Categoria: Santos do dia

  • Santo Inácio de Loyola – Alma repleta de lógica e enlevo

    Desde os bancos do Colégio São Luís, onde tomou conhecimento da vida e obra de Santo Inácio de Loyola, nutriu Dr. Plinio grande devoção ao fundador da Companhia de Jesus, e uma entusiasmada admiração pela lógica e clareza adamantinas do autor dos “Exercícios Espirituais”. Veremos, pelas suas considerações transcritas a seguir, como estes e outros preciosos predicados da alma inaciana o encantavam.

     

    Quando analisamos o modo de ser e de agir de Santo Inácio de Loyola, percebemos que o amor e o enlevo que ele tributava às instituições e aos ensinamentos da Igreja, redundavam em reflexos daquelas perfeições na sua própria alma, sem contudo empanar suas peculiaridades.

    Tornando-se ainda mais Santo Inácio

    Por exemplo, encantava-se com o modo de um Papa cuidar de uma fabulosa pluralidade de assuntos com inteira calma e sobranceria, conduzindo sem sobressaltos o orbe católico. Ora escrevendo uma bula pelo centenário de uma universidade ou de um estabelecimento católico famoso, autorizando a ereção de uma prelazia apostólica nas missões, resolvendo um delicado problema de relações com determinado país ou uma crise religiosa em tal outro, solucionando uma questão de corporações numa certa nação envolvendo problema moral bastante delicado, etc. — as mais variadas ações do Sumo Pontífice falavam de maneira intensa à alma de Santo Inácio.

    Especialmente o enlevava discernir a ação do Espírito Santo, possante, sábia, serena, imensa, pairando sobre a Igreja e governando-a. Na medida que se enlevava, a obra do Espírito Paráclito se prolongava em Santo Inácio e algo dessa qualidade da Igreja passava a viver nele, tornando-o capaz de, até certo ponto, agir do mesmo modo. Dir-se-ia que uma força sobrenatural doravante o habitava, fazendo-o mais ele mesmo, porque sua vocação e seu carisma específico se enriqueciam.

    Pode parecer um paradoxo que algo extrínseco passe a ser inerente a ele, orientando sua vida. Santo Inácio não se transformava num autômato?

    A meu ver, dava-se o contrário. Ele se tornava mais Santo Inácio de Loyola.

    A regra aplicada aos discípulos

    E é interessante notar que o sucedido com Santo Inácio se verificava, guardadas as proporções, entre ele e seus discípulos. Ou seja, quando se lê a história da Companhia de Jesus, vê-se que o Fundador procurou formar a mentalidade de seus seguidores de acordo com o que hauriu da Igreja, encaminhando-os para a perfeição. E os jesuítas, por sua vez, procuravam se conformar a Santo Inácio, tendo não poucos alcançado de fato a heroicidade de virtudes. Lembremo-nos, por exemplo, de São Francisco Xavier, entre os primeiros e, posteriormente, São João Berchmans, São Luís Gonzaga, etc.

    Tem-se a impressão, aliás, de que na Companhia de Jesus, mais do que nas outras ordens religiosas em relação aos respectivos fundadores, essa união e essa conformidade de alma manifestou-se sobremodo rigorosa e enfática, por razão compreensível. Na época em que Santo Inácio foi suscitado por Deus para impulsionar a Contra-Reforma, alguns aspectos da vida da Igreja pareciam de tal maneira alterados que, para se ter o perfeito conhecimento dela, era indispensável conhecer uma pessoa plenamente católica, e se estabelecer com esta um vínculo particular. Esta forma de contato pessoal era o meio de a Igreja manter sua influência sob o espírito dos fiéis.

    E para os jesuítas que tinham Santo Inácio como modelo, a união com a Igreja se fazia através do influxo da pessoa do seu fundador, conhecida nas horas de enlevo com o auxílio da graça, e assimilada, no sentido próprio da palavra, pela meditação, ponderação, etc.

    Portanto, para que um jesuíta do século XVI não se deixasse contaminar pelas idéias errôneas do tempo, deveria considerar os fatos através dos olhos de Santo Inácio.

    Doutrina personificada

    Por outro lado, cumpre admitir que é muito conveniente ao católico conhecer a doutrina personificada. Necessidade que também se explica facilmente.

    Imaginemos alguém que estudasse um compêndio de Doutrina da Igreja, mas nunca tivesse visto um bom católico. Ele não teria uma perfeita noção da Santa Igreja. Agora suponhamos o contrário: ele conheceu um católico no sentido pleno do termo, mas ainda não estudou essa doutrina… Quase se poderia dizer: quem conheceu a pessoa do bom católico entendeu a Igreja mais do que quem analisou apenas sua doutrina.

    Nesse sentido, figuremos uma conversa entre jesuítas a respeito dos escritos de Santo Inácio. Não deveriam eles estudar o texto inaciano como o faria um crítico qualquer, ou seja, excluindo o fator enlevo. Não. Antes, deveriam procurar discernir a mentalidade do seu fundador ao conceber aquelas linhas, e chegar a cogitações mais altas, como, por exemplo, considerar que a matriz daquele estilo existia na alma de Santo Inácio, com uma superabundância da qual aquele livro ou aquela oração era uma parcela.

    Deveriam compreender que Santo Inácio era capaz de escrever a uma eminente autoridade eclesiástica, com um cunho enérgico e afirmativo, chamando-lhe a atenção por atitudes que causavam estranheza nos meios católicos fervorosos, bem como de usar de astúcias para resolver um grave problema, sem nada perder de sua seriedade, gravidade e firmeza.

