Categoria: Santos do dia

  • Prece à Padroeira do Brasil

    Ó Senhora Aparecida, a hora é de aflição! Melhor do que qualquer  brasileiro, o sabeis Vós, que sois Mãe de todos eles. Crise sócio-econômica, crise moral, mais grave que tudo, crise religiosa! O que num país fica fora da crise, quando ela se instalou em todos esses domínios?

    Sem embargo de toda essa crise, vamos transpondo gloriosamente um marco histórico. Pois estamos entrando no rol das nações que, por sua importância, determinam o rumo dos acontecimentos presentes e têm em suas mãos os fios com que se tece o futuro dos povos.

    Neste momento de apreensões e esperanças de glória, ó Senhora, vimos agradecer-Vos os benefícios que, Medianeira sempre ouvida, nos obtivestes de Deus onipotente. Agradecemo-Vos o território de dimensões continentais, e as riquezas que nele pusestes.

    Agradecemo-Vos a unidade do povo, cuja variegada composição racial tão bem se fundiu no grande caudal étnico de origem lusa — e cujo ambiente cultural, inspirado pelo gênio latino, tão bem assimilou as contribuições trazidas por habitantes de todas as latitudes.

    Agradecemo-Vos a Fé católica, com a qual fomos galardoados desde o momento bendito da Primeira Missa. Agradecemo-Vos nossa História, serena e harmoniosa, tão mais cheia de cultura, de preces e de trabalho, do que de desavenças e de guerras. Agradecemo-Vos nossas guerras justas, iluminadas sempre pela auréola da vitória. Agradecemo-Vos nosso presente, tão cheio de esperanças, sem embargo das crises que nos assolam.

    Agradecemo-Vos as nações deste Continente, que nos destes por vizinhas e que, irmanadas conosco na Fé e na raça, na tradição e nas esperanças do porvir, percorrem ao nosso lado, numa convivência sempre mais íntima, o mesmo caminho de apreensões e de ascensão.

    Agradecemo-Vos nossa índole pacífica e desinteressada, que nos inclina a compreender que a primeira missão dos grandes é servir, e que nossa grandeza, que desponta, nos foi dada não só para nosso bem, mas para o de todos. Agradecemo-Vos o nos terdes feito chegar a este estágio de nossa História, no momento em que pelo mundo sopram tempestades, se acumulam problemas, terríveis opções espreitam, a cada passo, os indivíduos e os povos. Pois esta é, para nós, a hora de servir ao mundo, realizando a missão cristã das nações jovens deste hemisfério, chamadas a fazer  brilhar, aos olhos do mundo, a verdadeira luz que as trevas jamais conseguirão apagar.

    * * *

    Nossa oração, Senhora, não é, entretanto, a do fariseu orgulhoso e desleal, lembrado de suas qualidades, mas esquecido de suas faltas.

    Pecamos. Em muitos aspectos, nosso Brasil de hoje não é o País profundamente cristão com que sonharam Nóbrega e Anchieta. Na vida pública como na dos indivíduos, terríveis germes de deterioração se fazem notar, que mantêm em sobressalto todos os espíritos lúcidos e vigilantes.

    Plinio Corrêa de Oliveira

  • Feudo da Rainha do Céu

    É um fato curioso e edificante na vida da Igreja que, sendo esta depositária das verdades teológicas as mais altas e complexas, a massa dos fiéis, entretanto, servida por uma especial acuidade de visão, penetra e vive essas verdades ainda mesmo quando seu nível cultural pareceria vedar-lhe o acesso a qualquer atividade intelectual de ordem superior. Em tudo que se relaciona com a devoção a Nossa Senhora, esta observação se comprova com toda a clareza.

    Com efeito, a doutrina marial e a devoção à Virgem Maria têm crescido constantemente, desenvolvendo-se, porém, não à moda de hipérboles afetivas e meramente literárias, mas como uma torre de raciocínios, firme como o granito, à qual cada geração de teólogos acrescenta mais alguns andares solidamente esteados no esforço diligente desenvolvido pela razão a fim de descobrir todo o alcance e extensão das verdades reveladas.

    Entretanto, é tocante observar como a piedade popular, ignorando muitas vezes os argumentos da Teologia sagrada e deixando-se guiar em grande parte pela finura de sua sensibilidade, desce até  o âmago profundo das verdades teológicas ensinadas pela Igreja e sabe vivê-las com uma autenticidade de convicções e sentimentos que não se poderia explicar sem a ação do Espírito Santo.

    Não há um povo que não tenha ao menos um grande Santuário nacional erigido em honra de Maria Santíssima, no qual a Rainha do Céu faça chover sobre os homens, com abundância, as graças  espirituais e temporais.

