais como o Coração de Jesus está ligado ao Coração Imaculado de Maria, e como podemos ter uma confiança sem reserva na eficácia da intercessão de Nossa Senhora junto a Nosso Senhor.

    Com efeito, Ele jamais poderia recusar qualquer coisa a essa Mãe Santíssima, perfeitíssima, da qual Ele não tem nenhuma queixa, antes o mais superlativo e total contentamento que o Criador pode ter em relação à sua criatura. Mais ainda: de cuja carne virginal Ele sabe ter sido formada a sua própria carne, e cujo Coração pulsa em uníssono com aquele que lateja em seu sagrado peito.

    Creio que, para os devotos de Nossa Senhora, essa invocação se reveste de imenso significado, e merece ser recitada com especial fervor.

    Um céu de majestade

    Outra lindíssima invocação é esta: Coração de Jesus, de majestade infinita.

    Segundo o luminoso ensinamento de Santo Agostinho, onde está a majestade, ali se acha também a humildade. As duas são inseparáveis. Daí concluímos que o Coração de Jesus, abismo de humildade, é por isso mesmo um firmamento de majestade.

    Se dons artísticos eu tivesse, muito me alegraria representar a figura de Nosso Senhor, exprimindo não apenas a sua majestade ou somente a sua humildade, mas retratá-Lo numa dessas apresentações em que se vê, num só relance, aquilo que a majestade tem de comum com a humildade, ou vice-versa, e que é aquela esfera superior de virtude onde essas duas excelências particulares como que se encontram e se fundem.

    Algo dessa ligação da suma majestade com a suma humildade me parece existir numa imagem na qual não está visível o Sagrado Coração, mas nem por isso deixa de ser muita expressiva nesse sentido: trata-se do “Beau Dieu d’Amiens”. Ali O vemos como um rei digníssimo, um doutor nobilíssimo, mas ao mesmo tempo tão sereno, tão manso, tão senhor de si, que se percebe que Ele seria capaz de receber a pior injúria e de se conservar inteiramente quieto, pacífico, sem nenhuma reação de amor próprio, desde que fosse essa a atitude mais santa no momento.

    Foco de todo o amor de Deus

    Outra invocação: Coração de Jesus, fornalha ardente de caridade.

    Caridade é o amor de Deus. O fato de o Coração de Jesus ser essa fornalha  ardente ou seja, não só uma fornalha, que de si já traz a ideia do ardor, mas uma fornalha ardentíssima exprime bem a ideia de que Ele é o foco de todo o amor de Deus. E que a devoção ao Coração de Jesus, por intermédio do Coração Imaculado de Maria, é especificamente esplêndida para quem se lamenta de ser tíbio, de estar se arrastando de maneira vagarosa na vida espiritual. É a devoção mais indicada e mais excelente, capaz de comunicar o fogo e o fervor da caridade a essas almas que deploram sua estagnação nas vias da piedade.

    Modelo de verdadeira paciência

    Também me parece muito importante, para nossa época, a invocação com a qual louvamos o Coração de Jesus, paciente e misericordioso.

    “Paciente” significa aquele que sofre. É, portanto, o Coração de Jesus sofredor e misericordioso, pronto a padecer até mesmo as injúrias que Lhe fazem os homens. É o Coração d’Ele enquanto amando o sofrimento, compreendendo que é a grande lei da vida e que, sem isso, a existência não vale absolutamente nada. Pois, em última análise, consideradas as coisas sob certo ângulo, o valor de uma criatura humana se mede por sua capacidade de aceitar com coragem e resignação as dores que a Providência permite em seu caminho.

    E então temos o Coração de Jesus como nosso modelo de paciência. E uma das formas importantes de sermos pacientes, nesse sentido superior da palavra, diz respeito à atitude que tomamos em relação aos nossos próximos. Quer dizer, sabermos aturar os desaforos e provocações, sermos amáveis e bondosos para com aqueles que nos fazem sofrer pelo seu mau gênio, pelas dificuldades de trato, etc. Para isso, é necessário pedirmos ao Sagrado Coração de Jesus essa paciência de que Ele é a fonte.

    Além dessa forma preciosa de paciência, uma das expressões mais típicas da capacidade de sofrer é o espírito de iniciativa, pelo qual o homem vence a preguiça, a moleza, o tédio, o amor a si mesmo e se lança ao trabalho, à luta apostólica, e se joga até o mais grosso e ardoroso dessa luta, se necessário for, quites a deixá-la imediatamente se o interesse da Igreja conduzi-lo no sentido oposto.

    Eis a melhor forma de paciência que devemos rogar ao Coração de Jesus, é esse espírito de iniciativa e de combatividade, em virtude do qual renunciamos a todos os nossos relaxamentos.

    Paciente e misericordioso. É a misericórdia enquanto corolário da paciência, disposta a tudo aturar e a tudo perdoar. Sim, convençamo-nos dessa maravilhosa verdade: o Sagrado Coração de Jesus nos perdoa uma vez, duas vezes, duas mil vezes, e não quer que desanimemos de seu perdão.

    Assim, esta é a magnífica invocação que nos exorta a nunca perder a confiança na clemência de Nosso Senhor, pela intercessão do Coração Imaculado de Maria: Coração de Jesus, paciente e misericordioso. Paciente com os meus defeitos, com os meus pecados; misericordioso em relação às minhas lacunas. Pelos rogos do Coração de vossa Mãe Santíssima, tende pena de mim, ó Senhor.

    Vítima que pagou por nossos pecados

    Envolvendo idéias análogas à da invocação anterior, é a do Coração de Jesus, propiciação pelos nossos pecados.

    Às vezes acontece nos sentirmos fundamentalmente indignos e as almas mais puras e mais altas o podem sentir até com maior intensidade. E compreendemos que, diante da justiça infinita de Deus, não somos absolutamente nada. Donde essa invocação constituir inestimável motivo de tranqüilidade para nós. Ela significa que, se meus sacrifícios, sozinhos, não têm valor diante do Altíssimo, há entretanto uma Vítima que vale tudo: porque é uma Vítima sem mancha, sem jaça, ligada por união hipostática à própria divindade. E essa Vítima é Nosso Senhor Jesus Cristo, que se ofereceu por mim, de tal maneira que tudo aquilo que eu tenho receio de não conseguir, essa Vítima alcança.

    Ela carregou os meus pecados, por eles sofreu, e em virtude desse holocausto eu considero minhas faltas com vergonha, com contrição, pelo menos com atrição, mas em todo caso com imensa confiança, porque Alguém se imolou e derramou por mim, pela minha salvação, todas as gotas do seu sangue. Por isso eu devo ter confiança, não em mim, mas nesse sangue infinitamente precioso que por mim foi vertido à exaustão.

    Esse é o Sagrado Coração de Jesus, propiciação pelos nossos pecados.

    Fonte de toda consolação

    Consideremos uma última invocação: Coração de Jesus, fonte de toda consolação.

    A palavra “consolação” encerra dois sentidos: num deles quer dizer fortalecimento; no outro, alegria, suavidade, unção do Divino Espírito Santo na alma. E em ambos os sentidos o Sagrado Coração de Jesus é fonte de toda consolação.

    Sabemos quanto Ele enche de júbilo e de satisfação espiritual as almas que Lhe são devotas, os corações que se abrem para a sua bondade infinita. Mas importa compreendermos também que a nossa força vem d’Ele. E quando nos sentirmos fracos, tíbios, desorientados, sobretudo quando estivermos sem coragem diante de algum grande ato de generosidade, não devemos avançar sozinhos, imaginando que por nosso próprio mérito o conseguiremos. Não! O Coração de Jesus é a fonte de toda a força. Por meio do Coração Imaculado de Maria, canal único e necessário para nos aproximarmos do Coração de Jesus, temos de nos dirigir a Ele e implorar as forças de que carecemos.

    E seguramente não seremos frustrados em nosso pedido. Em determinado momento sentiremos a força de que precisamos, inclusive e acima de tudo, para realizarmos as coisas mais árduas e difíceis com relação à nossa vida espiritual.

    Aqui ficam, portanto, algumas considerações que nos podem ser úteis em nossa piedade. Por exemplo, quando comungarmos, procuremos nos lembrar dessas invocações, pensando que recebemos na alma, por presença real, física, verdadeira e viva, esse Coração no qual adoramos todas as perfeições expressas nessa Ladainha.

  • Contemplando o Sagrado Coração de Jesus

    Junho é o mês do Coração de Jesus. Dr Plino tinha essa devoção arraigada em sua alma desde a mais remota infância, e a desenvolveu ao longo de toda a sua vida, como se pode ver no texto da conferência que transcrevemos a seguir.

     

    A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é tão antiga em mim que — como já contei aos senhores — antes mesmo de eu saber dizer “papai” ou “mamãe”, quando minha mãe me perguntava: “Onde está o Sagrado Coração de Jesus?”, eu apontava para a imagem d’Ele.

    Conhecer uma devoção é, sem dúvida nenhuma, debaixo de certo ponto de vista, degustá-la. E o degustar alguma coisa, para o meu modo de ser, nunca é completo enquanto eu não conhecer essa coisa até ao fundo. Uma das razões que me empolgaram tanto no livro de São Luís Maria Grignion de Montfort, “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”, é que ele toma o assunto central e vai até onde se pode e se deve ir para ter conhecimento da questão. Vendo a montagem racional desse assunto, em função da doutrina católica, eu o compreendi. E compreendi bem, como gosto de compreender.

    Entendendo desse modo, eu me sinto muito mais eu mesmo, sinto-me muito mais em casa para amar, porque a mente humana gosta de ver a insondabilidade das coisas, se com praz em de ver a força do raciocínio, se alegra em sondar palmo a palmo uma questão e ir até ao fundo dela.

    É assim que o homem ama. Ao menos é assim que eu sei amar. Não sou, nem um pouco, amigo desses espíritos cartesianos que pensam que tudo se resume em compreender e que, uma vez compreendido, está tudo acabado. Não. É preciso ter o raciocínio, mas também o sentimento. Por que fazer a escolha entre o raciocínio e o sentimento? Se Deus fez o homem capaz de raciocínio e sentimento, tenhamos ambas as coisas, para fazer a vontade de Deus e para sermos nós mesmos.

