Categoria: Santos do dia

  • Vingou a honra da Santa Igreja

    São Leão II aprovou as atas do Terceiro Concílio de Constantinopla para condenar a falta daquele que, no dizer deste Papa Santo, “tentou destruir a imaculada Fé com uma profana traição”.

    Este Santo Pontífice teve a dificuldade tremenda de viver no tempo em que de um antecessor seu, Honório I, se podia dizer isso, e em relação ao qual o Concílio tomou uma atitude de condenação.

    Com isso, São Leão II combateu a heresia, vingando assim a honra da Igreja. Porque a heresia não pode permanecer em nenhum lugar, mas sobretudo no interior da Igreja  Católica, que é por excelência a montanha sagrada da verdade e do bem, que repele de si aquele que dentro dela toma a defesa do erro e do mal.

    A Santa Igreja tem muita misericórdia e não expulsa de si quem reconhece que anda mal, bate no peito e pede perdão. Mas aquele que afirma que o bem é o mal e o mal é o  bem, e que luta, dentro da Igreja, para disseminar o mal, a este a Igreja expulsa horrorizada.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/7/1965)

  • Santa Maria Madalena – Contemplação unida à penitência

    Depois de arrepender-se, Santa Maria Madalena passou a representar claramente duas virtudes unidas: a contemplação e a penitência.

    Ela representou a contemplação, por distinção com sua irmã, no famoso episódio em que Nosso Senhor disse a Marta: “Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada” (Lc 10, 42). Então, ela passou a representar a pura contemplação, não tanto unida à vida ativa, mas enquanto estado inteiramente contemplativo.

    Ao mesmo tempo, por seu arrependimento enorme e sua fidelidade ao pé da Cruz, e pelo fato de ter sido a primeira a ter notícia da Ressurreição de Nosso Senhor, ela não representou apenas a contemplação, mas a penitência na sua glória, no estado do maior perdão, da maior intimidade com o Divino Mestre. A tal ponto que, com o exemplo de sua vida e de outros Santos, alguns teólogos pretenderam afirmar que o estado de penitência – uma penitência séria, profunda – é ainda mais bonito que o de inocência.

    Plinio Corrêa de Olveira (Extraído de conferência de 22/7/1965)

    Revista Dr Plinio 256 (Julho de 2019)

  • São Pedro e São Paulo – Arautos de Nosso Senhor Jesus Cristo

    As figuras dos grandes Apóstolos Pedro e Paulo, como as retrata a iconografia católica, sugere a Dr. Plinio os comentários transcritos a seguir, pontuados de devoção e enlevo por esses baluartes da Igreja, os quais — juntos — confessaram com seu martírio a fé inabalável no Filho de Deus.

     

    Certa feita, mostraram-me a fotografia de uma iluminura que representava o enterro de Nossa Senhora. Em linguagem piedosa, dá-se o nome de “dormição” (dormitio em latim) ao passamento de Maria Santíssima, a fim de significar que sua provável morte foi como um doce e aprazível sono. Seja como for, a ilustração apresenta o sepultamento da Mãe de Deus, cujo caixão é conduzido pelos Apóstolos, de modo saliente por São Pedro e São Paulo. E sobre estes cabe um comentário.

    Vigor e venerabilidade próprios ao chefe da Igreja

    São Pedro aparece como um ancião venerável, resoluto, de barba branca, abundante, caudalosa, voltada para a frente, indicando vigor e mais hombridade do que se fosse direcionada para baixo. O pintor o imaginou calvo, com uma moldura de cabelos formando tufos copiosos nas laterais do rosto. Tudo nele indica vitalidade, não possuindo as características rugas da velhice. Sua face é quase corada, rósea. É o grande São Pedro que ainda deverá lutar tanto pela Igreja Católica. Assim, à robustez da juventude ele alia a venerabilidade da idade madura, cujo aspecto respeitável é bem expresso pelo artista, dando-lhe o tônus conveniente ao primeiro Papa, chefe da Igreja.

    Resolução e força de São Paulo

    São Paulo, por sua vez, parece ser bem mais moço que São Pedro. Forte, sua fisionomia transpira resolução: o que ele deseja fazer, executa. Percebe-se nele o homem que percorrerá as regiões em torno do Mediterrâneo, enfrentando imensos perigos. Por exemplo, certa vez, para fugir dos que o perseguiam, ele desceu de um sobrado por uma cesta amarrada a uma corda, e se afastou correndo a fim de não ser capturado e morto. Noutra circunstância, estando num navio, sobreveio uma tempestade que fustigou a embarcação e os tripulantes durante vários dias, até naufragarem perto de uma ilha à qual todos chegaram sãos e salvos.

    No martírio de São Pedro, a homenagem ao Papado

    Os dois Apóstolos são vistos inundados de glória, participando do triunfo da Santíssima Virgem e, sobretudo, empenhados em exaltá-La. Sabe-se que esses dois atletas, arautos de Nosso Senhor Jesus Cristo, padecerão juntos o martírio e morrerão no mesmo dia.

    Presos pelos romanos pagãos, sofreram diversos suplícios. São Pedro foi crucificado de cabeça para baixo, o que devia significar um doloroso processo de morte, pois o sangue, atraído pela lei da gravidade, aflui ao cérebro e não tarda em produzir derrame ou apoplexia. A crucifixão poderia ser feita por meio de cordas que amarravam o corpo à cruz, ou por cravos que pregavam no madeiro as mãos e os pés dos condenados, como sucedeu com Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Os que crucificavam o Príncipe dos Apóstolos não tinham ideia de quanto, procedendo daquele modo, prestavam homenagem ao Papado. Disse o Divino Mestre ao primeiro Papa: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18).

    Para São Paulo, a celeste coroa de justiça

    De outro lado, sendo cidadão romano, São Paulo pereceria pela espada. Prestes a ser decapitado, talvez tenha se lembrado de suas magníficas palavras, as quais me comprazo em recordar por muito admirá-las: “Bonum certamen certavi, cursum consummavi” (2Tm 4, 7) — “combati o bom combate, completei o circuito da carreira inteira que eu deveria percorrer”. Era uma alusão aos que disputavam corridas no circo romano. E acrescenta: “Guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa de justiça que o Senhor justo juiz, me dará” (2Tm 4, 7-8).