    A Igreja nunca mandou que cada povo erigisse um Santuário nacional particularmente dedicado à Santíssima Virgem, mas se limitou a definir as verdades mariais. Na maioria dos casos, a piedade entusiástica dos fiéis tem seguido seu curso, a ponto de se poder sustentar que quase todas as festas de Nossa Senhora e as formas de piedade com que Ela é honrada nasceram na massa dos fiéis espontaneamente ou por meio de revelações particulares, sendo posteriormente sancionadas pela Igreja.

    Isto porque a piedade popular sente viva e profundamente que Nossa Senhora é, na realidade, a Mãe de todos os homens, e especialmente dos que vivem no aprisco da Igreja de Deus. E sente, ainda, que a mediação d’Ela é a porta segura para se ter acesso junto ao trono do Criador.

    Fazendo estas reflexões, lembro-me de Aparecida do Norte e das impressões profundas que tenho colhido sempre que ali vou rezar aos pés da Padroeira.

    Onde, no Brasil inteiro, um lugar para o qual, com tanta e tão invencível constância, se voltam os olhos de todos os brasileiros?

    Quem, ao ouvir falar em Nossa Senhora Aparecida, pode não se lembrar das súplicas abrasadoras de mães que rezam por seus filhos doentes; de famílias que choram, no desamparo e na miséria, o bem-estar perdido e se voltam para o trono da Rainha da clemência; de lares trincados pela infidelidade; de corações ulcerados pelo abandono e pela incompreensão; de almas que vagueiam pelo reino do erro à procura do esplendor meridiano da  Verdade; de espíritos transviados pelas veredas do vício que procuram, entre prantos, o Caminho; de almas mortas para a vida da graça e que querem encontrar, nas trevas de seu desamparo, as fontes de uma nova Vida?

    Onde se pode sentir de modo mais vivo o calor ardente das súplicas lancinantes e a alegria magnífica das ações de graças triunfais?

    Onde, com mais precisão, se pode auscultar o coração brasileiro que chora, que sofre, que implora, que vence pela prece, que se rejubila e que agradece, do que na Aparecida?

    E sobretudo, onde é mais visível a ação de Deus na constante distribuição das graças, do que na vila feliz, que a Providência constituiu feudo da Rainha do Céu?

    Plinio Corrêa de Oliveira

    (“Pro Maria fiant maxima”, Legionário, N.º 379, 17 de dezembro de 1939)

     

  • O Rosário

    Se algum apóstolo quiser saber como será julgada sua vida no tribunal do Eterno Juiz, não indague tanto dos caminhos que palmilhou, ou das gotas de suor que de sua fronte gotejaram. Indague, sim, das horas passadas de rosário em punho aos pés do Tabernáculo.

    Plinio Corrêa de Oliveira

  • São Francisco de Borja – flexibilidade para adaptar-se a todas as almas

    Vendo no caixão o cadáver da Primeira Dama da Cristandade, a qual possuía imensa majestade, Francisco recebeu insigne graça: abandonou todas as suas glórias terrenas para se tornar um jesuíta.

    A respeito de São Francisco de Borja – Presbí­tero, Duque de Gândia e Geral da Companhia de Jesus, no século XVI -, há uma ficha biográfica que assim resume a sua vida:

    Piedoso e fiel cumpridor dos seus deveres

    No dia 30 de setembro de 1572, São Francisco de Borja, terceiro Geral da Companhia de Jesus, entregava sua alma a Deus com a serenidade confiante do homem que sempre cumpriu seu dever. Esse dever tinha sido muito variado na sua existência movimentada. Filho de João de Borja e Joana de Aragão, neta de Fernando, o Católico, ele foi numa primeira fase um elegante e hábil cavalheiro, confidente do Imperador Carlos V, que o nomeou Vice Rei da Catalunha. Depois ele se tornou jesuíta, Vigário Geral da Companhia para a Espanha. Posteriormente foi sucessor de Santo Inácio e, enfim, legado da Santa Sé. São Francisco de Borja esteve sempre atento em pertencer ao Rei do Céu e de militar sob seu estandarte, de preferência a se comprometer com os poderes da Terra.

    Francisco nasceu no dia 28 de outubro de 1510. Sua infância e sua juventude passaram-se numa piedade e numa inocência que foram uma lição para seus pais e seus amigos, mas o exemplo foi maior ainda pela vida cristã e austeridade que ele soube ter na corte do Imperador Carlos V, e depois como Vice Rei da Catalunha.
    Em termos lhanos e diretos, e mais ao nosso gosto, isso tudo quer dizer que ele foi uma criança exemplar, mas que, quando se tornou moço e depois homem maduro e ocupou altos cargos públicos, a sua piedade ainda chamava mais a atenção.

    A graça da visão da morte

    A morte da Imperatriz e depois a de sua própria esposa lhe mostraram o vazio de todas as coisas da Terra. Ele resolveu, então, abandonar o mundo e entrar na Companhia de Jesus em 1551, ano em que foi ordenado padre.