    O que se deve entender por “coração”?

    Tomo os elementos que me parecem fundamentais nesse grande e misterioso assunto que é a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

    Por “coração” os antigos entendiam não precisamente o que se entende hoje, mas algo que é ao mesmo tempo mais vasto e, em certo sentido, diferente.

    Em nossos dias, o coração é quase o símbolo do sentimento desacompanhado da razão. Diz-se que o coração de uma pessoa vibra quando ela sente um certo enternecimento, quando é alvo de um ato de bondade, ou quando tem uma condescendência com algo.

    Mas coração é só isso?

    Para os antigos, não era assim. Eles tomavam o coração como o órgão que nós conhecemos, que pulsa, que tem aurículas, ventrículos, faz sístoles e diástoles, e em razão de cujo funcionamento — uns mais solidamente na sua jovem idade, outros mais precariamente nas idades avançadas — todos estamos vivos. Mas coração significava para eles algo mais. Era o conjunto das coisas que o homem vê, ama e guarda na sua mente, por assim dizer, como se fossem “slides”, porque lhe falaram mais.

    A palavra coração representa esse conjunto de coisas enquanto amadas pelo homem com um amor que não é apenas uma conaturalidade ou uma simpatia, mas é um ato racional. As coisas que foram julgadas segundo certa doutrina verdadeira — que é o ponto de referência de tudo — e foram encontradas conformes a essa doutrina, e, por isso mesmo, amadas. A sensibilidade é um eco harmonioso, delicado e nobre, desse amor. Mas, é preciso ter compreendido bem e ter chegado bem até ao fim no julgamento, para amar inteiramente. É necessario compreender até ao fundo, para admirar e amar de corpo inteiro, de coração inteiro.

    O coração do católico. O Coração de Jesus

    O coração do católico representa, nesse sentido, a mentalidade dele, que inclui a sua sensibilidade, mas indica sobretudo aquilo que — estando de acordo com a doutrina católica, apostólica, romana — ele conhece pela Fé como verdadeiro. Aquilo que ele ama acima de tudo e toma como uma “linha rectrix” de todas as outras coisas, porque é conforme à verdade verdadeiríssima, à verdade soberana, à verdade padrão, segundo a qual todas as outras verdades são de fato verdades, e contra a qual todas as aparências de verdade não são senão erros enganosos.

    Em todo caso, tendo já como pressuposto que o coração é o símbolo da mentalidade, nós podemos nos perguntar como era a mentalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo. É um tema audacioso, é uma navegação tão alta que o homem tem medo de chegar até lá. Mas, de outro lado, esse ar atrai. Quanto mais alto se voa nele, mais se tem vontade de subir, e medo de ser obrigado a descer. É o contrário da aviação terrena.

    O que nos é dado entrever daquilo que seria a mentalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo em algum de seus aspectos?

    Devemos considerar essa mentalidade muito mais na sua Humanidade Santíssima do que na sua Divindade. Nesta última, o tema subiria tanto que não seria fácil, pelo menos a um leigo, tratar da questão. Mas a Humanidade santíssima d’Ele está mais perto de nós. Um “perto” cuja distância vai de uma ponta a outra do universo, porque a perfeição d’Ele não tem comparação com nada e com ninguém.

    A Fé nos ensina que o Verbo se encarnou e habitou entre nós. A natureza humana d’Ele está ligada pela união hipostática à natureza divina. A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnou-se e desse acontecimento único resultou Nosso Senhor Jesus Cristo. Essa dualidade de naturezas numa só pessoa significa que a sua Humanidade santíssima tinha com a Divindade um contacto mais íntimo que que teria com Deus o Santo mais perfeito.

    Mistérios da união hipostática

    Essa união, porém, não deixa de ter aspectos misteriosos para nós. Por exemplo, na Oração do Horto das Oliveiras, parece que a natureza humana de Jesus teve uma como que treva, uma como que noite escura, em relação à natureza divina, de maneira que Ele se sentiu abandonado e rezou:

    — Meu Pai, se for possível afaste-se de Mim este cálice.

    E veio um Anjo que o consolou, e Ele se reanimou.

    Também, no alto da Cruz, Ele teve uma exclamação que parece lançar uma luz especial sobre o mistério das relações entre a sua natureza humana e a natureza divina. Ele bradou:

    —Meu Pai, meu Pai, porque Me abandonastes?

    É verdade que este é o primeiro versículo de um salmo que prenuncia a sua vitória, e, recitando-o, afirmava que ia ressuscitar. Mas, de qualquer forma, havia ali um brado de abandono.

    Foi tão grande esse abandono que pouco depois Ele disse: “Consummatum est!” E entregou o seu Espírito.

    Os senhores estão vendo, por aí, que havia mistérios, havia dores e padecimentos nesta humana natureza tão ligada à natureza divina. E como nesta vida há uma certa proporção entre os sofrimentos e as alegrias, que tremendos padecimentos devem ter sido os d’Ele, uma vez que devem ter sido tão extraordinárias suas alegrias! Os senhores podem imaginar, numa alma unida a Deus, formando com Deus uma só Pessoa, a alegria que isso pode dar! Nenhum Anjo do Céu tem essa alegria! Ele tinha e tem no Céu. Mas, de outro lado, se há uma proporção das alegrias com as dores, que dores, e que dores, e que dores Ele deveria sofrer!

    “Tudo está consumado”: a dor do inexplicável

    Poucas coisas fazem sofrer tanto o homem quanto a dor do inexplicável. Quando ele tem explicação para a sua dor, ele sofre menos. Mas, quando a dor é inexplicável e cai sobre ele como algo que ele não entende… Não é porque ele queira tomar satisfações de Deus, mas é que do não-entender lhe vem o medo de que aquilo seja um castigo por alguma culpa, que aquilo seja algo fora dos desígnios divinos.

    Nosso Senhor não podia ter culpa, e Ele sabia disso, e nada para ele era inexplicável. Porém, que misteriosos sofrimentos Ele teve? Nós não o sabemos. Só sabemos uma coisa: é que Ele passou pelos tormentos mais pasmosos que jamais um ser tenha padecido na História. Esses sofrimentos de alma eram tão extraordinários que deixariam qualquer homem com a saúde arrasada em poucas horas: poderiam sobrevir enfartes, derrames cerebrais, e tudo o que os senhores possam imaginar. Ele aguentou até o fim, e seu último ato foi um ato de lucidez: “Consummatum est — Tudo está consumado”.

    Depois de criar o universo, Deus o viu em seu conjunto e considerou que cada coisa era bela, boa e verdadeira, mas que o conjunto era mais belo do que cada uma das coisas em particular. Tem-se a impressão de que Nosso Senhor Jesus Cristo, ao morrer, considerou tudo o que sofreu e viu que tinha sofrido tudo o que devia padecer, e que era uma beleza, uma torrente de sangue e de dores, como nenhum oceano poderia conter. A última gota de sangue estava derramada, a última dor, a mais inexplicável, a mais pungente, estava sofrida. Estava tudo pronto. Ele contemplou a formosura deste horror e disse: “Está tudo oferecido pela Redenção do gênero humano: “Consummatum est”. Eu sofri tudo o que tinha que sofrer, e tudo o que se pode sofrer, Eu sofri de maneira a minha tarefa redentora estar inteiramente pronta: “Consummatum est”. Só me falta o último lance, que é a separação da alma do corpo. Depois disso, cessarei de sofrer. Mas esse último lance, Eu ainda tenho que dar: morrerei!”

    E morreu… Que coisa maravilhosa! Com que sensibilidade, mas com que compreensão profunda de sua missão, com que força e continuidade Ele sofreu aquilo tudo! É algo que não se pode medir suficientemente.

    Harmonia de perfeições

    Ora, devemos imaginar o Homem Deus com todas essas forças e grandezas implícitas na alma, imaginá-Lo assim, vivendo os vários aspectos de sua vida terrena.

    Por exemplo, quando Ele acariciou as crianças que vieram falar com Ele e disse: “Deixai vir a Mim os pequeninos, porque deles é o Reino do Céu”. Os senhores estão vendo o afeto, a bondade, a doçura… Não há homem de qualquer idade que vendo-O dizer: “Deixai vir a Mim os pequeninos”, não pense: “Bem, então há um lugarzinho para mim também, por mais que eu seja um pequenino, porque, em comparação com Ele, todo mundo é pequenino. Eu vou me aproximar”.

    Que doçura nessas palavras! Essa é a suavidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual era ao mesmo tempo tão forte e, no sentido mais sublime da palavra, tão decidido. Resolveu sofrer, sofreu até ao fim e até ao ápice tudo, e de bom grado, sem excluir nada. Tão terrível e tão misericordioso, a ponto de dirigir-se ao bom ladrão e fazer a primeira canonização na Igreja Católica:

    — Tu hoje estarás comigo no Paraíso.

    Os senhores podem imaginar como o bom ladrão se sentiu reconfortado e animado com essa promessa. Ficasse com inveja dele. Cada um de nós que, na hora da morte, ouvisse essas palavras: “Hoje estarás comigo no Paraíso”, se levantaria da cama para glorificar a Deus e dizer: “Mas então, Senhor, o que esperais? Vamos! Vamos, levai-me!”

    Mas como pode uma alma humana compor esses quadros de conjunto, de maneira a, quando vir Nosso Senhor expulsando os vendilhões do templo, pensar n’Ele acariciando uma criancinha ou contando a parábola do Bom Samaritano; imaginá-Lo, com uma bondade indizível, curando este, aquele, e aquele outro, espargindo em torno de Si alegria, consolação, tranqüilidade, saúde; pensar n’Ele encantando os Apóstolos que O ouviam enlevadíssimos?

    Como conjugar essas duas visões: Ele tão forte, tão incomparável, tão único, e, ao mesmo tempo, tão misericordioso e tão acessível aos pequeninos?

    É preciso lembrar-se d’Ele como está no Santo Sudário, e aí se compreenderá como Ele era, no sentido mais nobre da palavra, o atleta de Deus, o herói de Deus! Siegfrid, Lohengrin, toda espécie de “heróis” dessa ordem, sublimados por Wagner, aqueles homens da mitologia antiga, tudo isso é quinquilharia em comparação com o Varão do Santo Sudário!