    Vale notar a extrema beleza do modo pelo qual a Providência guia as almas. São Paulo revela aqui a certeza de que ele não tem perdão a pedir, porque já está perdoado de tudo, tendo levado uma vida ilibada após a sua conversão. Nisto ele demonstra uma extraordinária segurança. Em linguagem contemporânea, dir-se-ia que São Paulo lança um “cheque” para o Céu: Resta-me agora receber a coroa da justiça. Senhor, Vós prometestes vossa glória a quem combatesse o bom combate e percorresse a carreira inteira que deveria percorrer. Eu o fiz. Agora, dai-me o vosso prêmio!”

    Difícil não apreciar este modo varonil de se exprimir, próprio de um homem de fé que crê em Nosso Senhor Jesus Cristo, na Santa Igreja, e por isso não tem dúvida alguma de que será recompensado.

    O carrasco cortou-lhe a cabeça e esta — segundo uma bonita lenda — ao cair no chão saltou três vezes. Em cada lugar do solo tocado pela venerável cabeça do Apóstolo teria nascido uma fonte. Donde o local em que houve este milagre ser chamado de “tre fontane”: as três fontes.

    Objetos de inimaginável perdão

    Frisamos o que há de imensamente belo no trato da Providência com os homens. Tal sobressai quando uma pessoa possui grande vocação e, apesar de suas infidelidades, a graça continua a lhe fazer insistências extraordinárias. Pode a alma se encontrar numa lamentável situação, mas o chamado de Deus conserva todo o frescor primitivo. Disso constitui a vida dos dois Apóstolos excelente exemplo.

    O olhar de Jesus para São Pedro, durante a Paixão, é característica manifestação desse misericordioso procedimento divino. O Redentor teve pena dele, fitou-o e São Pedro, então receoso e pusilânime, passou a ser outro.

    São Paulo, o Apóstolo das Gentes, confessa ter entrado para o colégio apostólico como um ente abortivo, depois de ter perseguido brutalmente a Igreja. Chegou a ser cúmplice do martírio de Santo Estevão, tendo vigiado as vestes daqueles que apedrejaram o primeiro mártir do cristianismo (AT 7, 58; 8, 1). Ora, em determinado momento este homem é convertido de modo extraordinário e levado por Nosso Senhor ao deserto, onde recebe graças que não foram concedidas a nenhum outro apóstolo. Quer dizer, Jesus o chamou do fundo da ignomínia e lhe deu aquele dom incomparável.

    É uma tão sublime lição em meio a tantos perdões, e um tal perdão ao lado de tantas lições, que nossa pobre cogitação não alcança medi-los…

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências  em 20/7/1988 e 22/11/1991)

  • Em defesa do Beato Gaspar de Bono

    Um exemplo característico de Revolução tendenciosa foi o que ocorreu em muitos meios católicos: não se ensinava claramente uma doutrina errada, mas por omissões que se inserem num coro de meios tons, meias verdades, os temperamentos foram se habituando a uma postura mole, de entreguismo, desarmando toda a linha de defesa da ortodoxia.

     

    Perfeição cristã e belos feitos de guerra

    Gaspar de Bono nasceu em Valência, em 1530. Seu pai, tecelão e, mais tarde, amolador de facas, era homem de vida religiosa profunda. Sua mãe, cega aos quarenta anos, era pessoa de grande paciência e resignação. Todas as manhãs o casal assistia à Missa e oferecia a Deus o seu dia; e, enquanto o marido trabalhava, a mulher meditava ou tecia. Desse casamento nasceram quatro filhos, e a um deles, Gaspar, os pais destinaram uma melhor educação, pois perceberam na criança dons excepcionais.

    De fato, o jovem era dotado de grande inteligência, além de encanto pessoal. Seguindo o exemplo dos pais, era piedoso, sendo recebido muito cedo como terceiro dominicano. Adolescente, começou a trabalhar com um comerciante de seda, que custeou seus estudos. Mas a Providência encaminhou Gaspar para servir como soldado do Imperador Carlos V. E este jovem foi um extraordinário exemplo da união entre piedade e coragem, perfeição cristã e belos feitos de guerra. Jamais, como militar, o ouviram jurar em vão pelo nome de Deus, coisa comum entre seus companheiros; as visitas das damas as mais honradas lhe eram suspeitas; desagradavam-lhe as companhias menos dignas. Após o cumprimento de seus deveres, ia para as igrejas, hospitais e outros locais de devoção, onde consagrava sua alma a Deus e seu corpo a seu príncipe.

    Corajoso e valente no manejo da espada

    Devotíssimo da Santíssima Virgem, recitava todos os dias sua Ladainha, tendo devoção particular a Sant’Ana, São José, São Vicente Ferrer e às almas do Purgatório. Mas ninguém pense que por isso seu temperamento fosse estranho ou arredio. Era um dos mais belos e gentis jovens do exército e dos melhores nas armas, corajoso e valente com sua espada, que ele só empunhava pela honra de Deus e defesa de seu rei.

    Foi assim que, em certa ocasião, estando com uma pequena companhia, foi atacado pelo grosso da cavalaria inimiga. Vendo que não podia enfrentá-la, foi-se retirando lentamente, procurando ao menos matar alguns adversários para enfraquecê-los. Não percebeu assim um fosso profundo, oculto por pedras, nele caindo – e seu cavalo também sobre ele. Bastante ferido, foi atingido ainda por três golpes de alabarda de um soldado contrário. Sentindo a morte próxima, recorreu à Santíssima Virgem, prometendo-lhe ingressar na Ordem de São Francisco de Paula, se fosse salvo. E o foi milagrosamente. Voltou a Valência e foi recebido naquela família religiosa, aos 35 anos de idade.

    Grande humildade e invulgar mortificação

    Na nova via, logo veio a se destacar como exemplo para os demais sacerdotes. Extraordinariamente virtuoso, chegou a extremos na prática da humildade, de uma invulgar mortificação, e do dom da conversão de pecadores empedernidos. Morreu em 1604, enquanto rezava uma Ave-Maria. Foi beatificado por Pio VI, em 1786. Chegou a Geral de sua Ordem, onde era muito respeitado.

    Um seu contemporâneo e biógrafo assim o descreve:

    “Quando jovem ele era extraordinariamente belo, de estatura mediana e de corpo muito bem proporcionado; quando mais idoso, tornou-se um pouco curvo, o que lhe deu um porte mais grave, e moderava sua extrema humildade e atitude recolhida, porque frequentemente tinha as mãos juntas e os dedos cruzados entre seu grande rosário.