    Os jesuítas, se fiéis à sua vocação, tinham de admirar essas qualidades de seu fundador, conformar-se com elas, enlevar-se com o enlevo dele pela Igreja, e procurar ver a ação do Espírito Santo instruindo e conduzindo as atitudes do grande Santo Inácio de Loyola.

    Encantos com os raciocínios do Mestre Costa

    Não me esquivo de aduzir um exemplo pessoal, de quem — embora não sendo jesuíta — cedo sentiu-se enlevado com a lógica luminosa de Santo Inácio, e desejou adquiri-la para toda a vida.

    Quando frequentei o Colégio São Luís, uma das matérias era lecionada por um jovem professor, ainda seminarista da Companhia de Jesus, ao qual chamávamos Mestre Costa (futuramente Pe. Costa). Ele desfiava seus raciocínios de caráter apologético, explicava isto, aquilo, aquilo outro, e me entusiasmava ver a coerência dos pensamentos dele: concatenados, determinados, caminhando a passos resolutos e direitos para a conclusão. Eram meus primeiros encantos com a lógica.

    Eu percebia os movimentos do raciocínio no espírito do Mestre Costa, ágil, lúcido, forte, e me alegrava admirar uma alma, uma inteligência que se movia assim. Mais. Sentia um verdadeiro alívio no meu interior, como se algo longamente estagnado começasse a se mexer e a andar. Era uma espécie de libertação da minha presença habitual em ambientes poucos afeitos à lógica, pouco reflexivos, amantes das impressões: “acho que… talvez seja… parecer-me-ia que…”. Sem me dar conta, meu temperamento desejava outra postura de alma, pedia uma definição. Afirme! Abra o peito e tome a responsabilidade da conclusão: diga que é assim, e assunto encerrado.

    Ora, no raciocinar do Mestre Costa havia isto: ele concluía. E de tal maneira que prendia o interlocutor na sua conclusão, sem possibilidades de fuga. Eu dizia para mim mesmo: “Um dia saberei também concluir, como o Mestre Costa!”

    Meu encantamento era tanto maior quanto percebia que o professor chegava a conclusões com as quais muitos estavam em desacordo. Em geral, os pretensos “espíritos fortes”, homens bigodudos, vistosos, com aparência de mandões e que julgavam a época da Religião já ultrapassada. Pois o Mestre Costa começava a dispor sua argumentação, pensamento a pensamento, comprimindo e silenciando o seu oponente, para as delícias de minha alma.

    Entusiasmo pela lógica inaciana

    Mas, em meio às suas digressões, essa lógica brilhava de maneira particular ao fazer o elogio da Companhia de Jesus e de Santo Inácio. Com uma característica curiosa: quando se exaltava nas exposições, a ponta do seu nariz movia-se ligeiramente. Essa peculiaridade atraía muito minha atenção, e era notada de forma especial quando ele se referia ao fundador. Eu pensava:

    “Está vendo? Esse homem é um brasileiro como eu, e hauriu as suas possibilidades mentais nesse mesmo Brasil em que estou. Se ele possui essa lógica dentro da alma, não a obteve da maré de relativismo que corroeu largamente a mentalidade atual, e sim de Santo Inácio, de quem ele é filho. O fundador dos jesuítas lhe concedeu essa dádiva.

    “Ora, se eu admirar infatigavelmente Santo Inácio, quem sabe este me concederá, a mim também, um pouco dessa lógica ? Depende de eu ser muito puro, inteiramente puro, intransigentemente puro… Porque este espírito não é dado a quem não é casto. Se eu perseverar na prática da castidade, começará a nascer em mim uma lógica como a do Mestre Costa, como a de Santo Inácio de Loyola. Vamos para a frente! Meu entusiasmo está adquirido!”

     

    Plinio Corrêa de Oliveira

     

  • Santo Inácio de Loyola – A coerência sem meios termos

    Uma conversão assumida com extraordinário vigor de espírito, a santidade abraçada e levada às suas últimas conseqüências: na vida de Santo Inácio de Loyola a força de vontade e as atitudes extremas foram uma constante, e sua inflexível coerência constitui, no dizer de Dr. Plinio, a nota mais bela da existência do grande Fundador da Companhia de Jesus.

     

    Santo Inácio de Loyola nasceu em 1491, na casa-torre dos senhores de Loyola, em Azpeitia, norte da Espanha. Era o décimo terceiro filho do casal e entrou aos l9 anos como pajem na corte do Rei Fernando V. Dotado de temperamento ardente e belicoso, a carreira das armas o seduziu. No cerco de Pamplona foi gravemente ferido na perna. Durante longa convalescença, por falta de livros de cavalaria, que o apaixonavam, deram-lhe para ler a Vida de Jesus Cristo e dos santos. Tal leitura foi para ele uma revelação. Compreendeu que  a Igreja também possuía sua milícia, a qual, sob ordens do representante de Cristo, luta para defender na Terra os interesses sagrados do Deus dos exércitos.

    Cavaleiro de Cristo e da Igreja militante

    Na célebre abadia de Montserrat, Inácio depõe a espada aos pés da Santíssima Virgem e sua alma generosa, outrora seduzida pela glória mundana, não mais aspira senão  pela maior glória do grande Rei que doravante servirá. Na noite da Encarnação, a 25 de Março, depois da confissão de suas faltas, fez a vigília de armas e pela Mãe de Jesus é armado cavaleiro de Cristo e da Igreja militante, sua esposa. Será em breve general da admirável Companhia de Jesus, suscitada pela Providência para combater o protestantismo, o jansenismo e o paganismo renascente. A fim de conservar em seus filhos a intensa vida interior que supõe a atividade militante à qual os destina, Santo Inácio lhes dá uma forte hierarquia e lhes ensina, em magistral tratado aprovado pela Igreja, seus Exercícios Espirituais que têm santificado milhares de almas.