    Como imaginar no Menino Jesus, apenas nascido em Belém, como imaginar que nessa Criança, cuja alma contém todas as canduras e inocências imagináveis e excogitáveis, estava o Herói que iria sofrer de maneira a impressionar os homens até ao fim do mundo?!

    N’Ele todas essas perfeições se ajustavam de maneira a não se poder compreender. Ele é muito maior do que o campo de nossa visão. Ele é uma maravilha que, ou nós O consideramos por partes, ou não O conseguimos considerar.

    Adorar todas as perfeições do Sagrado Coração de Jesus

    Cada um adora Nosso Senhor como foi chamado a adorá-Lo. Como sou eu quem está falando, tenho de dizer o que me vai na alma. É meu modo de ser.

    Eu nunca me contentaria de adorar só um desses aspectos sem procurar reuni-lo a todos os outros e, ao

    menos muito sumariamente, fazer a ideia de como seria o conjunto. Eu tenho a impressão de que, se eu O conhecesse nesta vida terrena, uma das coisas que eu mais gostaria era de admirar e de adorar as transições de estados de espírito d’Ele, o como Ele passava de uma disposição para outra. De modo que eu pudesse compreender como é que uma disposição se encaixava na outra. E nessas transições, adorar a harmonia desses estados de espírito tão diversos. Parece-me que, com isso, o meu desejo das correlações, das reversibilidades e das harmonias, das ordenações em tudo, encontraria algo que o saciasse.

    Há no teto da igreja do Coração de Jesus, em São Paulo, um afresco que é uma pintura boa, ao estilo do século

    XIX. Esses quadros habituais de Nosso Senhor, muito respeitáveis e veneráveis, satisfazem muito a piedade, mas em geral fixam a atenção do homem num determinado estado de espírito de Nosso Senhor. Nos quadros do Sagrado Coração de Jesus, os autores fixam sempre — e a justo título, muito fundadamente — a sua misericórdia infinita. Mas a sua misericórdia infinita era só uma de suas perfeições. Não podemos sustentar que Ele não tinha outras perfeições, uma vez que Ele as tinha todas.

    Como é belo esse afresco! Como é ótimo, como me tem feito bem ao longo de minha vida! Mas eu gostaria que outros quadros pintassem Jesus em outros estados de espírito.

    Por exemplo, Ele meditando. O olhar absorvido, enlevado e contemplativo d’Ele, sozinho no deserto, durante quarenta dias de jejum. Gostaria de imaginá-Lo junto de uma pedra, no deserto árido, ou com uma vegetaçãozinha ordinária e muito rasteira, que seria o contrário da sublimidade da cena. Ou com uma bonita areia que se estende ao longe. No fundo, um pôr-de-sol em brasa e seu divino perfil se recortando sobre ele… Jesus meditando e orando. Portanto, sua natureza humana, por assim dizer, fazendo filosofia e teologia. Como é que seria a sua expressão fisionômica nessas ocasiões?

    Se Ele já se tinha deleitado na contemplação do universo, quanto mais se deleitaria na contemplação daquilo que é mais do que todo o universo, Nossa Senhora! Gostaria de imaginá-Lo, então, na sua Humanidade e na sua Divindade juntas, olhando para dentro dos olhos de Nossa Senhora. Ela, enlevadíssima, num êxtase altíssimo. E Ele, enquanto Deus, pensando: “A minha obra-prima!”; e enquanto Filho e Homem pensando: “Minha Mãe! Que perfeição!”

    O que um de nós daria para estar do lado de fora da porta e olhar pelo buraco da fechadura? Se nos exigissem como preço disso fazer qualquer sacrifício depois, nós faríamos. Morrer depois, não nos importaria! Ter visto essa cena e morrer… para que viver mais? E, de fato, me pergunto: haveria ânimo para viver, depois de ter visto isso? De que adiantaria, por exemplo, depois disso ver a beleza do mar? Eu gosto tanto do mar, mas depois de ter visto Maria, o que é ver o mar?…

    Eis o Coração que amou tanto os homens!

    Voltando àquele afresco da igreja do Coração de Jesus. Está Ele aparecendo a Santa Margarida Maria. O lugar da aparição está todo iluminado. Ele fala a ela com uma expressão de muita bondade, muito comprazimento, muita misericórdia. E ela está muito enlevada, naturalmente. A cena é ainda completada com as palavras tocantes de Jesus. Ele aponta o seu próprio Coração e lhe diz: “Eis aqui o Coração que tanto amou os homens e foi por eles tão pouco amado!”

    Os senhores compreendem que é de cortar o coração! Que um tal Coração tenha amado tanto e tenha sido tão pouco amado, não se sabe o que dizer! Evidentemente, nós fomos amados por Ele muito mais do que nós O amamos, porque Ele é tão maior do que nós, que um ato de amor d’Ele deixa os nossos pobres amores muito atrás… Entretanto, o problema é que nós não O amamos até onde podemos, e era o que nós deveríamos fazer. Ele diz essas palavras com misericórdia e bondade. Mas eu gostaria de perceber ali todos os outros estados de espírito; gostaria de perceber essa correlação e de, por assim dizer, pela admiração, pela adoração — que é a palavra adequada quando se trata d’Ele — pela adesão, de algum modo tentar viver isso em mim. Enternecer-me como Ele, adorar como Ele, resistir como Ele, sofrer como Ele! Por que não?! Isso todos nós gostaríamos de fazer.

    Uma coleção fabulosa

    Se nós pudéssemos fazer uma coleção dos timbres de voz de Jesus ensinando como Mestre!… Ninguém foi mestre como Ele, que é o Divino Mestre! Explicando com clareza, com sabedoria, com profundidade, horizontes extraordinários, mas com uma simplicidade de desconcertar. Seu ensino é tão simples e, ao mesmo tempo, tão profundo! Santo Agostinho dizia que o ensinamento d’Ele era como um rio no qual um elefante se afogaria e um cordeiro passaria sem molhar senão os pés.

    Como nós gostaríamos também de, por exemplo, colecionar os seus sucessivos olhares! Para não falar senão em dois : o olhar para São Pedro, que o converteu e o fez chorar a vida inteira, e um olhar para Nossa Senhora. Escolham o momento. Talvez o momento do último olhar nesta vida. Com certeza, antes de morrer, Eles trocaram um olhar em que transpareciam o carinho e a adoração da parte d’Ela, e o amor indizível, o apreço extraordinário e o carinho da parte d’Ele, ao se separarem.

    Como seria a história de todos os seus olhares? E como seria o olhar d’Ele expulsando os vendilhões do Templo? Para Pilatos, desprezando toda a covardia do Procurador Romano? E o olhar de repreensão aguda e severa para Anás e Caifás?

    Tudo isso era um reflexo do seu Coração. Esse Coração pulsou, ora com mais, ora com menos intensidade, ao longo de todos esses acontecimentos.

    E por isso é belo pensar como a mente e o Coração d’Ele, numa união, viveram todos esses acontecimentos da sua vida terrena. Até ao fim do mundo haverá gente que adorará esses vários aspectos de Jesus.

    Oração a fazer ao Sagrado Coração de Jesus

    Que oração fazer a esse Divino Coração? Nós podemos repetir, olhando para Nosso Senhor crucificado, com seu Coração chagado pela lança do centurião, a jaculatória que está na Ladainha do Sagrado Coração de Jesus e que me encanta:

    “Cor Jesu lancea perforatum, miserere nobis. — Coração de Jesus perfurado por uma lança”, tende compaixão de nós. Vós que levastes a pena de mim a ponto de quererdes que, depois de morto, vosso Coração ainda recebesse essa ferida, e que o resto de água misturado com sangue saísse de vosso lado por meu amor, tende pena de mim!”

    E rezar também: “Anima Christi, sanctifica me. — Alma de Cristo, santificai-me”. Nada há de mais santo do que a Alma de Cristo… Que a Alma de Cristo, por assim dizer, toque em mim e me torne um Santo! Eu não quero outra coisa.

    “Corpus Christi, salva me. — Corpo de Cristo, salvai-me. Sangue de Cristo inebriai-me. Água do lado de Cristo, lavai-me… e lavai-me mais ainda! Paixão de Cristo, dai-me forças. Olhai para minha miséria, minha moleza e minhas insuficiências. Dai-me força na luta contra os vossos inimigos. Ó Bom Jesus, ouvi-me, pelos rogos de Maria. Escondei-me nas vossas feridas. Cobri-me, com vossas feridas, da justa cólera do Padre Eterno. Na hora de minha morte, chamai-me e mandai-me ir para junto de Vós, para que Vos louve com os vossos Santos, com a Santa das Santas, por todos os séculos dos séculos. Amém.”

  • São Cirilo de Alexandria – Execração até o último limite

    Partindo do exemplo de São Cirilo de Alexandria, arrojado defensor da Maternidade Divina de Maria, Dr. Plinio faz uma penetrante análise sobre como Deus execra aqueles que, entre a verdade e o erro, tomam uma posição intermediária, como está consignado no Apocalipse: Se fosses frio ou quente, Eu te aceitaria; mas como és morno, começo a vomitar-te de minha boca. Os mornos são o melhor dispositivo de proteção do erro, mas os execrados do Coração de Jesus.

     

    Sobre São Cirilo de Alexandria, cuja memória é celebrada em 27 de junho, diz Dom Guéranger:

    Defensor da maternidade divina de Nossa Senhora

    Por carta, São Cirilo tentou reconduzir Nestório, mas esse sectário aferrava-se a suas opiniões. Por falta de argumentos, Nestório queixava-se ao Patriarca da ingerência de São Cirilo. Como sempre em tais circunstâncias, Cirilo encontrou homens apaziguadores que, sem partilhar o erro nestoriano, considerava que o melhor, com efeito, era não responder, por temor de o irritar, de aumentar o escândalo e de ferir a caridade.