    “Sua fisionomia era clara, suave, agradável, mas muito alegre, mesmo quando atingiu idade avançada. Sua fronte era alta, os olhos azuis, nem grandes, nem pequenos, alegres e vivos, mas calmos e discretos; as sobrancelhas arqueadas e entremeadas de fios brancos que, em sua juventude, eram louros; o nariz bem proporcionado, um tanto aquilino, a boca mediana, de lábios bem visíveis; a barba muito espessa, toda branca, com alguns fios dourados; suas mãos eram longas e brancas, seu andar pausado e solene; ele gaguejava um pouco; sua compleição era sanguínea e colérica. Era, sem dúvida, um dos mais veneráveis anciões então conhecidos.”(1)

    Biografia bem redigida, porém não isenta do sentimentalismo romântico 

    Esta é uma ficha mais inteligente do que muitas hagiografias que por aí se encontram. Quem a redigiu teve o cuidado de fazer do Beato uma descrição quase de uma ficha policial de nossos dias. Dir-se-ia ser uma espécie de fotografia do tempo em que não havia fotografia. Tem todos os pormenores da fisionomia do Beato, descritos com muita vivacidade, de maneira que, por assim dizer, percebe-se sua alma por detrás da descrição.

    De outro lado, trata de sua vida de um modo bastante completo, quer dizer, contando que ele foi um guerreiro; e não omite que foi um guerreiro eficaz. Porque normalmente as fichas impregnadas de um hagiografismo meio dulçoroso, ao tratar do santo como guerreiro, diriam apenas assim: “O santo mancebo foi também durante algum tempo um guerreiro”. E passariam adiante. Ou omitiriam que ele foi guerreiro, para dar a ideia de que um Santo jamais brande a espada, porque toda violência é intrinsecamente má e o católico é incapaz do uso da força a serviço de suas ideias. É uma concepção efeminada e sentimental do católico.

    Não se pode dizer que essa ficha seja inteiramente sentimental, romântica. Entretanto, tal é a presença sutil do sentimentalismo romântico, que o texto descreve longamente o Beato como religioso, trata bastante da vida de piedade dele; porém não fala de nenhum dos seus feitos de arma, a não ser um em que ele faz o papel de derrotado e recebe um milagre, o qual lhe serve de ocasião para deixar a carreira das armas.

    A combatividade militar é integrante da virtude de um santo

    Ora, nós teríamos gostado de uma ficha que dissesse tudo quanto diz, mas que nos mostrasse esse Beato como um guerreiro valente, não só na retirada, mas no ataque, matando alguns, contando o caso de dez inimigos que ele fendeu com uma espadagada, bem como de um avanço em que ele se pôs a risco, esteve na iminência de ser morto, não no recuo, mas porque se meteu no meio dos adversários; então Nossa Senhora o socorreu fazendo aparecer um Arcanjo terrível que, por sua vez, expulsou outros tantos inimigos.

    Assim, nós apreciaríamos ver a combatividade militar elogiada como integrante da virtude de um Santo. A Escritura, portanto o Espírito Santo, descreve assim Judas Macabeu, por exemplo.

    Aqui não. Vê-se que por um esforço de objetividade hagiográfica o biógrafo chega até o limite da objetividade inteira, porque conta um caso muito bonito. O herói não é só aquele que ataca, mas o que recua também.

    Até há uma forma especial de heroísmo em perseverar e continuar inteiramente corajoso, apesar da adversidade. Mas com tanto adocicamento da vida dos Santos, nós gostaríamos de outra coisa. E percebe-se que deve ter havido material para isso.

    Altar ideal para se venerar um Santo

    Qual é o corolário disso? O Beato Gaspar foi um frade da Ordem de São Francisco de Paula. É improvável que se tenham construído em louvor dele capelas em alguma igreja, por ser Beato. Mas, enfim, uma capela na igreja da Ordem dele é muito provável que tenham feito.

    O normal seria que houvesse um nicho com a imagem dele e atrás uma pintura, um mosaico, dando vários aspectos da sua vida. Se isso fosse feito de acordo com o espírito católico integral, apresentaria alguns aspectos do Beato com toda a sua doçura, sua bondade, etc. E um outro aspecto dele combatendo, na hora de cravar a espada num adversário que estaria caindo.

    Isso teria que ficar num altar para, ao pé desse quadro, pedirmos a virtude da fortaleza. Não pode ser que, na hora de manifestar a coragem e defender o bem, um católico esteja aquém de um guerreiro que luta pelo mal. Pelo contrário, se o católico tem razões sobrenaturais para oferecer sua vida, ele precisa exceder os combatentes do mal, dos quais o mais audacioso deve ser um tímido diante de um verdadeiro católico.

    Mas acontece que essa figura do Beato no ato de liquidar um adversário haveria de produzir, em senhoras ou mocinhas que se preparam para a primeira Comunhão, algum arrepio sentimental.

    Formação que adocicava o lado combativo dos Santos

    Há dez ou quinze anos atrás, em muitos seminários se entendia que para o indivíduo se tornar autêntico padre precisaria não ser inteiramente varonil. Para um padre fazer um sermão elogiando isso, era preciso ter uma formação que os seminários não davam.

    Então, vemos que mesmo numa ficha objetiva, bem feita sob vários aspectos, que contém dados verdadeiramente edificantes, úteis para nossa vida espiritual, entra a irradiação de todo um estado de espírito, um modo de ser que, durante muito tempo, dominou – pelo menos na América do Sul – a piedade de largos setores da sociedade católica; não sei bem como é na Espanha, na Itália, em Portugal.

    De tal maneira que, como um abismo atrai outro abismo, no tempo em que a influência da Igreja e do clero se exerciam, grosso modo, num sentido reto, em que então um senso combativo poderia ter levado essa influência à vitória, entretanto desenvolviam sua atividade com fermentos que adocicavam completamente essa influência, e a tornavam pouco capaz de atingir a vitória que estava ao seu alcance.

    Surge a combatividade a serviço do mal

    E à medida que essa influência vai se exercendo num sentido mau, começa a aparecer uma posição combativa e agressiva nesses mesmos ambientes, mas então já a serviço do mal, a teologia da violência, que é o extremo oposto dessas omissões. E é a tese de que o padre, a freira, devem ser violentos, terroristas, para aplicar a justiça social, a qual é um corolário do Evangelho e que, portanto, é preciso ser imposta até mesmo pela violência. Portanto, um abismo vai atraindo outro abismo.