    Tudo para a maior glória de Deus

    O lema que santo Inácio escolheu para sua milícia foram: “Ad Maiorem Dei Gloriam — Para a Maior Gloria de Deus”. Eis toda a sua santidade. E o fim da Criação, o fim da elevação do homem ao mundo sobrenatural, o fim dos preceitos do Evangelho em que almas generosas renunciam às coisas lícitas para se ocuparem mais livremente dos interesses de Deus e para lhe darem essa totalidade de glória acidental, cujo uso pelos homens, de coisas ilícitas, O havia privado. A 13 de julho de 1556 morre Santo Inácio, pronunciando o nome de Jesus. Sua Companhia, espalhada pelo mundo inteiro, contava então dez províncias e cem colégios.

    Homem de decisões extremas

    Sobre a vida de Santo Inácio de Loyola, cujos aspectos constituem um conjunto sobremodo arquitetônico e rico, poder-se-ia tecer inúmeros comentários. Entretanto, gostaria de ressaltar um lado que me parece ser a nota mais bela de sua existência, o ponto pelo qual ele brilhou especialmente no firmamento da Igreja.

    Refiro-me à sua força de vontade e de decisão que o fazia tomar, em todas as suas atitudes, a posição mais extrema, mais aguda, aquela que chegava ao fim último, sem meios termos.

    Tomemos em consideração, por exemplo, o conhecido episódio de sua perna quebrada no cerco de Pamplona. Não se pode conceber algo de mais tremendo do que um homem, então mundano e voltado para as honras terrenas, ao se ver na contingência de mancar para o resto da vida em virtude de um erro ortopédico, decidir mandar quebrar de novo o osso imperfeitamente consolidado para que a perna ficasse em ordem. E isto porque, pelos cânones da elegância naquele tempo, um fidalgo capenga seria malvisto na corte e teria sua carreira política e militar prejudicada.

    Ora, Inácio de Loyola encarou de frente o futuro que essa deficiência lhe traçava. Pesou tudo em sua crueza: “Quero viver na corte, desejo seguir a carreira militar. Se eu ficar coxo de uma perna, não brilharei entre meus pares, não dançarei, não terei valor algum como soldado. Ora, devo lutar, devo luzir na corte. Se não me livrar dessa carência física, minha vida está rateada. Então, vamos quebrar de novo esta perna!”

    Imaginemos agora um cirurgião munido dos instrumentos e métodos ortopédicos daquele tempo, desferindo pancadas sobre um osso mal jungido, rompendo-o e ligando-o de novo. O que isso significava de dolorido e dramático, só quem o sofreu pode saber!

    Em seguida, os longos dias e as horas intermináveis de inércia num leito, aguardando a consolidação do osso e a recuperação dos movimentos da perna, seriam horrivelmente enfadonhos para aquele homem super-ativo, afeito a batalhas e grandes realizações.

    Vê-se nessa atitude a decisão extrema do homem que mediu tudo e resolveu aceitar um sacrifício momentâneo em prol de seu futuro brilhante. Excluindo-se os motivos meramente mundanos que o levaram a essa situação, percebe-se naquele Inácio de Loyola o senso da preeminência do definitivo sobre o efêmero, uma fibra de alma para enfrentar tudo que fosse preciso e uma capacidade de olhar os problemas de frente que nos deixam admirados.

    Santidade levada às últimas conseqüências

    O mesmo vigor de espírito, a mesma força de decisão e de vontade ele empregará no momento de se converter e abraçar o chamado de Deus. Homem mundano e militar vaidoso, esquecido das coisas do Céu, sente-se tocado de modo irresistível pela graça e, como procedera em relação ao defeito físico, medita nas suas lacunas morais: “Tenho de encarar de frente as verdades eternas, o Céu, o inferno, a salvação ou a condenação. Recebi graças, compreendi como o ser autêntico católico significa dedicar-se ao serviço de Deus, a amá-Lo sobre todas as coisas nesta Terra e na eternidade. Não ser assim é procurar apenas a felicidade transitória do mundo, mas também o infortúnio e a injúria a Deus. Essa é a verdade, e tenho de encará-la.

    “Devo tirar todas as conseqüências que daí pendem para mim, Inácio de Loyola, e estas consistem em seguir a voz da graça que me pede, à vista dessas considerações, uma completa mudança de vida, vivendo ao contrário do que até agora vivi, construindo para mim uma existência feita de abnegação, de humildade, mas, sobretudo, de coerência. Serei coerente até o fim na verdade que considerei e abracei por inteiro”.

    E temos, assim, o programa de vida magnífico de Santo Inácio de Loyola. Ele não recuou diante de nada e empreendeu tudo quanto foi necessário para levar essa coerência até os últimos limites. Recordemos, por exemplo, o fato de ele se pôr como um mendigo, sujo e maltrapilho, pelas ruas de sua cidade, sendo reconhecido pelos seus antigos amigos fidalgos que o interpelavam com risos sarcásticos nos lábios:

    — Sois vós, Inácio? O que aconteceu?

    — Faço isto por amor a Deus e em reparação de meus pecados.