    A esses homens, cuja singular virtude tinha a propriedade de se abalar menos das audácias da heresia que da afirmação da Fé cristã, a esses partidários da paz a qualquer preço, respondia Cirilo:

    “Como Nestório ousa deixar dizer em sua presença, na assembleia dos fiéis, anátema seja quem chama Maria Mãe de Deus; pela noção de seus partidários, ele chama de anátemas nós e os outros bispos do universo e os antigos Padres que em todas as partes e em todas as épocas reconheceram e honraram unanimemente a Santa Mãe de Deus? E não estamos em nosso direito de devolver-lhe sua palavra e dizer: Se alguém nega que Maria seja a Mãe de Deus, seja anátema? Se o medo de qualquer aborrecimento afasta de nós o zelo pela glória de Deus e nos faz calar a verdade, com que rosto podemos celebrar em presença do povo cristão os santos mártires, quando o que faz o elogio desses que morreram é unicamente o cumprimento desta palavra: pela verdade combatiam até a morte?”(1)

    O trecho é verdadeiramente magnífico. São Cirilo, que viveu no século V, combateu a heresia de Nestório afirmando a maternidade divina da Bem-aventurada Virgem Maria. Nos primeiros séculos da Igreja houve pessoas que, impugnando o dogma da divindade de Nosso Senhor, afirmavam que Ele era só homem e não Deus. Outros afirmavam que Ele era Deus, mas não homem, e que tomava o aspecto, a aparência de homem, como um fantasma, porém negavam que Ele fosse o Homem-Deus. Dos dois lados a heresia tentou abalar a crença católica de que Nosso Senhor Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, como professamos até hoje.

    Os que mais atrapalham a Causa católica

    A heresia de Nestório, ao negar a perfeita união entre as naturezas humana e divina em Nosso Senhor Jesus Cristo, constituindo uma só Pessoa divina, tinha uma consequência no que diz respeito a Nossa Senhora, pois afirmava ser Ela apenas mãe do homem Jesus, e não Mãe de Deus. Portanto, a maternidade divina de Maria não existia.

    Estabeleceu, assim, a clássica distinção entre ortodoxos, que professavam haver em Nosso Senhor Jesus Cristo ambas as naturezas em uma Pessoa Divina, e heterodoxos, partidários de Nestório. Entre essas duas correntes havia os tais pseudo-equilibrados, querendo fazer ecumenismo e irenismo. Estes achavam, já no século V, ser melhor não fazer discussão porque irrita o adversário, tornando mais difícil a possibilidade de conversão, além de agir contra a caridade. Então, voltavam-se contra São Cirilo porque este Santo falava mal deles.

    Pergunto se não é exatamente o que se passa em nossos dias. Há uma raça de almas que correspondem àquilo que está dito na Escritura: Se fosses frio ou quente, Eu te aceitaria; mas como és morno, começo a vomitar-te de minha boca (cf. Ap 3, 15-16). Isto é, se tu aceitasses a verdade, Eu te aceitaria; se tu aceitasses o erro e te arrependesses, Eu te perdoaria. Mas como és daquela espécie de gente morna, que não está nem do lado da verdade, nem do lado do erro, tu Me causas a náusea que a água morna provoca. Sabe-se que a ingestão de água morna em certa quantidade é nauseante. É até usada para provocar a náusea, em determinadas doenças. São os execrados de Deus, que Ele vomita de sua boca, com aquele tipo especial de horror que é o nojo, que caracteriza a náusea. É isto que Nosso Senhor tem em relação a esses.

    São eles os que mais atrapalham a Causa católica. Porque sempre se aproximam dos outros dizendo para não seguirem os defensores da verdade, porque eles, mornos, são católicos também, mas não tão exagerados quanto os outros. É por causa disso que as fileiras dos verdadeiros seguidores da Causa católica contam muito menos adeptos do que deveriam contar. O melhor dispositivo de proteção do erro não está entre aqueles que o professam, mas entre os que dizem professar a verdade, porém nas táticas protegem o erro; são verdadeiramente a quinta-coluna que sempre existiu nesse tipo de luta.

    Isto nos deve levar a compreender que espécie de horror devemos ter a esse tipo de almas. E se queremos ser inteiramente conformes a Nosso Senhor, imaginem a náusea que essas almas nos devem dar! Quando ouvirmos tais argumentos, o que devemos sentir é náusea. Porque se devemos ser perfeitos como nosso Pai Celeste, e se é legítima aquela jaculatória “Sagrado Coração de Jesus, tornai meu coração semelhante ao vosso”, então precisamos também ter náusea daqueles de quem o Pai Celeste tem náusea. E se queremos ser como o Coração de Jesus, devemos ter horror àqueles de quem Ele tem horror.

    Aí está o pedido que devemos fazer a Nossa Senhora: compreender de modo vivo o horror dessa posição e ter contra ela toda a execração infinita que Deus possui em relação a esse tipo de gente. Uma execração que vai até o último limite: é o nojo, o asco, o desprezo. Essa posição intermediária atrai mais a cólera divina do que a definida posição contrária.            v

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/2/1966)

    Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)

     

    1) Cf. GUÉRANGER, Prosper-Louis-Pascal. L’année liturgique. Septuagésime. p. 324.

  • São João Batista – Modelo do perfeito devoto de Maria

    São João Batista é uma alma tão ardentemente mariana que, ainda no seio materno, prestou a Nossa Senhora um ato de devoção intensíssimo. Ele é o apóstolo, o discípulo fiel, o devoto perfeito da Santíssima Virgem, que ouve sua voz, nela discerne os primeiros ecos da voz do Cordeiro de Deus que ele devia anunciar e estremece inteiramente de gáudio.

    Devemos, portanto, venerar em São João Batista o modelo do verdadeiro e perfeito devoto de Nossa Senhora, pedindo-lhe que faça de nós perfeitos devotos d’Ela e tenhamos um ouvido interior por onde, quando ouvirmos a voz de Maria Santíssima, estremeçamos de gáudio também, de maneira a nunca um pedido d’Ela nos encontrar de má vontade, tristes, aborrecidos, com desejo de não atendê-La. Pelo contrário, sua voz nos faça estremecer de alegria até quando diga uma palavra austera de renúncia, de sacrifício e sofrimento.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/6/1964)

    Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)

  • Madonna del Miracolo: altíssima obra de Contra-Revolução

    Num mundo em que o demônio, através da impureza e do orgulho, vai arrastando as almas para a Revolução, Nossa Senhora nos comunica o gosto pela despretensão e pela castidade. Estas são considerações de Dr. Plinio ao analisar o quadro de Nossa Senhora do Miracolo.

     

    Ocorreu-me a ideia de fazer um “Ambientes, Costumes e Civilizações”, procurando exprimir os imponderáveis existentes no quadro de Madonna del Miracolo, ou Nossa Senhora do Milagre.

    A figura é muito semelhante à de Nossa Senhora das Graças, um pouco alterada.

    Maria Santíssima está vestida como se trajavam as senhoras no tempo de sua existência terrena: uma túnica grande e uma capa. Esta é azul-celeste, a cor de Nossa Senhora; a túnica é de um discreto rosado, enquanto que nas imagens de Nossa Senhora das Graças costuma ser branca. Ela está com a fronte encimada por uma coroa, o que as imagens de Nossa Senhora das Graças geralmente não têm. Um círculo de doze estrelas serve a Ela de resplendor. É uma alusão à aparição de Nossa Senhora no Apocalipse. Como se pode notar, Ela não está esmagando a cabeça da serpente. Das suas mãos partem raios em abundância, que significam as graças por Ela concedidas.

    Misto de grandeza e misericórdia

    Sua fisionomia é discretamente sorridente. Maria Santíssima não está propriamente sorrindo, mas olhando para a pessoa que está ajoelhada diante d’Ela, de um modo muito afável, acolhedor, com uma enorme vontade de atender o pedido, de ajudar. Mas, ao mesmo tempo — e as coisas se completam bem —, Ela é muito régia, não só por causa da coroa, mas ainda que se Lhe tirassem a coroa. Notem o porte d’Ela. Tem-se a impressão de que é uma pessoa alta, esguia, muito bem proporcionada, e qualquer coisa de imponderável da consciência de sua própria dignidade aí transparece. Quer dizer, percebe-se que é uma Rainha, muito menos pela coroa do que pelo seu todo; enfim, pelo misto de grandeza e de misericórdia que d’Ela emanam.

    Efeito apaziguador

    Parece-me que o elemento mais tocante dessa imagem é algo de inexprimível, que, à primeira vista, não encontra sua explicação em nenhum elemento concreto do quadro. Não só por causa do sorriso, mas é um todo que vou tentar depois explicar; essa imagem trás consigo qualquer coisa de apaziguador. Quem olha para essa estampa tende a ficar apaziguado, serenado, tranquilizado, como quem tem as suas más paixões em agitação acalmadas, suas angústias favorecidas por uma distensão, por certa calma, como se ouvisse: “Meu filho, Eu dou jeito em tudo, Eu arranjo tudo, não se impressione, haverá um modo. Eu estou aqui ouvindo-o; você precisa de tudo, mas Eu posso tudo, e o meu desejo é de lhe dar tudo. Portanto, não tenha dúvida, espere mais um pouco. Mas super abundantemente você terá o que Eu quero”.

    Acima de tudo, a imagem — a meu ver, este é seu elemento mais apaziguador e encantador — tem qualquer coisa indicando que Nossa Senhora Se oferece à pessoa que está diante d’Ela, dizendo-lhe: “Meu filho, Eu sou toda sua, você pode pedir o que quiser. Eu para você não tenho reservas, recuos, recusas e nem recriminações pelos seus pecados. Eu o estou olhando num estado de alma, numa disposição de ânimo, por onde você de Mim consegue tudo o que você pedir e muito mais ainda”.

    A estampa deixa isso tudo em certo mistério; mas um mistério suave, diáfano, mais ou menos como o de um dia com céu muito azul em que se pergunta o que haverá para além do azul; não é um mistério carregado, de um dia nublado, onde se indaga o que existirá por detrás das nuvens. Maria Santíssima como que diz o seguinte: “Se você conhecesse o dom de Deus, se soubesse quanta coisa Eu tenho para lhe dar, e que maravilhas há em Mim… Eu transbordo do desejo de lhas conceder. Como você compreenderia bem o que Eu sou se quisesse abrir os olhos para essas maravilhas!”