    Esse estado de espírito inimigo de toda polêmica, de todo combate, de toda violência teve ainda sua responsabilidade num aspecto dessa crise dramática. Quando o neomodernismo, ou seja, o progressismo começou a renascer com uma insolência maior, teria sido facílimo esmagá-lo. Não se esmagou por quê? Porque o grande número dos homens que detinham o poder tinha essa mentalidade. Eles achavam que não se deve esmagar nada. No plano ideológico das censuras e das penas canônicas, da coragem eclesiástica de punir, ainda que não seja por meios materiais, eles reagiam com a mesma moleza que fica insinuada nesse horror à exercida em termos militares.

    Então, nós tivemos crescendo, crescendo, crescendo a onda da violência e os adversários naturais – que não eram homens que quisessem a violência – não reagindo, porque foram educados na escola da não-violência. Então, compreendemos como foi possível a tão poucos se tornarem tão numerosos e fazerem tanto. Ainda é esse estado de espírito responsável por essa ordem de coisas.

    Bigrafias mutiladas pela Revolução tendenciosa

    Então nós vemos aqui os zigue-zagues da Revolução, afetando a vida de piedade, desenvolvendo-se no campo da vida espiritual de enorme número de católicos. Mais uma vez notamos o fenômeno de Revolução tendenciosa. Porque não está dada aqui uma doutrina errada, nem dito de modo positivo: o católico não deve ser um soldado corajoso. Até está afirmado de algum modo o contrário. Mas há omissões que se inserem num coro de meios tons, meias verdades, as quais acabaram insinuando essa posição e habituando os temperamentos a uma postura mole, de entreguismo, desarmando toda a linha de defesa da ortodoxia, antes mesmo de o adversário erguer a cabeça. Quando o inimigo ergueu a cabeça, as linhas de defesa estavam quase todas adormecidas.

    Poder-se-ia fazer uma objeção: “Mas Dr. Plinio, isso é verdade apenas em parte, porque esses mesmos que o senhor disse serem contrários à energia eclesiástica, quando se trata de atacar a ortodoxia são extremamente enérgicos.”

    Respondo: Não é uma contradição, mas está na lógica do preguiçoso. Nessa posição entra muito do vício capital da preguiça. E a psicologia do preguiçoso é precisamente esta: ele concorda com tudo e tem preguiça para tudo; entretanto, para com aquele que quer convencê-lo de não ser preguiçoso, deseja obrigá-lo a se mexer, ele agride sem preguiça.

    Tomem um homem que está numa cama dormindo agradavelmente. Acordam-no e lhe dizem:

    – Há divertimento.

    – Não quero.

    – Tem trabalho.

    Ele dorme mais profundamente ainda.

    – Faça uma oração!

    Ele desmaia.

    Procurem levantar o homem. Ele se ergue e dá um tapa, porque estão lhe tirando de sua preguiça. Esta é a lógica do preguiçoso.

    Inúmeras vezes nós quisemos que essa gente combatesse. É claro que nos agrediam, pois estávamos tirando-os da lógica da preguiça.

    Alguém me dirá: “O senhor não comentou a vida do Beato. O que fica da vida dele para nós?”

    Fica, antes de tudo, uma defesa do Beato que foi apresentado de modo mutilado. E também uma defesa contra tantas hagiografias mutiladas que por aí se apresentam.             v

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/8/1972)

    Revista Dr Plinio 244 (Julho de 2018)

     

    1) Não dispomos dos dados bibliográficos da obra citada.

  • Sede devotos do meu Imaculado Coração…

    Sempre que me refiro a Nossa Senhora, tenho muito em vista a devoção ao Imaculado Coração de Maria.

    Ao adorarmos o Sagrado Coração de Jesus temos em consideração não só a afetividade, a bondade, mas toda a personalidade moral e todo o conjunto de virtudes d’Ele. Assim também o culto de hiperdulia que prestamos ao Coração Imaculado de Maria abarca e exprime seu afeto, sua bondade, sua misericórdia de Mãe, bem como sua pureza e todas as virtudes excelsas que Ela possui num grau inconcebível por nós.

    O quadro presente em meu apartamento representa Nossa Senhora no seu resplendor, tendo atrás de Si uma série de luzes fulgurando, como que emanadas principalmente da cabeça, e constituindo uma espécie de auréola. Maria Santíssima está segurando seu Imaculado Coração e o apresenta para os homens, como quem diz: “Ele é vosso, Eu vo-lo dou se Me pedirdes”.

    Portanto, é um convite à prece ao Imaculado Coração d’Ela, feito por Ela mesma: “Sede devotos do meu Imaculado Coração e recebereis graças incontáveis”.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/2/1992)

    Revista Dr Plinio 243 (Junho de 2018)

  • “Sede perfeitos como o Pai Celeste”

    São Cirilo de Alexandria viveu no século V e combateu a heresia de Nestório. Naquela ocasião, estabeleceu-se a clássica distinção entre os ortodoxos, que professavam a divindade da Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo e a consequente Maternidade Divina de Maria, e os heterodoxos, que afirmavam haver em Cristo duas pessoas, sendo ­Nossa ­Senhora mãe apenas da pessoa humana. Como sói acontecer, entre essas duas correntes havia os tais pseudo-equilibrados, que julgavam ser melhor não discutir, pois irritaria o adversário, tornando mais difícil a possibilidade de conversão. Esses se voltavam contra São Cirilo porque ele combatia os hereges.

    Essa raça de almas corresponde ao dito na Escritura: “Se fosses frio ou quente Eu te aceitaria, mas como és morno, estou para vomitar-te de minha boca” (Ap 3, 16). São os que mais atrapalham a causa católica, pois o melhor dispositivo de proteção do erro não está entre aqueles que o professam, mas sim entre os que dizem professar a verdade, mas nas suas táticas protegem o erro.

    Essa posição intermediária atrai mais a cólera divina do que a definida posição contrária.