    Os outros riam mais alto e se afastavam. Se nos colocarmos, cada um de nós, na pele de Santo Inácio em semelhante situação, numa rua de nossa cidade natal, poderemos talvez aquilatar o que essa atitude representava de vitória sobre o amor próprio e os apegos mundanos.

    Pouco depois, ele funda a Companhia de Jesus, obra minúscula, constituída de meia dúzia de discípulos, com a intenção de deter a avalanche da reforma protestante pela Europa do século XVI. Santo Inácio decide realizar essa coisa extraordinária: uma ordem militar, no sentido mais elevado da palavra, para opor barreiras ao inimigo da Igreja.

    Mais uma vez, é a eterna coerência levada às últimas conseqüências. Ele empreende a obra jesuítica, levanta diques à Revolução e, afinal de contas, consegue salvar e preservar vastos territórios do mundo católico.

    Tratado da coerência humana

    Esse espírito coerente levado até o fim, esse tratado da genuína coerência humana se acha expresso nos célebres Exercícios Espirituais escritos por Santo Inácio. Da primeira à derradeira linha, tudo neles não é senão o ver os problemas de frente, sem nenhuma mitigação covarde.

    Poder-se-ia distinguir, nos Exercícios Espirituais, duas gamas de coerência levadas ao último ponto: uma, que é o pólo de todas as outras coerências, exprime-se pelo direito soberano de Deus, de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Santa Igreja Católica, de serem amados sobre todas as coisas pelos homens; a segunda se traduz pela desconfiança a nosso próprio respeito, pela consideração da maldade de toda criatura humana concebida no pecado original, pela falta de lealdade que cada um tem para consigo mesmo e nossa desonestidade em assumirmos os bons propósitos — o que, tudo, deve ser visto igualmente de frente e até o fim.

    Na junção dessas duas gamas de coerência temos uma obra característica da alma de Santo Inácio. Encontra-se ali uma super-coerência que só as almas autenticamente virginais possuem, e constitui para nós um indizível modelo de pureza de intenção, aliada à pureza do corpo.

    Pedir a graça de sermos coerentes na santidade

    Assim sendo, para concluir esses comentários, creio oportuno invocarmos a intercessão de Santo Inácio de Loyola, rogando a ele nos obtenha a graça de o imitarmos nessa sua extraordinária coerência. Que tenhamos, como ele, a coragem de vermos nossos defeitos de frente, por piores e desagradáveis que sejam, e, como ele, tenhamos a coerência sem meios termos para abraçar a verdade inteira, a virtude completa, o caminho da santidade levado até as últimas consequências.

    Claro está, sem a graça divina nada alcançamos. Sem a infalível proteção de Maria Santíssima, dificilmente vencemos nossa maldade e nossas fraquezas. Porém, rezando e confiando nesse patrocínio de nossa Mãe celeste, nossas defecções e debilidades serão sobrepujadas e obteremos de Deus os dons necessários para correspondermos à plenitude do que Ele deseja de nós.

    Pode mesmo parecer milagroso que alguém, considerando suas misérias, chegue ao grau de virtude de Santo Inácio de Loyola. Pois devemos pedir esse milagre da misericórdia divina, uma vez que a todos os homens são franqueadas as graças necessárias para alcançarem a perfeição.

    Seja essa a nossa ardente súplica ao grande Santo Inácio de Loyola em sua festa.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 30/7/1966)

     

  • Santa Ana e São Joaquim

    Expoentes da fidelidade a Deus no Antigo Testamento, São Joaquim e Sant’Ana ansiavam pela vinda do Messias prometido, desejando ardentemente estar entre os ancestrais do Salvador.

    Porém, segundo uma piedosa crença, os anos passavam, eles envelheciam e não lhes nascia um filho que alimentasse suas esperanças.

    Sabiam, no entanto, que as grandes esperas são o prelúdio dos grandes dons da Providência. Continuaram a confiar e não se viram desiludidos: eis que Sant’Ana concebe em avançada idade, e dá à luz Aquela que haveria de ser a Esposa do Espírito Santo e a Mãe do Verbo Encarnado.

    São Joaquim e Sant’Ana, magníficos exemplos de quem, sabendo esperar e confiar, recebe o cêntuplo das promessas divinas!

  • Brado de guerra

    São Tiago foi o Santo que exerceu grande atração na Idade Média, e o seu nome foi usado como brado de guerra pelos heróis da Reconquista espanhola.

    Para uma alma combativa, nada mais bonito do que imaginar que, quando ela já não fizer parte do número dos vivos, sua memória ficará, não como um sinal de conciliação, mas como um brado  de guerra! E que os bravos, no momento de arriscarem tudo, até a própria vida, pela causa católica, terão nos lábios esse nome como um símbolo de luta e de vitória, a ponto de ser este o último  nome que muitos deles pronunciarão, cheios de entusiasmo, antes de se apresentarem à glória de Deus e ao sorriso de Maria.

    Para muitos, este nome foi o de “Santiago!”

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/7/1967)

  • Santo Inácio de Loyola

    O grande Santo Inácio, fundador da Companhia de Jesus, à qual se deve a primeira e talvez a mais gloriosa e mais eficaz das Contra-Revoluções, que é a Contra-Reforma, tornou-se famoso pelo seu espírito pugnaz, pela sua penetração política, sua psicologia finíssima e pela capacidade que possuía de pregar extraordinários exercícios espirituais.

    Homem capaz de guardar segredo, de fazer no silêncio uma longa, complexa e subtil trama política, dotado de um espírito de autoridade invulgar, Santo Inácio exercia sobre os seus religiosos um mando total, que fez da Companhia de Jesus o próprio símbolo da obediência.