    Esse apaziguamento que Ela comunica é uma espécie de primeiro passo para a pessoa que queira se deixar maravilhar. Recebendo esta misteriosa ação da graça, ela começa a admirar e perguntar o que a imagem está exprimindo.

    Felicidade da pureza e da despretensão

    Ela exprime uma excelsa impressão de pureza que quase ofusca, mas não de um ofuscamento que machuca. É tanta pureza que, no início, nem nos lembramos bem de pensar nesta virtude; de tal maneira é pura que, por assim dizer, transcende a pureza.

    Contemplando essa estampa, a pessoa não só admira essa pureza, mas ela lhe comunica algo do prazer de ser pura. Muitos têm a ilusão de que a felicidade está na impureza; essa imagem faz com que se compreenda a inefável felicidade que a pureza dá, perto da qual toda felicidade da impureza é lixo, tormento, aflição. Nossa Senhora está inundada de felicidade, a qual é inseparável de sua pureza.

    Outra coisa é a humildade. Maria Santíssima está aqui como Rainha, mas em sua atitude Ela faz abstração de toda a sua superioridade sobre a pessoa que reza diante d’Ela. E trata-a como se fosse, não digo de igual a igual, mas uma pessoa que tem proporção com Ela; quando nenhum de nós, e nenhum santo, tem proporção com Ela. Nossa Senhora é completamente fora de proporção em relação a todo mundo; entretanto Ela se coloca assim tão acessível!

    Além disso, percebe-se que se Lhe aparecesse Nosso Senhor Jesus Cristo, Ela está toda feita para se ajoelhar e adorar. Nada existe n’Ela que contenha uma repulsa a reconhecer o que é mais alto. Pelo contrário, uma alegria: “Que maravilha! Apareceu quem é mais do que eu”. Compreende-se, então, o modo enlevadíssimo de Maria Santíssima olhar para Aquele que é Filho d’Ela e, ao mesmo tempo, infinitamente mais do que Ela.

    Debaixo desse ponto de vista, n’Ela há,  entre outros traços, uma comunicação do prazer da humildade, da despretensão.

    Vemos, então, de um lado, a felicidade inefável da despretensão. E de outro, a felicidade inefável da pureza.

    Maria Santíssima e a Contra-Revolução

    Diante de um mundo que o demônio vai arrastando para o mal, pelo prazer da impureza e do orgulho, Nossa Senhora nos comunica o gosto pela despretensão e pureza, como que dizendo suavissimamente, sem pito nem recriminação: “Meu filho você não se lembra dos tempos primitivos de sua inocência? Não se lembra de como você era antes de ter pecado? De como havia coisas boas em você? Olhe para Mim, abra sua alma, Eu restauro tudo isso. Venha! No caminho que conduz a Mim só existe perdão, bondade e atração. Venha logo!”

    Não é difícil estabelecer uma relação entre esses dois traços e a Contra-Revolução. Maria Santíssima está aqui apresentada, não no seu aspecto belicoso, esmagando a cabeça da serpente, mas no seu lado materno, enquanto Ela procura tirar, pelo sorriso, das garras da Revolução aqueles que esta vai vitimando. E dessa maneira fazendo uma altíssima obra de Contra-Revolução.

    Um espírito que se deixa influenciar por essa imagem fica sumamente propício à admiração, a admitir a hierarquia das coisas mais altas sobre ele; e a querer, pela sua própria dignidade, que todas as coisas abaixo dele também estejam em hierarquia. É uma coisa inteiramente evidente; entra pelos olhos.

    Debaixo desse ponto de vista, sem querer dizer que esta imagem seja a de Nossa Senhora da Contra-Revolução, porque seria forçar a nota, poderíamos afirmar, entretanto, que, para quem luta pela Contra-Revolução, o quadro é de uma altíssima expressão quanto a um dos aspectos da Mãe de Deus, na sua permanente Contra-Revolução, até chegar o fim do mundo. 

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/1/1976)

  • O Espírito Consolador

    Para a vinda do Reino de Maria não basta apenas o extermínio dos maus por meio de um castigo divino, mas se faz necessária uma efusão de graças do Espírito Santo que leve à conversão grande parte da humanidade. Até mesmo os contrarrevolucionários devem passar por uma transformação à maneira da taturana que se torna linda borboleta.

     

    A respeito do Divino Espírito Santo e da Festa de Pentecostes, gostaria de dizer alguma coisa no tocante a um dado de que temos falado: o Grand Retour(1).

    Necessidade de graças excepcionais de conversão para a constituição do Reino de Maria

    Se considerarmos que os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima vão determinar o extermínio de grande número de pessoas, em especial das que não são boas, e que depois, escapando os bons, com estes nasce uma humanidade nova, parece-me que do ponto de vista demográfico ficamos na estaca zero. Porque, quantos são os autênticos contrarrevolucionários nos dias de hoje? E como garantir a perpetuação do gênero humano a partir de um punhado de bons que reste? É evidente que não basta apenas o extermínio, mas esses castigos têm que ser acompanhados de uma grande conversão.

    Sabemos ter sido o dilúvio, além de um castigo, uma ocasião de conversão para muita gente que, diante da iminência da morte, converteu-se e salvou-se. Podemos, pois, imaginar que as tragédias que castigarão a humanidade, caso ela não se emende, também constituam uma oportunidade para muitos se converterem.

    Mas como considerar essa graça para tanta gente, inclusive para contrarrevolucionários tão deficientes e cheios de lacunas, quando levamos em conta que se trata de constituir a época mais brilhante da História da Igreja, que é o Reino de Maria? Como resolver esse problema?

    Só podemos imaginar isso da seguinte maneira: em determinado momento, de um modo inesperado, Nossa Senhora produz sobre um grande número de pessoas uma ação sobrenatural de graças conseguidas por Ela que atuem sobre as almas para que se convertam, modifiquem-se completamente e se transformem em contrarrevolucionárias.

    A algo disso posso dizer que, timidamente, assisti nos dias de minha vida. Porque quando comparo o que é hoje a minha Obra com as possibilidades existentes para a constituição de um movimento católico como este, quando começamos, e o que era o Brasil antes mesmo de começar o movimento católico, noto transformações enormes que não poderiam se dar sem graças muito especiais, evidentemente distribuídas pelo Espírito Santo às almas e obtidas por sua Santíssima Esposa.

    Quando nos lembramos da “geladeira” religiosa que era o Brasil no tempo, por exemplo, de Washington Luiz e comparamos com este miserável Brasil do Jango e o indeciso Brasil do Castelo Branco, vemos que, apesar de mil esboroamentos, mil recuos, houve um trabalho evidente da graça que, no seu gênero, é absolutamente maravilhoso, excepcional, que não está no método comum da Providência operar.

    Em qualquer estágio da vida espiritual, pedir uma transformação completa

    Evidentemente, precisaremos de operações excepcionalíssimas da graça. São essas que devemos pedir: graças muito especiais do Espírito Santo. E é muito conveniente que façamos este pedido ao Divino Espírito Santo, por ocasião da Festa de Pentecostes.

    Suponhamos alguém que, em sua vida espiritual, vai se conduzindo de um modo perfeitamente satisfatório; outro, de um modo medíocre; outro ainda, insatisfatoriamente. Como esse pedido de graças se põe para cada um?

    Para o primeiro, deve-se pedir a Nossa Senhora que lhe dê uma graça por onde o fervor dele seja tal que corresponda a uma verdadeira conversão, pela qual adquira um modo inteiramente novo de ver a vocação, uma renovação de todas as energias interiores, de maneira que a apetência de santidade, de sacrifício, o amor a tudo quanto é grande e sublime, e que verdadeiramente nos fala de Deus cresça enormemente, e ele seja, em relação ao que era antes, como a borboleta é para a crisálida. Tenho a impressão de que a imagem zoológica da transformação operada pela graça no homem é uma taturana que se arrasta pelo chão – ente vil, feio, metido dentro da poeira – e que, de repente, vai se transformando e dá numa borboleta linda. Eis a transformação espiritual do homem.

    Mais ainda devem pedir isso os medíocres, que sentem não estarem progredindo, e cuja vida de piedade se transforma em lero-lero, as Ave-Marias se automatizam, os pensamentos de piedade perdem o suco, conserva-se por tudo isso uma espécie de estima convencional, mas o fundo da alma não corre para lá.

    Entretanto, eu gostaria de falar especialmente para aqueles que tenham a infelicidade de não estarem indo espiritualmente bem. Há situações da vida espiritual que são tão difíceis que a pessoa quase perde a coragem: “Não consigo, não aguento. É muito direito, é muito bonito, mas está provado que perdi o fôlego, e daqui não vou para a frente…”

    Ora, a Festa de Pentecostes é uma admirável lembrança de que esse modo de raciocinar é falso. Por maiores que sejam as dificuldades, o Divino Espírito Santo pode, de um momento para outro, pela intercessão de Nossa Senhora, atender nossos pedidos e fulminar uma alma com uma graça, como São Paulo a caminho de Damasco. Uma intervenção assim, qualquer um pode e deve pedir.

    Nessas condições, portanto, eu sugeriria que todos nós nos aproximássemos da Festa de Pentecostes com muita confiança, inteiramente persuadidos de que, se pedirmos, a Santíssima Virgem nos atenderá, obtendo para nós uma graça especial do Espírito Santo. Não posso afirmar que tal dom vá cair sobre nós no dia de Pentecostes, quando os sinos estiverem anunciando o meio-dia. As coisas na vida espiritual não se dão assim tão cinematograficamente. Mas deve-se pedir para receber no momento adequado e oportuno.

    A verdadeira ação do Espírito Consolador

    A respeito da ação do Divino Espírito Santo em Pentecostes cabe ainda uma consideração. Devido à histórica torção do espírito religioso ao longo dos séculos, quando se fala da terceira Pessoa da Santíssima Trindade enquanto Espírito Consolador, insinua-se um pouco a ideia de uma viúva cheia de crepes, tendo perto de si três crianças, cada uma lambendo um biscoitinho, sentada ao pé de um salgueiro junto a um túmulo no cemitério da Consolação, e pensando: “Mas como o meu Pafúncio era bom! Tão amável, tão direitinho… Uma vez ele me traiu, é verdade, mas não vale a pena pensar nisso agora.” E depois de um tempo de chorinho bom e suave, ela se retira do cemitério consolada.