    Se devemos ser perfeitos como nosso Pai celeste é perfeito (cf. Mt 5, 48) e se é legítima a jaculatória “Sagrado Coração de Jesus, tornai meu coração semelhante ao vosso”, então devemos também ter náusea e horror daqueles de quem o Pai Celeste e o Coração de Jesus têm náusea e horror.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/2/1966)

  • Coração Sapiencial e Imaculado de Maria

    A principal alegria de Nosso Senhor durante a vida terrena estava numa lâmpada acesa na casa de Nazaré: o Coração Sapiencial e Imaculado de Maria, cujo amor excedia o de todos os homens que houve, há e haverá até o fim do mundo.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/4/1984)

  • São Guilherme: A beleza dos extremos harmônicos

    Comentando a vida de São Guilherme, Dr. Plinio aponta o sublime modo de proceder da Igreja, encaminhando a sociedade e as almas por um determinado sentido, enquanto a algumas almas eleitas indica o rumo oposto, obtendo assim o equilíbrio e a harmonia social.

     

    Gostaria de comentar uma ficha biográfica tirada do livro “La Vie des Saints”, de autoria de Daras.

    São Guilherme nasceu no ano de 1085, numa cidade do Piemonte. Seus pais eram nobres e ricos.

    Muito jovem ainda, decidido a viver para Deus, fez uma peregrinação a Roma, retirando-se depois a um monte abrupto e elevado, chamado Virgiliano, para lá viver como solitário.

    Guilherme reuniu discípulos e ergueu no local um mosteiro e uma igreja a Nossa Senhora. O santuário deu um novo nome à montanha: o Monte da Virgem.

    Um dia, os monges indispuseram-se contra seu superior por causa de sua liberalidade para com os pobres.

    Guilherme não deixou de orar por eles. Fundou outra casa e visitou o reino de Nápoles, onde aconselhou sabiamente o soberano. Perto de morrer, voltou à sua primeira fundação, na qual encontrou grande disciplina e paz, devido, supõe-se, às suas infatigáveis preces.

    Morreu no dia 25 de junho de 1142, em Guilhemeto. A Congregação chamada do Monte da Virgem não existe mais. Porém, o mosteiro não desapareceu. Pertence à reforma de Nossa Senhora do Monte Cassino. Os religiosos usam o hábito branco de São Guilherme para lembrar a sua união com esse grande santo.

    A grande atividade da Idade Média

    Esta ficha é muito bonita. Sobretudo quando vista em seu contexto, nela se notam admiráveis harmonias. Recordemos os tempos da Idade Média, onde esse santo constituiu seu mosteiro e onde levou a vida que passo a comentar.

    A Idade Média, contrariamente ao que muitos imaginam, tinha uma vida de atividade intensa. Tal atividade era sobretudo agrícola, pois, apesar de o Império Romano ter conseguido aproveitar agricolamente boa parte de seu próprio território, restando somente algumas partes incultas devido à insuficiência de população, quando o Império foi invadido pelos bárbaros quase toda a agricultura sofreu grande ruína, a ponto de só restar o suficiente para manter miseravelmente a população local. Por outro lado, havia a parte selvagem e bárbara da Europa para ser cultivada.

    Por isso, a atividade agrícola na Idade Média precisou ser muito intensa, e o foi de tal maneira, que de uma ponta a outra da Europa havia plantações, as quais se estendiam até mesmo pela Rússia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Norte das Ilhas Britânicas, e outras regiões de cuja existência os romanos nem sequer tinham noção.

    Naturalmente, a agricultura trouxe consigo o comércio. A abundância das plantações traz consigo a exportação e a permuta de seus frutos com outros artigos. Assim, iniciou-se também uma indústria caseira, a qual se transformou mais tarde numa indústria verdadeira, dotada de estabelecimentos especiais, desligados da atmosfera doméstica.

    Abriam-se, então, estradas, iniciava-se uma organização à maneira de polícia, como os cavaleiros andantes e outras forças locais, as quais se encarregavam de manter a segurança das vias, impedindo roubos e assassinatos. Os medievais viajavam muito. Para só analisar as peregrinações que então se faziam, consideremos o seguinte:

    De toda a Europa, peregrinos acorriam a Santiago de Compostela a ponto de, em certas épocas do ano, alguns trechos tornavam-se verdadeiras ruas, devido à intensidade do tráfego.

    De outro lado, havia na Idade Média a atividade intelectual, da qual muito já se conhece. Mas havia também a atividade guerreira, sumamente glorificada por alguns historiadores, do ponto de vista das Cruzadas, mas tão denegrida e exagerada por outros no que diz respeito a guerras domésticas entre famílias, casas e feudos.

    Isso tudo forma a verdadeira imagem da Idade Média: uma época borbulhante de vida.

    A Igreja, centro e ponto de equilíbrio da Idade Média

    Na raiz dessa vida estava a Igreja, enquanto fonte de toda harmonia e perfeição. Seu modo de proceder consistia em impulsionar a sociedade em determinada direção, o que fazia com tanta serenidade, sabedoria e naturalidade, que poderia até mesmo causar a impressão de irrefletida. Contudo, era ainda capaz de, ao mesmo tempo, incentivar alguns a seguirem o rumo extremamente oposto dos demais, conservando assim a harmonia do corpo social.

    Um claro exemplo disso encontra-se no fato da Igreja ter estimulado extraordinariamente o desenvolvimento intelectual na Idade Média, ao mesmo tempo que impulsionava vigorosamente o trabalho manual, o extremo harmônico daquele.

    Assim, toda a movimentação do corpo social na Idade Média era largamente estimulada pela Igreja; mas também, Ela estava constantemente suscitando a formação de grandes famílias de almas, as quais procuravam retirar-se a lugares ermos, a fim de viverem no completo isolamento.

    A Igreja inspirava algumas almas a se afastarem inteiramente do convívio humano, vivendo a sós. Desta forma, perpetuava-se na sociedade o hermetismo absoluto, surgido na antiguidade e mantido, de certa forma, até os dias atuais.

    Era grande o contraste entre o borbulhar de vitalidade que havia na sociedade medieval, e a vida tranquila, serena e meditativa de um número impressionante de eremitas, os quais abandonando tudo, iam viver em lugares distantes, na exclusiva consideração das coisas de Deus enquanto Motor imóvel, da eternidade e de outros assuntos cuja cogitação é geralmente evitada pela superficialidade de espírito de muitos homens.

    Desta forma, como fruto da verdadeira Igreja, constituiu-se o ponto de equilíbrio da sociedade medieval, bem como de cada alma individualmente.

    Pelo contrário, a atitude de uma igreja falsa seria a de estimular exclusivamente o hermetismo, ou a atividade, causando assim a desestabilização.