    Entretanto, esse mando que Santo Inácio exercia sobre os outros, ele começou por praticar sobre si mesmo: é um homem que tem o completo domínio sobre si.

    Ao contemplar sua fisionomia, tem-se a impressão de que se estourasse uma bomba nas proximidades, ele não se assustaria.

    Se tivesse que pegar uma espada para combater, ele não mostraria sanha, mas deveria ser um combatente excelente. Entretanto, ele possuía não o hábito de esgrimir com a espada, mas sim com argumentos. E, por nobre que seja esgrimir com espadas, é mais nobre ainda esgrimir com argumentos.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/1/1986)

  • A confiança produz grandes acontecimentos

    São Joaquim, esposo de Sant’Ana, provavelmente seria desprezado por não ter filhos, devido à esterilidade de sua esposa. Naquele tempo, isso constituía uma tristeza, pois o casal estéril estava privado de ser da ascendência do Messias.

    Por meio deste sofrimento aceito com confiança, Deus preparava a vinda do Salvador, do qual São Joaquim foi o avô.

    É assim que Deus prepara os grandes acontecimentos.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/8/1968)

  • Pedido a Maria assunta aos Céus

    Na vossa Assunção, ó Maria, vossa Pureza, vossa Fé e vossa Fortaleza encontraram, por fim, o prêmio merecido.

    Fazei-me puro, cheio de fé e forte para lutar convosco na Terra e vencer a Revolução, de modo a contemplar-Vos eternamente no Céu.

    Do alto da glória de onde reinais, sede para mim a Mãe de Misericórdia, apoiando-me em todas as minhas defecções, reerguendo-me em todas as quedas, perdoando-me em todas as faltas e amando-me em todos os instantes, de maneira que em tudo Vos ame, ó Rainha santa, que deveis ser o enlevo de toda a minha vida.

    Plinio Corrêa de Oliveira

  • São Charbel Makhlouf Modelo de contemplação e obediência

    As poéticas e lendárias montanhas do Líbano foram testemunhas e guardiãs de uma maravilhosa história de santidade: entre elas viveu e sublimou sua alma nas vias da perfeição o monge maronita Charbel Makhlouf. Um dos mais esplendorosos modelos de espírito contemplativo, conforme salienta Dr. Plinio ao analisar a extraordinária fisionomia deste santo.

     

    Para bem compreendermos a figura de São Charbel Makhlouf devemos nos situar no panorama e no povo em que ele viveu.

    Cenário majestoso e poético

    Era árabe e habitava no Líbano, naquelas regiões repletas de poesia e tantas vezes descritas pela Escritura: altas montanhas junto ao Mediterrâneo, que deixam apenas uma língua de terra entre elas e o mar. Montanhas revestidas por algo de sagrado, pois lembram particularmente a Deus Nosso Senhor, talvez pela proximidade da Terra Santa e pela sua majestade. Evocam também Nossa Senhora, comparada a um monte colocado acima de todos os outros.

    Essas regiões eram recobertas por uma vegetação maravilhosa — hoje muito dizimada —, constituída sobretudo pelos cedros do Líbano, possantes e bonitos, os quais na linguagem da Bíblia representam a árvore por excelência.

    Tipicamente contemplativo

    A alma do árabe pode ser considerada sob três aspectos. O contemplativo, que vive no alto de um monte, recolhido, isolado, imaginoso, sedento do maravilhoso: olha para as estrelas e para os cedros, e parece ver estes tocarem naquelas; sente a brisa e a compara com o espírito.

    Há ainda o árabe prático, ativo, realizador, e também o guerreiro, cujas proezas o tornaram famoso na História.

    São Charbel Makhlouf era tipicamente um árabe contemplativo, que traz no fundo do olhar todo o mistério das noites do Oriente, assim como os de suas próprias meditações, de sua própria alma. Um homem que passou a vida inteira num cenóbio, imerso no mais completo silêncio, em contínua contemplação e numa inteira obediência, procurando única e exclusivamente conhecer e amar a Deus, e fazer a vontade d’Ele custasse o que custasse. Nesse intuito, enfrentou dificuldades e catástrofes, com o espírito sobrenatural e a obstinação dos santos.

    Total desapego

    Adquiriu alto grau de interioridade, um total desapego de si mesmo, mantendo-se invariável quando era humilhado e desprezado dentro de sua comunidade religiosa. Por exemplo, ele praticava a obediência ao pé da letra, conforme prescreve a regra monástica. Porém, em certas situações, é intuitivo que o religioso deve tomar uma atitude não prevista na regra. Posto diante de circunstâncias assim, São Charbel se dirigia ao superior, e este lhe dizia:

    — Não lhe darei resposta, porque é impossível que o senhor seja tão burro a ponto de não compreender o que deve fazer nessa emergência!

    Não se pode menosprezar mais alguém do que tratá-lo dessa maneira. Mormente se o outro nos vem consultar, manifestando toda a sua dependência e vassalagem. Ora, qual era a reação de São Charbel Makhlouf?

    Permanecia parado diante do padre superior, até que este o dispensasse. Nosso santo fazia uma vênia e se retirava. Sem externar a menor queixa, nem lamentação nem gemido. Aquela inclinação de cabeça significava dizer interiormente: “faça-se em mim a vontade de Deus, expressa na vontade de meu superior”.