    Em uma de suas obras, o Proust(2) tem o personagem de uma tia viúva que morava num quarto todo lindinho do qual ela nunca saía. A cama dessa senhora ficava junto a uma janela que dava para a rua, para ela poder ver todos os acontecimentos que ali se passavam. A parede do quarto era listada de azulzinho claro e branco, imitando tecido, onde estava pendurado um retrato do falecido esposo. Entre as distrações da viúva durante o dia, estava a de olhar para o quadro e comentar com a criada: “Como era bom esse meu pobre marido…”

    Essa é a ideia comum que se tem de “consolação”. Portanto, o Espírito Consolador seria também aquele que nos faria ter uma unção gostosa às horas da Ave-Maria; uma coisa melada da qual a pessoa sai, neste sentido melífluo da palavra, consolada.

    Porém, o Espírito Consolador não é este, mas sim o correspondente à etimologia latina da palavra “consolatio”, isto é, aquele que dá força. Ele é propriamente o Espírito de força, de ânimo diante da dor, do sofrimento e da luta. É o Espírito Santo que nos dá força para batalharmos pela virtude, para conseguirmos a santificação, combatermos pela Causa de Deus. É, pois, o Espírito animador, que dá ânimo para a pessoa lutar. E não, ao contrário, aquele que põe um gostosinho agradável da consolação nesse outro sentido da palavra.

    Sem dúvida, está também entre os efeitos do Espírito Santo certa forma de resignação doce, suave em meio ao grande sofrimento. Mas este é um efeito entre muitos outros produzidos pelo Espírito Santo, e que não tem nada a ver com o sentimentalismo melancólico, à Chopin(3), e outras coisas do gênero. É algo da resignação cristã, por exemplo, em Nossa Senhora, depois de Nosso Senhor ter subido ao Céu, passando Ela ainda muito tempo na Terra, para o bem da Igreja nascente, e com saudades d’Ele. Portanto, não tem nada de comum com a fraqueza sentimental da qual falávamos há pouco.

    Não conheço nada melhor do que os “gisants” da Idade Média para nos dar a ideia sensível desse espírito de ânimo, de energia, fruto do Espírito Santo, que nos leva a enfrentar a vida em todas as suas circunstâncias. Aqueles guerreiros deitados, em atitude de prece, armados para a vida e enfrentando placidamente a morte, tendo transposto com serenidade os umbrais da eternidade, com Fé em Deus e na Igreja Católica, prontos para comparecer perante o julgamento divino, confiantes em sua justiça e em sua misericórdia, representam bem, a meu ver, essa forma de firmeza que o Espírito Santo dá. Uma firmeza cheia de serenidade, que não é hirta, calvinista. Essa atitude de alma é uma das manifestações dessa ação do Espírito Santo.

    Ânimo firme e paciência: graças a serem obtidas do Espírito Santo

    Parece-me que se deveria tomar isso em consideração ao se tratar do problema da dor, a posição do católico diante do sofrimento, a admiração, a aceitação e a compreensão da dor como uma espécie de valor supereminente que ordena e esclarece toda a vida neste vale de lágrimas. Tudo isso só pode ser bem compreendido a partir desse ânimo sobrenatural que o Espírito Santo dá aos fiéis para toda espécie de luta e sacrifício, inclusive para a aquisição, conservação e progresso da virtude.

    Assim como a palavra “consolação”, também a noção de paciência está deturpada em nossos dias, sendo considerada como uma coisa mole, boba, sem sentido. Mas o que é a paciência? Este termo vem do vocábulo “passio”, que significa sofrer. Logo, paciência é a capacidade de sofrer, uma de cujas manifestações está em suportar as injúrias, quando é o caso de suportá-las.

    Mas essa não é uma atitude tola. A paciência é um elemento indispensável e integrante da coragem. É por ter capacidade de sofrer que o homem é corajoso. Mas que sentido teria, numa reportagem, dizer: “A artilharia avançou com admirável paciência sobre o adversário”? Ninguém entenderia. Entretanto, tem um sentido: com uma admirável disposição de sofrer, de dar e receber pauladas. É, portanto, um elemento integrante da coragem.

    Vamos pedir a Nossa Senhora que nos obtenha do Espírito Santo as graças para termos essa consolação, esse ânimo firme diante da dor, do sofrimento, de maneira tal que caminhemos com resolução, sobretudo na vida de santificação e na luta contra o adversário.        v

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/6/1966)

    Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)

     

    1) Do francês: Grande retorno. No início da década de 1940, houve na França extraordinário incremento do espírito religioso, quando das peregrinações de quatro imagens de Nossa Senhora de Boulogne. Tal movimento espiritual foi denominado de “grand retour”, para indicar o imenso retorno daquele país a seu antigo e autêntico fervor, então esmaecido. Ao tomar conhecimento desses fatos, Dr. Plinio começou a empregar a expressão “grand retour” no sentido não só de “grande retorno”, mas de uma torrente avassaladora de graças que, através da Virgem Santíssima, Deus concederá ao mundo para a implantação do Reino de Maria.

    2) Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust (*1871 – †1922). Escritor francês.

    3) Frédéric François Chopin (*1810 – †1849). Compositor e pianista polonês-francês da era romântica.

  • A recusa ao chamado divino e a necessidade da reparação

    Se Luís XIV tivesse sido fiel à Mensagem do Sagrado Coração de Jesus, a França inteira se converteria. Mas o rei não a levou a sério. Nosso Senhor esperava que as diversas classes sociais fossem deixando filtrar, de umas para as outras, a Mensagem, e todos os corações batessem em uníssono com a de um rei fiel ao Coração de Jesus. O supremo esforço desse apelo divino foi despertar um movimento de reparação: a Contra-Revolução

     

    A atitude do Sagrado Coração de Jesus com Luís XIV foi de misericórdia, mas ao mesmo tempo de inteiro respeito – o Coração de Jesus podia chamar-Se “Coração infinitamente respeitoso de Jesus” – em relação à organização político-social vigente.

    Era bem claro que Ele queria considerar o rei de maneira tal, que não fez nenhuma alusão direta à má vida, nem aos pecados pessoais do monarca, mas chamou de “filho dileto do meu Coração” um pecador que O tinha insultado publicamente de diversas maneiras. Basta mencionar a destruição do Calvário edificado por São Luís Maria Grignion de Montfort, mas há muitas outras coisas a mencionar para se compreender bem quanto Luís XIV errou, ao lado de algumas coisas magnificamente acertadas que ele fez como, por exemplo, a revogação do Edito de Nantes.

    Consequências da infidelidade na correspondência ao chamado divino

    Acaba sendo, portanto, que o Sagrado Coração de Jesus tratou Luís XIV com muito afeto, porque quis fazer dele a primeira concha de repercussão de seu apoio, pois o recado d’Ele a Santa Margarida Maria Alacoque, que se dirige ao mundo inteiro, deveria ser comunicado antes de tudo ao rei. E, pela repercussão que encontrasse nele, ter uma dilatação por todo o bem-amado Reino da França, filha primogênita da Igreja.

    Na sua comunicação, fica bem claro que Nosso Senhor esperava que as diversas classes sociais fossem deixando filtrar, de umas para as outras, a Mensagem, e que, afinal de contas, esta se espraiasse pelo reino inteiro, com a aceitação da missão das classes mais altas de baterem os corações em uníssono com a de um rei fiel ao Coração de Jesus.

    Isto me parece muito importante inclusive do ponto de vista contrarrevolucionário, pois se Luís XIV tivesse feito assim e a França inteira se convertido ao som da voz do monarca amado pelo Sagrado Coração, creio que a Revolução Francesa teria ficado impensável. Notem bem: não é dizer que ela se tornaria impossível, mas ficaria impensável. Porque com o prestígio que tinha a realeza naquele tempo, mas também o prestígio individual colossal que Luís XIV, o Rei Sol, possuía na Europa inteira, tudo isso junto faria com que o modo de se embeber essa devoção na nobreza e depois no povo seria de um efeito extraordinário.

    Por conseguinte, se a torneira da Revolução não tivesse sido aberta sobre a França, não teria podido alcançar o mundo inteiro como alcançou. O prestígio da França concorreu enormemente para que a Revolução se tornasse universal. Então, fica um homem colocado na posição por onde depende dele tudo, dar-se ou voltar atrás. No que diz respeito à atitude reparadora de nossa espiritualidade, do Sagrado Coração de Jesus como devoção inspiradora de pensamentos e atitudes contrarrevolucionárias, isto vem muito a propósito.

    Estado de espírito difundido pelo mal

    Por que o Sagrado Coração de Jesus estava de tal maneira pisado? Ademais, em um período a respeito do qual São Luís Grignion chegou a afirmar que a impiedade estava inundando a Terra inteira. Como se explica que analisemos a situação do mundo no “Ancien Régime” quase com uma nostalgia daquilo que nós não conhecemos, e esta mesma situação até anteriormente ao fim do “Ancien Régime” – portanto, quando ela estava menos grave do que se tornou nas vésperas a Revolução Francesa – foi, entretanto, qualificada por São Luís Maria Grignion e tantos outros santos, e a “fortiori” pelo Sagrado Coração de Jesus, de uma situação gravíssima?

    Houve a difusão de um estado de espírito pelo qual, quando alguém denuncia o avanço do demônio, uma ou outra voz, em surdina, diz palavras de adiamento, de dúvida, de “laissez faire, laissez passer”(1). Entrevê-se que Luís XIV e as pessoas de seu tempo que receberam a Mensagem do Sagrado Coração de Jesus participavam de um estado de espírito que lhes sugeria ideias mais ou menos assim: “Temos o Rei Sol e todo o princípio monárquico que brilha com o seu resplendor máximo; neste momento falar da possibilidade de uma Revolução que vai chegar à decapitação dos reis, a um virtual destronamento das dinastias, é um absurdo. Nosso Senhor disse isso à Sóror Margarida Maria, mas na superior sabedoria d’Ele, da qual eu sou partícipe – porque a vaidade não pode deixar de entrar nessas ocasiões –, percebo pelo meu “feeling” e pela sensação normal das coisas que isso vai demorar.”