    Do auge da atividade ao máximo recolhimento

    São Guilherme é um característico exemplo deste modo de proceder da Igreja, enquanto propulsora dos contrários harmônicos. Ele, por sua condição de nobre, era naturalmente destinado a uma vida de guerra, de corte, de governo e de movimento. No entanto, com o consentimento de seus pais, ele abandonou tudo e se retirou para um lugar ermo e solitário a fim de glorificar Nossa Senhora. Para ter garantia de não ser importunado por ninguém, dirigiu-se a uma alta e fria montanha, onde pretendia levar vida de penitência. Porém, é admirável verificar como as almas que se isolam por amor a Deus, acabam tendo muito mais poder de atração.

    Assim, como tantas vezes aconteceu ao longo da História da Igreja, em torno dos eremitas se constituem comunidades, a ponto de, muitas vezes, aqueles que tinham deixado tudo para viver isolados acabam por se transformar em cenobitas, levando vida comunitária.

    Tal foi o que se deu com São Guilherme, cujo exemplo atraiu muitos outros.

    Certamente, muitas pessoas passavam aos pés daquela montanha: cavaleiros, estudantes que caminhavam conversando, rindo e cantando, peregrinos entoando canções sacras. Pode-se supor que no alto do monte houvesse um cruzeiro junto ao qual se encontrava a choupanazinha de São Guilherme.

    Os que por lá passavam, inevitavelmente, deviam procurar saber quem vivia no cume daquela montanha, sendo-lhes respondido tratar-se de Guilherme, um nobre, que deixou tudo para viver em oração.

    Com isso, cada vez mais pessoas desejavam poder um dia subir aquela escarpada montanha a fim de conhecer o nobre Guilherme.

    Além disso, deviam circular notícias de que alguns, estando em dificuldades, foram ter com Guilherme, e este rezando por eles obteve-lhes imediata solução.

    Assim crescia o número de pessoas que subiam ao monte para rezar. Em baixo havia o bulício próprio às estradas medievais, enquanto em cima se gozava da quietude e da serenidade da companhia de Guilherme.

    Ao longe, talvez alguns permanecessem contemplando São Guilherme rezar ou preparar lenha para fazer sua refeição, após a qual começa a varrer sua pobre habitação. Tudo isso feito de modo tão direito, sábio, calmo, piedoso e composto, que devia dar às pessoas uma indizível paz, ânimo e arrojo interior.

    Aprendendo pela contemplação

    Conta-se a respeito do Bem-aventurado Miguel Rua, segundo Superior Geral dos salesianos, sucedendo a São João Bosco, que sendo ainda seminarista, este frequentemente era destacado para servir de secretário a São João Bosco. Perguntaram-lhe, então, certa vez, se não lhe incomodava o fato de não poder estudar durante esses dias. Ele respondeu: “Em três dias que passo servindo a D. Bosco eu aprendo mais Teologia do que estudando em livros o ano inteiro”.

    Do mesmo modo, quantos podiam contemplar por alguns momentos a São Guilherme, deviam em sua presença aprender mais a respeito da Igreja do que através de muitos estudos e pregações.

    Então começaram a surgir alguns que decidiam permanecer na companhia do santo. Estes talvez dissessem aos que os tinham acompanhado: “Ficarei aqui. Diga àqueles com quem tenho relações que eu fiquei ao lado de Guilherme, mas que no Céu nos encontraremos. Aqui estarei rezando por eles.”

    Desta forma, aos poucos foi se constituindo um cenóbio, depois uma Ordem Religiosa, e começavam então as maravilhas de Guilherme.

    A força de um santo

    Porém, não tardou em acontecer-lhe algo de muito trágico e doloroso. Sendo pai de uma família religiosa, dela foi expulso por seus próprios filhos espirituais, os quais certamente andavam mal e não davam contentamento a ele. Porque, sobretudo o que é muito mais sério, eles não davam a glória devida a Nossa Senhora. São Guilherme, aos olhos de seus discípulos, devia atrapalhá-los na vida torta que tinham adotado. Apesar de terem vindo morar no alto da montanha a fim de gozar da companhia de São Guilherme, chegaram ao desvario de expulsá-lo.

    Então, o santo desce sozinho a estrada, apoiado num bordão. Enquanto a porta se bate à sua saída e um monge revoltado grita: “Afinal, estamos sós e independentes desse homem demasiado severo!” São Guilherme, tranquilo e rezando, vai descendo por caminhos desconhecidos, até chegar a uma estrada que o conduziria a Nápoles.

    Mas, quem pode expulsar um santo quando este quer ficar? Qual a força que nessa vida é comparável à de um santo?

    São Guilherme não quer a perdição daqueles monges; por isso, ao andar pelas estradas, ele vai rezando por eles. Ele pede a Nossa Senhora, sob cuja égide o mosteiro estava construído, a expulsão dos demônios que ali entraram, promovendo assim a volta de seus discípulos ao bom caminho.

    Rejeitado pelos discípulos e acolhido pelo Rei

    Tranquila e serenamente, por alguma razão ignota, o santo vai a Nápoles. Lá ele encontra um cenário muito diverso. Antes de tudo pela vista da célebre baía de Nápoles, tendo ao fundo o Vesúvio fumegando; depois, por ser uma cidade populosa, com um porto movimentado, donde se vislumbra o palácio do Rei de Nápoles, um dos potentados da Península Itálica, essa cidade era um centro de cultura e de civilização, certamente uma corte em franco progresso e expansão da arte e do bom gosto.

    Não tardou para o Rei ser informado da presença deste santo. Mais uma vez sua vida passaria por uma transformação: de abade tornou-se peregrino, agora passaria a ser conselheiro do Rei.

    Porém, com a mesma serenidade, tranquilidade e sabedoria, ele continua rezando, mas também aconselhando o Rei, o qual nutria grande apreço por aquele que a loucura de uns monges desvairados tinha sido a causa de sua presença junto a ele. Muitos tiveram que galgar uma alta montanha para encontrar Guilherme, enquanto o Rei o encontrou ao lado de seu trono.

    Em meio ao esplendor do cenário da corte de Nápoles, com suas belas tapeçarias, feéricos vitrais e magníficas construções em granito, pode-se imaginar o Rei despachando, com os olhos postos em Guilherme, atento a seus conselhos. Quando, em certo momento, surge-lhe uma dúvida, apressa-se em perguntar a opinião de Guilherme. Assim, aquele santo humilde, apagado e posto de lado, reina por sua influência sobre o soberano.