    Sem mistérios para si mesmo

    Feita essa introdução do personagem, analisemos uma difundida fotografia de São Charbel Makhlouf. Exceptuado a Sagrada Face do Santo Sudário de Turim, e algumas imagens de Nossa Senhora, não conheço fisionomia que a mim fale tanto quanto essa. Ela é útil para adequarmos nosso modo de ver. Pois, assim como duas quantidades iguais a uma terceira são iguais entre si, assim duas pessoas que admiram a mesma fisionomia têm homogeneidade entre si.

    À primeira vista chama a atenção a predominância da cor preta na fotografia: o gorro e o traje de São Charbel são negros, contrastando com a barba muito alva que se divide ao meio. Trata-se de uma pessoa inteiramente categórica: o que pensa, pensa; o que quer, quer, e o que faz, faz. Exímio observante da obediência, mas um homem de vontade férrea. Há uma extraordinária regularidade dos traços: o oval proporcionado da face, o bonito desenho das sobrancelhas, e as maçãs do rosto formando um todo muito harmonioso, como se fossem a expressão de sua coerência. O nariz, tipicamente árabe, possui algo de aquilino, da grandeza e da firmeza da águia. Dir-se-ia que esse homem, se tivesse asas, voaria como essa ave e alcançaria o mais alto do céu.

    O que mais impressiona, porém, são os olhos. Fixos num ponto indefinido, são olhos de pensador, do homem de meditação que não se preocupa com banalidades, mas considera todas as coisas sabendo que, detrás e acima delas, está a grandeza de Deus. Seu olhar acha-se voltado, ao mesmo tempo, para o infinito e para si mesmo. Sua alma não lhe reserva mistérios, pois é objeto de um contínuo exame de consciência. Ele conhece o que se passa no seu interior e a qualquer momento pode dizer se cresceu, se diminuiu no amor de Deus. Enfim, é um espelho para si mesmo.

    Diante dele, respeito e silêncio

    Nota-se nele uma indiferença em relação a tudo que não se refere a Deus; não lhe afligem ambições de honras, nem preocupações com dinheiro; nada de vaidade, sentimentalismo, pena de si. Somente uma firme constância em atingir o ideal — Deus — e uma limpeza de alma por onde, confiando na misericórdia divina, ele sabe que O agrada.

     Se alguém pretender oferecer-lhe qualquer coisa que o desvie de sua trajetória espiritual, a recusa será tão completa que não se terá coragem de fazê-lo. Ele desarma previamente qualquer proposta desonesta. Diante desse homem, a única atitude razoável é o silêncio, o respeito e, por fim, o pedido de orações.

    Sofrimento padecido com temperança

    A fotografia revela também a alma de um sofredor. Percebe-se montanhas de sofrimento cristalizadas em seu interior. Porém, padeceu com tanta temperança, que todas as tempestades sopraram dentro dele e o deixaram mais rígido, mais firme. De maneira que se trata de um ancião, é verdade, mas inteiramente composto, e não decrépito. Homem profundamente equilibrado, que aceitou o sofrimento por completo e ficou além da dor; nada mais o assusta. Na Terra, não tem outro medo senão o de pecar; outra esperança, senão a do Céu.

    Imaginemos que, no canto de um claustro, encontremos de repente um homem desses. Seríamos colhidos por uma sensação de sumo respeito, e não ousaríamos dizer-lhe nada de trivial. Provavelmente, permaneceríamos silenciosos.

    Mansidão e bondade autênticas

    Poder-se-ia, então, objetar que um homem com tanta força de espírito não teve bondade, mansidão, misericórdia e paciência.

    Ora, sendo ele um santo canonizado pela Igreja, foi portanto muito compassivo, misericordioso, paciente e manso. A palavra de Nosso Senhor — “bem-aventurados os mansos porque possuirão a Terra” (Mt 5, 5) — realizou-se nele por inteiro, uma vez que era um bem-aventurado.

    Cumpre, porém, esclarecer que os homens verdadeiramente mansos, pacientes, bondosos e misericordiosos não são os que têm fisionomia perpetuamente risonha e que condescendem com os maus. As virtudes sempre são homogêneas e uma atrai outra. Assim, o homem severo é misericordioso; o de espírito lógico, tem pena do ilogismo do próximo; o desapegado sente compaixão pelos apegados; e o que possui vida interior tem misericórdia da dissipação dos outros.

    São Charbel Makhlouf é o patrono não só das almas parecidas com a dele (para que se tornem cada vez mais perfeitas), mas também daquelas que padecem dos defeitos opostos às suas qualidades, as dissipadas, as “microlíticas” ou “megalóticas”(1), aquelas voltadas para as ambições terrenas, agitadas, aflitas, inconstantes. Certo estou de que se uma pessoa nessas condições se aproximasse de São Charbel, apesar dos defeitos dela, seria recebida com uma doçura inimaginável.

    Gorro singelo e imponente

    Uma palavra sobre o gorro usado pelo santo. O desenho assemelha-se ao de uma pequena pirâmide. De uma só cor, forma singela, entretanto digno, imponente e até majestoso. É próprio da genialidade da Igreja inspirar a pobreza e nela inserir uma distinção que chega a torná-la grandiosa. Esse gorro, talvez imposto pelo clima e outras circunstâncias daquela região do Líbano, é simples como um chapéu de camponês; sobre a fronte venerável de Charbel Makhlouf torna-se harmonioso e digno, adequado a este santo admirável e meditativo, de cuja vida conhecemos algumas edificantes passagens(2).