    Donde a ideia de que essa Mensagem não poderia ser tomada tão a sério, e deveria ser sensatamente relativizada. Assim, todos os apelos feitos por meio de São Luís Grignion e outras pessoas deveriam parecer radicalismos e fanatismos.

    Mensagens totalmente viáveis de serem cridas

    Isso constituiu um pecado enorme, pois esta Mensagem foi dada em condições de, logicamente, ser crida por todo o mundo. Deus não pediu a ninguém uma adesão irracional, mas sim um “rationabile obsequium”; havia todas as razões para acreditar na autenticidade desta Mensagem como, por exemplo, na de Fátima também.

    Estive lendo, há algum tempo, um relato sobre coisas de Fátima e encontrei o seguinte: o médico de Jacinta era um dos melhores de Lisboa. E no dia do enterro da vidente havia uma reunião de um centro médico católico de muita importância na vida cultural de Lisboa. O Cardeal Arcebispo Patriarca de Lisboa presidia a reunião, quando chegou atrasado esse grande médico cuja ausência todos estavam notando. Ele pediu desculpas ao cardeal pelo atraso e disse que fora a Fátima acompanhar o sepultamento de Jacinta. Apesar da respeitabilidade desse médico, a sala estourou em gargalhadas por causa da credulidade dele. Inclusive o cardeal ria a bandeiras despregadas.

    Quer dizer, a Mensagem de Fátima, dada por meio de três pastorzinhos, tinha todas as condições para ser crida. Pois bem, a atitude do público lisboeta diante do enterro de Jacinta é quase uma negação galhofeira.

    Vê-se que essa posição foi tomada por certas correntes em face da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Provavelmente houve risadas assim em círculos precursores do “voltaireanismo”, do iluminismo, etc.

    Um espírito tépido, ideal para abafar qualquer fervor

    Outras correntes foram mais moderadas. Quiçá tenha havido uma corrente comodista que não se ocupou muito com a coisa, pensando: “Essa mensagem talvez seja verdadeira. Mas que importância tem isso em comparação com saber se Madame de Montespan e os filhos dela vão ser reconhecidos por Luís XIV ou não; ou se o rei vai fazer suas caçadas em Fontainebleau este ano? Isto sim é o importante: a vida da corte e dos círculos sociais que se seguem em hierarquia. O resto, se o Sagrado Coração de Jesus disse… Talvez tenha dito mesmo, mas não vale a pena estudar isso. Basta que eu tenha alguma devoção tradicional, boa, segura e que, sobretudo, não seja principalmente católico, mas sim um cortesão ou uma cortesã, está acabado”.

    Uma grossa parte de gente, que constituía o peso geral da opinião pública, tomava diante do fato essa atitude. Depois, algumas almas piedosas que tiveram conhecimento da Mensagem seguiram a coisa com atenção, e prolongaram uns filõezinhos que vararam de alto a baixo toda essa imensa crosta de classes sociais até chegar ao povinho. Então, há salpicos de devoção ao Sagrado Coração de Jesus em várias correntes da opinião pública.

    Essa marcha geral conjunta da opinião francesa diante desse fato mostra o espírito da Revolução Iluminista – ele próprio filho da Revolução anterior, portanto, da Renascença, do Humanismo, do Protestantismo –, que foi com o tempo radicalizando-se. A bem dizer, o iluminismo já estava nascendo e ensopando de indiferença, de dúvida, essa devoção, não querendo aceitá-la porque ela pediria fervor, e essa grande massa não queria fervor, porque o fervor contrarrevolucionário é uma atitude diametralmente oposta à Revolução. Aliás, o próprio fervor revolucionário essa crosta grossa aprecia, mas não muito. É preciso viver tepidamente.

    “Oxalá fosses frio ou quente. Mas porque és morno, nem frio nem quente, estou para vomitar-te de minha boca”, diz Nosso Senhor (Ap 3, 15-16). O pessoal vomitado pelos lábios divinos de Nosso Senhor é essa enorme crosta. Portanto, o grande esforço não era estar em dissonância com o rei, com esse ou com aquele, mas dissonar dessa enorme massa.

    A alma da Contra-Revolução é o espírito reparador

    Vemos, assim, a importância de uma concepção da História para compreender bem a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e para adotar diante dela a atitude devida em face dos tempos atuais. Não é capaz de tomar bem uma posição de compreensão da devoção ao Sagrado Coração de Jesus quem não leve em consideração a noção de que essa foi uma imensa providência tomada por Deus para sacudir a Revolução e acabar com a tepidez. Terminada esta, o resto desapareceria.

    Essa tepidez era produto de uma evolução histórica. Se um homem do tempo do Rei Sol não quisesse compreender tudo quanto ele perdeu na trajetória da Idade Média para Luís XIV, e que foi uma Revolução que lhe roubou tudo isso, não tinha solução.

    A Mensagem do Sagrado Coração dá a entender que diante da situação de derrocada, a qual, em profundidade, acentuava-se já naquele tempo, o específico era a promoção dessa devoção enquanto reparadora. Esses fatos despertam a cólera divina. Mas Deus não quer punir o mundo. Então Ele indica o caminho especial para evitar que essa punição se dê. Não é um caminho entre outros, é o caminho específico.

    Logo, o supremo esforço do seu amor é despertar um movimento de reparação que seja a Contra-Revolução, porque se tudo isso é a Revolução; por excelência e mais do que tudo, a Contra-Revolução é o que Ele está indicando. A própria alma da Contra-Revolução é o espírito reparador.

    O que isso significa? Deus está ofendido pela Cristandade em geral. Ele considera a Cristandade como um bloco pecador. Tão gravemente pecador que o último esforço do amor d’Ele é aquele, como quem diz: “Prestai atenção, mas se esse esforço que Eu estou deitando não for seguido como deve, virá algo que é a liquidação da ordem em que estais”. Indica também, com a visão histórica retrospectiva inerente a essa devoção, que já foram feitos nessa direção muitos esforços não correspondidos pelos homens. E que então Deus apresenta um esforço que é ao mesmo tempo último e supremo, tão expressivo de amor, tão capaz de tocar as almas, que não se pode cogitar mais do que isso.

    Assim, Ele convida a que, ao menos algumas almas de valor, se entreguem completamente a esse esforço reparador e sofram tanto que aplaquem a Deus, deixando-se crucificar como Nosso Senhor Se deixou.

    Dona Lucília, sobre quem o Sagrado Coração de Jesus deitou diversas cruzes

    Deste modo, as palavras do Sagrado Coração de Jesus se transformam numa mensagem para almas de elite que, sendo em número suficiente e, sobretudo, com um amor intenso, suportam todo o peso desses pecados. Se o resgate pago não estiver na proporção dos pecados cometidos, a avalanche se desencadeia.

    Tenho a impressão de que se passou com esse lance de Nosso Senhor o mesmo que se deu com lances anteriores, ou seja, o número de almas que corresponderam foi real, com muito mérito e de um modo muito precioso, mas não foi suficiente. Muitos procuraram corresponder, mas de um modo mole. Várias organizações buscavam atender ao apelo do Sagrado Coração de Jesus, mas com falta de profundidade, de conceitos, etc.

    Por esta forma conseguiam que, já dentro do mar solto, alguns barquinhos continuassem a navegar, mas vítimas das ondas que os arrastariam para onde quisessem. Embora continuassem a ter sucessores nessa reparação, provavelmente em número e amor cada vez menores, até chegar a um ponto no qual o número fosse tão pequeno que a avalanche ficaria solta.

    Ora, dentro do horror desse mar tempestuoso, minha Obra seria um barquinho, preciosa resultante desses atos de reparação. Não se pode negar que no nascimento e na formação de minha Obra o Sagrado Coração de Jesus teve um papel muito grande, antes de tudo porque houve uma senhora sobre quem Nosso Senhor deitou cruzes desde meninota, e que sofreu desde pequena com uma resignação extraordinária e com os olhos voltados para o Sagrado Coração de Jesus. Esta senhora teve um filho que, por sua vez, fundou esta Obra.

    Tendo nascido de Dona Lucília, posso dizer que nasci desse movimento descrito acima. Não propriamente nesse movimento, pois essa devoção já estava tão rarefeita na massa geral dos fiéis, que grande parte do que estou dizendo foi recomposto por mim pelo fato de eu ser contrarrevolucionário, e ter uma visão da História a qual me levou à conclusão de que a reparação é o único jeito.

    Abominação num lugar sagrado

    Quando tomei conhecimento das revelações de Paray-le-Monial eu teria uns dezessete anos mais ou menos. Para mim aquilo foi claríssimo. Portanto, tudo quanto estou dizendo agora é fruto de muita reflexão, ao longo de anos. Eu não disse antes porque a devoção ao Sagrado Coração de Jesus estava tão aguada, que se eu quisesse levá-la a todos esses extremos, receberia a objeção da imensa crosta dos tépidos que diriam: “Essas são considerações que se fossem verdadeiras estariam nos lábios de todos os bons padres que conhecemos…”

    Como eles tratam essa devoção? Não é à maneira de lábaro, pois este supõe um exército em ordem de batalha. Quando chegou o momento de movimentos piedosos serem quase liquidados sob o pretexto de constituírem piedade privada e não litúrgica, essa devoção já não apresentava mais este caráter bélico. Antes de o demônio fazer o que se permite agora, essa devoção foi enxugada da face da Terra.

    Deparei-me com um dos indícios mais marcantes desse destroçamento quando estive na França, na década de 1950, e fui visitar Paray-le-Monial. Saindo da igreja, minha vista bateu normalmente em uma livrariazinha católica que ficava em frente. Pensei em comprar para minha mãe uma lembrança que mostrasse com quanto afeto lembrei-me dela nesse lugar tão ligado a ela. Então, dirigi-me a uma vitrine onde vi cartõezinhos preparados com o bom gosto francês em todos os sentidos, de boa qualidade. Aproximei-me para ver o que havia nos cartõezinhos, certo de trazerem fragmentos da Mensagem do Sagrado Coração de Jesus. Pensei: “Eu posso comprar para mamãe essa coleção de cartõezinhos; ela vai gostar.”