    Contudo, as saudades vibram no coração de Guilherme e o fazem tomar a resolução de ir visitar seus monges. Perdoando-os como o Bom Pastor que ama suas ovelhas, a ponto de ir à procura das que se desviaram, e mais ainda se revoltaram contra ele, expulsando-o do meio delas, ele, como uma espécie de anjo da guarda, paira sobre o convento, para que ele não desapareça.

    Alegria do superior pelo progresso dos subalternos

    Assim, após algum tempo, ele volta para visitar os monges ingratos. Suas preces venceram a dureza daqueles corações, encontrando-os, cheios de fervor. O contentamento que Santa Mônica terá sentido ao ver seu filho convertido deve ter sido muito menor do que a deste abade e fundador ao ver convertida toda a sua Ordem Religiosa. Algum tempo depois, ele morreu naquele monte onde tinha constituído seu convento.

    Dir-se-ia estar terminada a história. No entanto ela continua, pois a Ordem fundada por São Guilherme, por diversas razões, não consegue manter-se sozinha, acabando por extinguir-se, enquanto o convento foi dado aos beneditinos, cuja sede principal, o Monte Cassino, ficava a pouca distância de lá.

    O suave perfume de uma flor conservada pela Tradição

    Os padres beneditinos deram uma prova da boa recordação que conservaram de São Guilherme. Pois os beneditinos que foram morar no monte onde este santo fundou seu mosteiro, continuaram usando o hábito da Ordem Religiosa fundada por São Guilherme, manifestando assim um lindo espírito de tradição. Deviam ter a ideia de que lá não se podia usar outro hábito a não ser o de São Guilherme, para dar a entender que os que lá vivem estão como hospedes, pois o dono da casa é São Guilherme; por isso, eles só residem lá para manter a ordem do local, à espera do dia em que filhos do dono, suscitados pela graça, venham para restaurar a Ordem e reocupar a casa paterna.

    Como seria bonito que, em meio aos desvarios do mundo moderno, um europeu suscitado por Nossa Senhora, tomasse a resolução de restaurar a Ordem Religiosa de São Guilherme, fazendo reviver dentro da Igreja essa flor conservada pela piedade beneditina dos grandes tempos.

    Morrer sob o amparo de Maria

    Os dados biográficos não narram a morte de São Guilherme. Alguns poderão imaginá-la como tendo sido repentina, a qual para um santo tem sua beleza, pois ele de repente passa das agruras desta Terra para a visão direta de Deus.

    Porém, outros podem figurar uma morte lenta e longa, na qual o santo passa para o Céu, mais ou menos como um grande rio entra no oceano, vagarosamente, até exalar o último suspiro.

    Pode-se também conceber um tipo de morte, o qual sempre me impressionou, e que vi representada num vitral do Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Nele estava São Bento, em pé, acabando de dar a seus discípulos uma última lição, a qual alguns ouviam entusiasmados, outros recolhidos. Na legenda embaixo, lia-se: “Eflavit spiritum — Ele rendeu seu espírito”. Após as últimas palavras de edificação ele foi para Deus!

    Enfim, a morte de São Guilherme pode ser imaginada de múltiplas formas, porém, certo é que, tendo ele fundado um convento dedicado a Nossa Senhora, Ela o protegeu especialmente na hora de sua morte.

    Por isso, nós não devemos nos importar como morreremos, mas somente devemos desejar neste momento estarmos postos nas mãos de Maria Santíssima.  v

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/6/1976)

     

  • O socorro maternal que por nós intercede

    O simbolismo mais tocante da imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está contido no gesto com que o Menino Jesus se apóia em Nossa Senhora, a qual segura as mãos d’Ele, significando que Ela governa os movimentos de Seu Divino Filho. Este era um antigo símbolo de homenagem e de obediência, o qual consistia em que o inferior colocasse suas mãos entre as do superior. Isto significava o domínio, o poder, deste sobre aquele, porque um homem que segura as mãos de outro evidentemente segura-o por inteiro.

    Representando o Divino Infante desse modo o artista foi muito feliz e conseguiu indicar o que de fato acontece: a Santíssima Virgem pode tudo sobre o Menino Jesus e, nesse sentido, sua oração O “governa”!

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 18 de novembro de 1968)

  • Nossa Senhora do Perpétuo Socorro

    Tendo diante de si um quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, invocação mariana que lhe tocava o mais fundo da alma, Dr. Plinio ressalta a importância de se recorrer a Maria Santíssima sob este título tão consolador: o socorro que nos vem sempre, a todo momento, maternal e infatigável.

     

    Ao contrário de nossos costumeiros comentários sobre o Santo do mês, desta feita não os basearemos em biografia, mas numa gravura que retrata a imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, cuja festa se celebra no dia 27 de junho.

    Linda invocação de uma imagem bizantina

    Preliminarmente, convém esclarecer um ponto que poderia ser levantado pela minha caríssima geração nova.

    Este quadro é de inspiração bizantina, e não se deve ver nele o gênero de beleza que apresentam as imagens ocidentais, como, por exemplo, Nossa Senhora Auxiliadora, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora de Fátima, etc. Analisando-as, percebe-se que seus rostos são entalhados com requinte e esmero, como a face de uma boneca. Embora não seja esse o tipo de graciosidade refletida na fisionomia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, pintada há vários séculos, entretanto ela nos revela uma intensa expressão.

    Difundida na Igreja pelos padres redentoristas, trata-se de uma linda invocação, pois indica a misericórdia invariável de Maria Santíssima. O perpétuo socorro é um auxílio, um ato de clemência, de piedade, ininterrupto, que nunca se detém nem se suspende. “Nunca” significa em nenhum minuto, em nenhum lugar, em nenhum caso. Por pior que seja a situação de quem recorra a Nossa Senhora, sendo a Mãe de misericórdia, Ela sempre o atende.

    Sobre o fundo áureo da glória

    Esse quadro possui um fundo dourado, bastante usado durante o antigo império romano do Ocidente e do Oriente, e parte da Idade Média, nas pinturas de personagens eminentes, os quais não eram representados pelos artistas em salas, quartos ou paisagens, mas sobre o ouro, a fim de exprimir a ideia de que estavam desligados de qualquer outra coisa que não fosse a glória. Assim, essa imagem representaria o esplendor da Rainha do Céu, com sua fronte circundada por uma auréola ricamente lavorada, como o é também a que emoldura a face do Divino Filho ao braço da Mãe.