    Esse é um dos episódios célebres da vida de São Francisco de Borja. Ele era cortesão e muito próximo a Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano Alemão e Rei de Espanha. Temos várias vezes tratado de Carlos V, por causa do grande papel que ele ocupa na História do Ocidente. Ele era tão poderoso que o Sol jamais se deitava em seu império. As suas terras iam desde os confins da Rússia até a América do Sul e parte do México até Oceano Pacífico. Era, portanto, um Império imenso que compreendia não só a Espanha e suas possessões na América, mas também possessões que a Coroa da Espanha tinha na Itália, as quais eram de uma grande importância no mundo. O Sul da Itália pertencia a Carlos V; por outro lado, na Lombardia, que tem como capital, Milão, Carlos V também tinha domínios.

    São Francisco de Borja, sendo íntimo do Imperador, tinha conhecido muito bem a Imperatriz — que possuía imensa majestade e era a primeira dama da Cristandade no seu tempo — e teve ocasião de ver o corpo dela estendido no caixão. Ao contemplá-la assim aniquilada pela morte, ele recebeu uma graça.

    O próprio de certas graças é de darem uma vida extraordinária às verdades que, para nós, são correntes, comuns, sabemos até o que querem dizer, mas impressionam pouco o nosso espírito. Assim é a graça da visão da morte. Uma pessoa pode passar uma noite inteira numa capela, velando um cadáver, sem que isso lhe toque muito especialmente; mas, de repente, por uma graça de Deus, tudo quanto a aniquilação da morte significa vêm ao espírito dela e lhe fala na alma com uma força particular, especialmente a sabedoria. E foi o que se deu com São Francisco de Borja. Ao ver a Imperatriz morta, ele percebeu bem o vácuo de certas grandezas, porque elas passam: a grandeza da Imperatriz, a grandeza do Império, a grandeza dele, que não era senão um adorno do Império; ele, então, se colocou diante da ideia de renunciar a todas as suas grandezas e de se tornar jesuíta.

    Nomeado como diretor da Companhia de Jesus na Espanha

    Para que compreendamos bem, é preciso notar que, além de ser ViceRei da Catalunha, o título de Duque de Gândia lhe dava poder sobre uma certa parte do território espanhol; uma jurisdição feudal, à maneira de um pequeno reino, a qual nem dependia do Imperador, pois ele a possuía por direito próprio. Tudo isso ele abandonou para entrar na Companhia de Jesus, que era naquele tempo uma Ordem religiosa nova, que não tinha nem um pouco a força, a tradição, a base que as outras grandes Ordens possuíam, ou aquela pobreza ilustre da Ordem de São Francisco. Quer dizer, de fato ele entrava para uma obra nova, o que, debaixo de certo ponto de vista, lhe poderia ser uma aventura. Ali ele foi encerrar-se até o fim de seus dias para procurar os bens do Céu, muito certo da vacuidade das coisas da Terra.

    Ele ali foi ordenado sacerdote, e Santo Inácio de Loiola, percebendo suas virtudes, deu-lhe a direção da Companhia de Jesus na Espanha. É preciso compreender também o que significa isso, da parte de Santo Inácio.

    A Espanha, como vimos, era naquele tempo uma potência imensa. Dentro dos Estados de Carlos V, a Espanha e a Áustria eram os dois países mais importantes, mas para a Religião a Espanha tinha mais importância do que a Áustria. Porque, embora a Áustria fosse muito católica, a Espanha era a nação mais católica da Terra. E era da Espanha que sopravam os ventos da Contra-Reforma, da luta contra o protestantismo, de maneira que agir na Espanha significava atiçar as melhores brasas contra a heresia, movimentar as melhores forças da Igreja contra a Reforma, contra o Humanismo, contra a Renascença. Compreendemos sem esforço a importância que tinha o cargo de chefe dos jesuítas na Espanha. Quer dizer, chefe da Ordem religiosa suscitada especialmente por Nossa Senhora para lutar contra o protestantismo, no país escolhido para combater essa heresia. Ou seja, foi-lhe dada a alavanca fundamental dessa luta.

    Sorrir com quem ri, chorar com quem chora

    Em 1566 foi eleito Geral da Companhia de Jesus, sendo o segundo a ocupar este cargo, após Santo Inácio de Loiola. Ele aumentou muito o número de missionários da Companhia de Jesus, enviando-os à Polônia, ao México, ao Peru e à Índia. Suas ocupações numerosas não o impediam de consagrar longas horas à oração. Sua caridade o adaptava a todas as almas. Sua humildade fazia com que ele procurasse os ofícios mais insignificantes e recusasse as honras que lhe quisessem prestar.

    Essas palavras são bonitas, mas parecem uns enfeites aos quais se está habituado. Elas comportam, entretanto, uma especificação.