    Mártir da vida de obediência

    Quando menino, levava uma vaca para pastar num campo pertencente à sua família. Ali havia uma espécie de gruta que servia de refúgio durante o calor. Quando ele notava que o animal tinha se saciado, dizia-lhe: “Repouse aqui; agora é minha vez e vou recitar minhas orações”. A rês então se deitava e ficava quieta até ele terminar de rezar. Esse prodígio repetiu-se tantas vezes que o lugar mudou de nome e passou a chamar-se “el-Qaddis”, ou seja, “o santo”.

    Tornando-se moço, entrou na Ordem religiosa de eremitas maronitas e vestiu o hábito que, na linguagem florida do oriente, era conhecido como o “traje angélico”: túnica preta, com tecido abundante, e um cordão feito de pele de cabra. Foi-lhe dado o nome de Charbel, um mártir de Edessa do segundo século, comemorado no rito maronita em 5 de setembro.

    Enquanto noviço, São Charbel destacou-se pelo cumprimento perfeito da regra, com muita humildade. Poder-se-ia pensar que essa observância representa uma falta de personalidade, de domínio de si, pois a pessoa faz aquilo que os outros mandam. Nada de mais equivocado, pois não há nenhum homem para quem não seja difícil fazer o que os outros ordenam. A vida de obediência, em si, é um verdadeiro martírio. Esse martírio São Charbel Makhlouf viveu, numa imolação para fazer tudo de acordo com o espírito do Fundador e não a seu talante, movido por inspiração mundana.

    Vontade de ferro no cumprir os Mandamentos

    Porém, quando se tratava dos Mandamentos, ele manifestava a sua vontade de ferro, até mesmo contrariando suas obrigações de obediência, como atesta o seguinte fato. Certa vez uma moça, impressionada com a seriedade e dignidade do noviço, quis submetê-lo a uma prova e por duas vezes atirou-lhe no rosto um casulo, querendo assim forçar Charbel a sair de sua imperturbabilidade e de seu silêncio. O noviço ficou tão indignado que, percebendo os subentendidos maliciosos desse gesto, naquela mesma noite, sem dizer nada a ninguém, saiu furtivamente do mosteiro e dirigiu-se para outro bem distante, o de São Maron de Annaya, a fim de ali continuar seu noviciado.

    Importa salientar que essa atitude não era contrária à regra, pois ele tinha direito de mudar de convento para outro, sem consultar os superiores. E segundo a biografia, ele andou durante 4 horas, à noite, até chegar ao Convento de São Maron de Annaya, onde passaria o resto dos seus dias. Refulge, em tal episódio, a intransigência de um santo quando se trata de guardar a virtude e, nesse intuito, não poupar nenhum sacrifício.

    Estabilidade na santidade

    Em 1853, Frei Charbel Makhlouf foi admitido a receber o hábito monástico e pronunciar os votos solenes que tornavam irrevogável seu propósito de entrega total a Deus e de perfeição no exercício das virtudes. Recitou a fórmula dos votos de obediência, castidade e pobreza segundo a regra da Ordem, bem como o de renunciar à procura de qualquer dignidade ou proeminência, tanto na Ordem quanto fora dela.

    Recebeu a ordenação sacerdotal em 1859 e, segundo seu biógrafo, um exame atento de todos os testemunhos recolhidos para a causa de beatificação de Charbel dão a exata impressão de que, do primeiro ao último dia de sua existência religiosa, ele permaneceu firme num modo de vida sempre igual, seguro, homogêneo, uniforme. E embora ele tenha passado um período eremítico fora das paredes do convento, a mudança das condições exteriores em nada influenciou o seu progresso interior. Quer dizer, desde o princípio ele demonstrou ser um grande santo, e se manteve nesse planalto até o fim de seus dias. Aliás, essa estabilidade na santidade é inteiramente concorde com a fisionomia que acabamos de analisar.

    Fé profunda

    Atestam seus contemporâneos que, em tudo quanto fazia, sentia-se sua fé profunda. Por exemplo, rezando a Missa, no momento da Consagração, às vezes lágrimas lhe saltavam dos olhos. O Pe. Francesco as-Sibrini, que conheceu São Charbel treze anos antes de sua morte, dizia: “Ele não permitia que o material usado antes da celebração da Missa, como o sabão e a tolha de mão, fosse utilizado para outra finalidade. Terminada a Eucaristia, logo depois da ação de graças, mandava lavar a toalhinha, para sempre ter as mãos modelarmente limpas ao celebrar o santo sacrifício.”

    Se ele assim cuidava para retirar a poeira das mãos, quanto mais fazia para extirpar a da alma!

    Outros religiosos diziam: “Assistíamos freqüentemente a Missa celebrada por ele e parecia-nos que via com seus olhos o Filho de Deus. Sua voz era baixa e seu rosto refletia a alegria interior”. Quer dizer, tinha-se a impressão de que São Charbel conversava com Nosso Senhor durante a celebração eucarística.

    Um irmão leigo disse que ele parecia não saber fazer outra coisa senão rezar, celebrar a Missa e observar a regra. E outro afirmou: “Charbel se distinguia de todos os outros monges, como um grande carvalho se diferencia de uma ervinha do campo”.

    Uma lâmpada acesa com água…

    Por fim, vale recordar o famoso milagre da lamparina. Certa ocasião, Charbel voltou de seu trabalho no campo, na hora do jantar. E, na presença dos outros monges, pediu ao irmão despenseiro — que guarda os mantimentos do mosteiro e os distribui aos frades — colocasse um pouco de óleo em sua lamparina, para que ele pudesse rezar o Ofício na cela. O irmão o reprovou:

    — Por que não viestes antes, durante o dia?

    — Eu estava no campo — respondeu Charbel, confuso.

    — Por penitência, não tereis óleo esta noite. Ide embora.