     Nossa Senhora está revestida de um manto azul que Lhe envolve igualmente a cabeça. Constitui uma espécie de xale, no qual refulge um adorno semelhante a uma estrela. Sob esse manto, a Santíssima Virgem traja uma túnica vermelha frisada com galões de ouro e enfeixada, à altura do pescoço, por uma pedra preciosa.

    Todos esses aspectos têm seu simbolismo, por isso devemos notá-los antes de apontar o valor e o alcance de cada um deles.

    O Menino Jesus se acha sentado sobre a mão esquerda de Nossa Senhora, inteiramente encostado n’Ela, como uma criança muito familiarizada com sua mãe e tendo prazer de estar junto a seu regaço. Entretanto, se distrai com alguma coisa para a qual está olhando. Dir-se-ia haver, da parte do artista, uma certa imperícia, pois o Divino Infante é um tanto grande para ser carregado dessa forma por Maria Santíssima, dando a impressão de desequilíbrio nas proporções dos personagens. O próprio tipo do corpo d’Ele, sem falar do tamanho, transmite mais a ideia de um adolescente do que um menino. Seja como for — e apesar de algum crítico por demais exigente apontar outros aparentes defeitos, que não são senão expressões do estilo próprio da época e dessa cultura — tal imagem é considerada uma grande e interessante obra de arte.

    Vestindo uma túnica verde, o Menino-Deus traz na cintura um tecido róseo e, sobre o ombro direito, uma capa dourada que lhe envolve o resto do corpo. Sendo esta muito ampla, forma numerosas pregas, as quais me parecem bem estudadas, dando a impressão, juntamente com a túnica e a faixa, de naturalidade.

    Em cada lado da imagem há um anjo ostentando instrumentos da Paixão. Ambos aparecem de asas e auréola. O da direita, com vestes vermelhas, porta a Cruz que, curiosamente, possui três braços de tamanhos distintos. O da esquerda, de túnica verde, segura uma lança e a esponja na qual foi embebido o fel oferecido a Nosso Senhor no alto do Calvário.

    Extraordinário afeto materno

    A imagem de Maria é sobremaneira expressiva, devido à atitude profundamente materna que Ela demonstra. É a Mãe que carrega seu Filho com naturalidade e afeto extraordinários, transparecendo a intimidade magnífica da Santíssima Virgem com o Menino Jesus. A expressão de seu olhar é recolhida, de quem reza. Ela segura o Filho com desvelo e, ao mesmo tempo, com imenso respeito e veneração. Está certa de que tem nos braços o próprio Deus encarnado e a sua atitude é de adoração.

    A face de Nossa Senhora talvez pudesse ser um pouco mais bem desenhada. Embora a boca seja delicada, o pescoço parece rígido demais, e o nariz se estende num comprimento excessivo. Mas esses pormenores secundários não diminuem o sopro da arte autêntica, patenteado na expressão recolhida e carinhosa da fisionomia, bem como na nobreza do porte.

    Tocantes simbolismos

    Analisemos agora o simbolismo. Nossa Senhora está revestida de uma túnica vermelha e um manto azul. Nos primeiros séculos do Cristianismo, a cor azul distinguia as virgens e a vermelha, as mães. De maneira que essa conjugação cromática nos apresenta Maria como a Virgem-Mãe. Trata-se de uma bela combinação, um simbolismo acertado e discreto que define Nossa Senhora.

    No meu entender, o simbolismo mais tocante está contido no gesto com que a Mãe segura as mãos do Menino Jesus, envolvendo-as suavemente, indicando como Ela governa seu Divino Filho. Tal atitude representava, nos tempos antigos, a homenagem e a obediência do inferior para com seu superior, e do poder deste sobre aquele, pois uma pessoa que segura as mãos de outra evidentemente a domina por inteiro. Então, para mostrar como a virgem pode tudo junto a Deus, através da oração, com muita naturalidade o artista representou o Menino Jesus prestando este ato de submissão à sua Mãe Santíssima. A posição d’Ele é tão natural e freqüente entre as crianças que, sem conhecer esse simbolismo, não se diria que o pintor teve a intenção de exprimi-lo.

    É próprio de quadros como esse que o significado dos símbolos quase não aflore, e assim, quem o contemple, pode ter o gosto de adivinhar o sentido de cada um deles. Trata-se de uma ocupação piedosa e nobre, que retém a atenção e é incomparavelmente superior às distrações do tipo palavras-cruzadas, por exemplo…

    Nossa Senhora segura o Menino Jesus o qual olha para dois anjos portando instrumentos de sua Paixão. Quer dizer, ao mesmo tempo em que se lembra n’Ela a Virgem e a Mãe, recorda-se n’Ele o Redentor do gênero humano, esperado pelos Patriarcas e Profetas.

    O socorro por um fio

    Pormenor pitoresco, no pé esquerdo do Divino Infante vê-se a sandália bem presa, porém a do pé direito está desatada, quase caindo, como que obrigando-O a um movimento necessário para retê-la. Penso que esta última significa a situação da alma pecadora, sustentada pelo Menino-Deus para não cair no abismo da perdição. Indica, portanto, o perpétuo socorro: é Nossa Senhora que intercede pelo faltoso, junto ao Filho que Ela segura nos braços e pode salvar o homem acabrunhado de culpas.

    Tenho conhecido em minha vida tantas almas suspensas, como esta sandália, e depois se erguerem e ficarem firmes como a outra, que não seria desprovida de beleza se tal fosse a explicação desse pormenor.

    Aliás, no verso de um “santinho” dessa imagem que me foi presenteado certa vez, vinha esta linda interpretação: “A sandália desatada, quiçá símbolo de um pecador preso ainda a Jesus por um fio, o último — a devoção a Nossa Senhora”.

    Nos ângulos superiores do quadro há algumas letras gregas que significam “Mãe de Deus”; à direita do Menino Jesus, outras que querem dizer “Jesus Cristo”. As que aparecem acima do anjo à esquerda significam “São Miguel Arcanjo”, e as que estão sobre o anjo à direita, “São Gabriel”.

    Por fim, a estrela que refulge no manto de Nossa Senhora indica, uma vez mais, seu perpétuo e maternal socorro, sua misericórdia infatigável a nos guiar em meio às vagas tormentosas desta vida, rumo ao Céu.