    Quando eu me inclino para ler, vejo se tratarem de trechos de Voltaire, Rousseau, d’Alembert, sem dizer uma palavra sobre o Sagrado Coração. Expostos numa livraria oficialmente católica, em frente à porta por onde saíam os que tinham ido venerar o lugar onde Nosso Senhor aparecera a Santa Margarida Maria Alacoque! Era a abominação no lugar sagrado, evidentemente.

    Diante do sofrimento devemos ter o espírito reparador

    Tomando tudo isso em consideração, vemos que se tivéssemos compreendido a necessidade da reparação e oferecido nossos sofrimentos com essa intenção reparadora o tempo inteiro, é fora de dúvida que teríamos obtido melhores resultados na luta contra a Revolução.

    Pelo favor de Nosso Senhor Jesus Cristo e pela mediação onipotente de Nossa Senhora, conseguimos constituir a Contra-Revolução. Mas não somos ainda a Contra-Revolução marcada a fogo pela sua característica essencial: a reparação. Isto é o que falta!

    Porque entre nós há os que fazem parte da legião dos acomodados, dos tépidos. E essa tepidez nos afasta do desejo da reparação, da cruz e de qualquer forma de sofrimento.

    Ora, é preciso termos esse espírito reparador diante do sofrimento. Como se pode pretender vencer uma luta contra um tal inimigo sem aplacar primeiro a Deus? Como se Deus fosse um parceiro de segunda classe, cujo apoio na luta nós desejamos, é bom, vale a pena ter, nada mais. Mas o importante e decisivo fossem as regras de atuação na opinião pública. O que é isso em comparação com o que as circunstâncias exigem?

    Antes de tudo, desarmemos a cólera de Deus por meio das orações de Nossa Senhora, tomando-A como a grande reparadora, associando à devoção ao Sagrado Coração de Jesus a devoção ao Imaculado e Sapiencial Coração de Maria.

    Que essas palavras nos deem, pelo menos, um acento de especial desejo de que, por meio do Imaculado Coração de Maria, obtenhamos o perdão pela nossa afronta ao Sagrado Coração de Jesus.  v

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/1/1995)

    Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)

     

    1) Do francês: deixai fazer, deixai passar.

     

  • Adoração da personalidade de Nosso Senhor

    Quando prestamos culto ao Coração de Jesus, adoramos a personalidade divina e insondavelmente perfeita de Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual abarca todas as personalidades e todas as qualidades dos Anjos e homens, desde o começo da Criação até o fim dos tempos.

     

    A solenidade do Sagrado Coração de Jesus é tão grande que não podemos deixar de fazer um comentário. Devemos considerar a relação dessa solenidade com as de Cristo Rei, do Imaculado Coração de Maria e da Realeza de Nossa Senhora.

    Mentalidade de Nosso Senhor

    A do Sagrado Coração de Jesus tem por objeto imediato cultuar o Coração físico de Nosso Senhor Jesus Cristo. Porém, cultuá-Lo em Si e enquanto símbolo da Alma Santíssima do Salvador, e que vem a ser aquilo que se poderia chamar a mentalidade ou, se quiserem, a psicologia de Nosso Senhor, com aquela composição de feitio de inteligência e de vontade que as noções de mentalidade e de psicologia retêm em si.

    Quer dizer, é uma solenidade na qual nós celebramos, por assim dizer, a personalidade divina e insondavelmente perfeita, única de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, ao mesmo tempo, abarcando todas as personalidades, quer dizer, contendo em grau supereminente, enquanto Homem e Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, todas as qualidades de todos os Anjos e de todos os homens, desde o começo da Criação até o fim dos tempos. Isso é propriamente o que nós adoramos, quando prestamos culto ao Coração de carne de Jesus, Nosso Senhor.

    Por uma simbologia de outra natureza, as pessoas acabaram se habituando a considerar no coração apenas o símbolo do amor, mas tomando a palavra “amor” com uma corrupção do século XIX, na acepção sentimental da palavra, significando apenas ternura, enquanto sentimento de alma.

    É claro que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha uma ternura supereminente enquanto Homem, e infinita enquanto Deus. Mas não é só a sua ternura – e poder-se-ia dizer que não é principalmente a sua ternura – que nós adoramos na solenidade do Sagrado Coração de Jesus, embora essa ternura seja digna de toda adoração possível. A personalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo não se esgota em ternura; tem muitos outros adornos, predicados além da ternura.

    Não é principalmente a ternura. Embora esta – com equilíbrio, com critério, conforme era em Nosso Senhor Jesus Cristo – seja uma grande perfeição de alma, entretanto ela não é a maior das perfeições que uma alma possui. Em Deus todas as perfeições são infinitas, mas na hierarquia de valores num homem a ternura não é, evidentemente, o principal valor.

    Desejo de reconquistar por misericórdia uma humanidade revoltada

    Entretanto, não deixa de ser verdade que a devoção ao Sagrado Coração de Jesus contém uma nota legitimamente acentuada no que diz respeito à misericórdia d’Ele, isto é, a bondade, a capacidade de perdoar, de passar por cima dos pecados, de amar, de dar sempre novas graças. E pode-se dizer que há qualquer coisa de legítimo no fato de que a piedade no século XIX, romântica por alguns lados, focalizou principalmente a ternura do Sagrado Coração de Jesus. O mal foi que, às vezes, tenha focalizado só a ternura.

    Em fins do século XVIII e ao longo do XIX, vemos começar a se dar a grande expansão da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a qual foi quase clandestina antes da Revolução Francesa. São João Eudes a pregou, Santa Margarida Maria Alacoque também, mas era uma devoção de tal maneira considerada audaciosa, e quadrando pouco com o ambiente da época, que um filho de Luís XV, tendo querido erigir um altar na capela de Versailles, não teve coragem de erigir lá, e mandou colocar uma imagem do Sagrado Coração de Jesus do lado de trás do altar, onde, aliás, ela ainda existe. Vejam o misto de ortodoxia e clandestinidade que havia nesta devoção.

    Portanto, o grande desenvolvimento desta devoção ocorreu no século XIX. E nós podemos dizer que, apesar de todo o caminho tortuoso, foi também no século XIX que começou a reconquista do mundo da parte de Nosso Senhor. E nesse século houve enorme progresso da Igreja Católica, grande surto de dogmas marianos, a expansão da devoção ao Papa, a definição do dogma da infalibilidade papal, a devoção ao Santíssimo Sacramento, o movimento ultramontano, “pari passu” com o desenvolvimento da devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

    Qual é a relação entre tudo isso?

    O Sagrado Coração de Jesus, sendo visto de um ângulo de misericórdia, de bondade e de perdão, não castiga os homens na medida em que merecem, mas procura lhes fazer um bem ao qual eles não têm direito. Vem daí, então, o desejo de reconquistar por misericórdia uma humanidade revoltada e de prodigalizar graças, uma em cima da outra, para, apesar de serem mal acolhidas, operar essa reconquista dos homens.

    Depois dos castigos preditos em Fátima, virá o Reino de Maria

    Após o reinado de São Pio X, o curso da História da Igreja muda. Nós temos ainda uma expansão grande de piedade com o florescimento da devoção a Santa Teresinha do Menino Jesus, que se deu no reinado de Pio XI, quando as primeiras neves do progressismo e do modernismo começavam a cair sobre o mundo, depois da grande repreensão de São Pio X.

    Mas essa foi uma flor que desabrochou na boca do inverno. De lá para cá, nós não notamos na Igreja nenhum grande movimento de piedade, nenhum desses surtos enormes que levam milhões e milhões de almas a se entusiasmarem, a se afervorarem, como foi no movimento ultramontano do século XIX.

    Vimos no Brasil, de um modo efêmero, o esplendor das Congregações Marianas, que se deu ainda no tempo de Pio XI, em que nosso país, por atraso, vivia ainda o pontificado de São Pio X. Tivemos, mais ou menos, uma década de desenvolvimento do movimento mariano, de 1928 a 1938. Depois disso, sucumbiu também.

    Embora a devoção ao Sagrado Coração tivesse perdido muito, a devoção ao Imaculado Coração de Maria ter-se difundido bem menos, essas carências de expansão na Igreja não são sempre frutos de infidelidades; são muitas vezes tesouros que a Igreja como que guarda para dias piores.

    Então se compreende que, rejeitado o Sagrado Coração de Jesus, venha o Reino do Imaculado Coração de Maria. É a Mãe do Perdão que veio onde Ele foi recusado, para perdoar ainda mais, ir aonde só a mãe pode chegar e o pai não vai.

    Não estou afirmando que Nossa Senhora é mais misericordiosa do que seu Divino Filho; quero dizer que Ela é a fina ponta da misericórdia d’Ele. Nosso Senhor manda sua Mãe aonde Ele, como que, não poderia ir. Ele encontra este “artifício” de mandar a sua Santíssima Mãe até lá.

    Então, Maria Santíssima recomeça a reconquista do mundo. Fátima, um movimento muito mais difuso do que o do Sagrado Coração de Jesus, é alguma coisa na qual se preconizou o Imaculado Coração de Maria. E nós vemos uma espécie de luta da Providência desafiando os homens, dizendo: “Vocês são tão ruins, mas serei de uma tal bondade que vou vencer toda a ruindade de vocês. Eu acabarei triunfando”.

    Isso indica uma vontade deliberada de reinar, de acabar vencendo que, aliás, é muito expressa na mensagem de Fátima: “Por fim o Meu Imaculado Coração triunfará”.

    Então, nossa atenção se concentra nessa imagem final: o Sagrado Coração de Jesus, fonte infinita de graças que escoa através do Imaculado Coração de Maria, canal de todas as graças, e inunda a humanidade para reconquistá-la. Uma reconquista na qual é preciso estar perdoando sempre, concedendo sempre mais graças, mas em que, num determinado momento, cairão também os castigos preditos em Fátima, após os quais virá o Reino de Maria.  

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/6/1970)