    Charbel inclinou a cabeça, obedeceu e retirou-se. Perto do refeitório havia uma jarra cheia de água sobre um banco, e ao passar por ela Charbel tomou um pouco daquele conteúdo para sua lamparina e seguiu em direção à cela.Com a máxima simplicidade, acendeu o pavio e rezou o Ofício com a luz bruxuleante, durante duas horas.

    Quando soou o sino indicando o início do silêncio, todos os monges apagaram suas luzes, permanecendo acesa apenas a do quarto de Charbel. Compreende-se, pois ele era obrigado a recitar diariamente o Breviário. Aconteceu, porém, que o Superior do convento reparou naquela luz que continuava a rebrilhar, e perguntou a um servente que se achava junto dele naquele momento:

    — Quem está com a luz acesa?

    — Não sei.

    Preocupado com aquela infração da regra, o superior dirigiu-se rapidamente na direção daquela luz solitária e deu-se conta de que provinha da cela do Padre Charbel Makhlouf. Abriu com energia a porta, e perguntou:

    — O senhor não ouviu o sino? Por que não apagou a luz? Não fez por acaso voto de pobreza?

    Charbel se pôs de joelhos e, inclinando a cabeça até o solo, pediu humildemente perdão:

    — Voltei do campo e sou obrigado ainda a rezar o Ofício. Estou agora cumprindo esse dever.

    O servente que acompanhava o superior confirmou a explicação de Charbel, acrescentando:

    — É estranho. Onde pôde ele encontrar o óleo, se o despenseiro lho recusou?

    O superior então perguntou a Charbel:

    — De onde o senhor tirou esse óleo?

    O Padre Charbel hesitou em responder, ajoelhou-se novamente e disse:

    — Perdoe-me, pelo amor de Nosso Senhor.

    Quer dizer, como se tivesse sido culpado, quis ocultar o milagre. Porém, face à insistência do superior, confessou:

    — Coloquei um pouco de água em minha lamparina, para concluir a recitação do Ofício.

    O superior estava disposto a crer apenas se visse com os próprios olhos. Tomou a lamparina, a qual logo se apagou em suas mãos. Então entornou o líquido no chão e, à luz de uma vela, verificou do que se tratava; era mesmo água! O superior enrubesceu e, ao se retirar, murmurou ao Padre Charbel:

    — Reze por mim…

    O fato é tão extraordinário que dispensa comentários.

    “Como se houvesse morrido há pouco”

    Ele morreu na vigília do Natal de 1898. No dia 15 de abril de 1899 começou a singular aventura do corpo do santo. Com a presença do superior do convento, dos monges e de um grupo de leigos dos quais dez haviam assistido 4 meses antes ao sepultamento, o túmulo foi reaberto.

    Devido a infiltrações de água, o local tornara-se um pântano no qual parecia boiar o corpo de Charbel. Este, embora coberto ligeiramente por uma espécie de musgo, estava completamente intacto. Tenro, todas as juntas flexíveis, os cabelos e a barba como ele os tinha em vida, com um ou outro fio prateado. Nos flancos do cadáver eram visíveis ainda os traços do cilício que ele usara a vida inteira. O corpo transudava continuamente, sem explicação, um líquido sanguinolento.

    O corpo de Charbel foi depositado numa urna e a cada duas semanas os monges precisavam mudar seu hábito. Médicos do país e especialistas da Europa foram interpelados, em várias ocasiões, a respeito dessa transudação sanguínea, mas ninguém logrou dar uma explicação do fenômeno, tanto mais estranho quanto mais constante. Como é natural, esse líquido foi usado para curas e operar milagres. Era uma relíquia do santo.

    Em 15 de outubro de 1926, o cadáver foi sujeito a novo e apurado exame. A pele, em várias partes, ainda estava fresca e as articulações flexíveis. Tinha-se a impressão de que Charbel havia morrido há pouco. Eram ainda visíveis os traços do cilício e, nos joelhos, os calos devidos às suas intermináveis orações. E continuava a misteriosa transudação do líquido.

    Temos assim, um modelo magnífico de varão que abraçou as vias da santidade desde os primórdios de sua existência e a levou até o fim de seus dias. E depois de sua morte, essa trajetória de perfeição é coroada por estupendos milagres.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em  24/1/1972 e 1/2/1972)

     

    1) Microlítico e megalótico: Termos criados por Dr. Plinio para caracterizar, o primeiro, as almas dominadas pelo vício da “microlice”, ou seja, as que se preocupam apenas com coisas pequenas (micros), tornando-se mesquinhas e de estreitos horizontes. O segundo se refere às pessoas eivadas pelo vício da “megalice”, isto é, julgam erroneamente possuir grandes (“megas”) qualidades ou exageram as que têm.

    2) Dr. Plinio comenta alguns trechos do texto biográfico “O perfume do Líbano”, de Salvatore Garofalo, Editora Àncora, Milão.

     

     

  • Combatividade, sagacidade e obediência

    Em Santo Inácio de Loyola brilha de modo muito particular um santo radicalismo. Ele nunca tomou uma atitude que, em seu gênero, não fosse radical. Todas as suas tomadas de posição visam um fim último. E essa é, a meu ver, a nota mais bela da vida de Santo Inácio.

    Uma das maiores belezas da alma dele é o seu desejo de ir até o extremo em todas as virtudes, das quais, três me encantam particularmente: a combatividade, a sagacidade e a obediência. Nestas, Santo Inácio chegou a extremos realmente admiráveis!

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 31/7/1964 e 21/3/1974)