    Em primeiro lugar, ele foi Geral da Companhia de Jesus. Tal foi o poder dessa Ordem no passado, que o Geral dos jesuítas era chamado de “O Papa negro”.

    Não sei se os presentes neste auditório se dão bem conta do que significa se adaptar a todos.

    No tempo em que eu era moço, havia uma cançãozinha que se cantava nas igrejas com muita compostura, quando acabavam os ofícios litúrgicos e o povo ia saindo: “Saudemos a Jesus, saudemos a Maria, a Fé se reanima, nobilita e dá energia”. E a horas tantas, os fiéis cantavam o seguinte a Nossa Senhora: “Vem sorrir com quem ri, chorar com quem chora; sê amparo e sê força, sê guia e sê luz”. Isso sempre me impressionou muito em Nossa Senhora: sorrir com quem ri e chorar com quem chora. Maria Santíssima se afaz a todos estados de espírito do homem: Ela é a quietude dos que descansam, a exaltação dos que lutam, o sorriso dos que estão distendidos, Ela chora com os que choram, e assim por diante.

    Há uma qualidade excelente da alma, por onde um santo pode adquirir esta flexibilidade em que ele sabe, com cada um, estar no estado de alma daquele. Mas que elasticidade provavelmente isso significa, que força de adaptação isso deve custar! Porque ninguém quer estar no estado de espírito do outro. Cada pessoa quer estar no estado de espírito próprio e deseja que o outro se adapte a ela. O indivíduo entra alegre numa sala e quer que todo mundo faça cara alegre. Razão? Ele está alegre! E quando está triste, ele tem raiva dos outros que estão alegres. É ou não é verdade que esse indivíduo se julga o centro do mundo? Compreendemos, assim, toda a destreza que está representada nessa virtude de saber afazer-se à alma dos outros.

    Santa Teresa, que recorreu aos seus conselhos, chamou-o de santo. Em 30 de setembro de 1572 ele morreu. Numerosos milagres assinalaram sua santidade. Clemente X o canonizou em 1671.

    Ele foi conselheiro de Santa Teresa de Jesus. Imaginemos uma sala de um convento e Santa Teresa conversando com São Francisco de Borja! Nós não seríamos dignos de olhar pelo buraco da fechadura… E Santa Teresa conheceu de perto as grandes virtudes dele, e reconhecia nele um verdadeiro santo.

    Vimos assim alguns traços da vida de São Francisco de Borja.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/10/1969)

     

     

  • Santa Hildegarda de Bingen, um “milagre contínuo”

    Como dádiva do próprio Deus, todas as épocas históricas viram surgir almas suscitadas pela Providência, chamadas a uma especial união com o Criador e à missão de indicar os rumos para a humanidade. É o que Dr. Plinio nos faz compreender, ao analisar a vida de Santa Hildegarda, mística e religiosa beneditina do século XII, contemporânea de São Bernardo de Claraval

    Alguns dados biográficos sobre Santa Hildegarda de Bingen me impressionaram, não só por externarem a beleza de uma vida consagrada à virtude, como também pelos ensinamentos doutrinários que encerram.

    Veremos que Santa Hildegarda, cuja existência transcorreu no século XII, tornou-se uma espécie de milagre contínuo e palpável. Tudo nela nos causa admiração, tendo sido incumbida, de modo particular, de transmitir uma profecia concernente a certa manifestação da Revolução que começava, e de outros aspectos desta até o fim dos séculos. Não seria, aliás, descabido afirmar que ditas revelações constituem mesmo uma elevada prova do que escrevemos em nosso ensaio “Revolução e Contra-Revolução”.

    Simplicidade diante das visões sobrenaturais

    As referidas notas biográficas são extraídas da famosa obra do Pe. Ro­hrbacher, “Vida dos Santos”:

    Santa Hildegarda nasceu no condado de Spannheim, diocese de Mainz, no ano de 1098, de pais nobres e virtuosos. Com a idade de 8 anos, foi levada ao mosteiro de Diesenberg, ou do monte São Disodobe, e colocada sob a direção da bem-aventurada Jutta, ou Judite, irmã do conde de Spannheim.

    Ela teve, portanto, uma bem-aventurada para formá-la, desde os 8 anos de idade.

    Hoje, muitos se opõem à existência de seminários para menores e também ao fato de se admitir crianças, embora sem votos, nas ordens religiosas. Santa Hildegarda, porém, floresceu maravilhosamente junto às beneditinas, instituição na qual ingressou em tão tenra idade.

    Dos 8 aos 15 anos, teve muitas visões sobrenaturais, delas falando com simplicidade às companheiras, que ficavam maravilhadas, assim como todos os que disso tinham conhecimento. Certa de que as outras pessoas eram favorecidas pelas mesmas visões, comentava-as com naturalidade e simplicidade, o que já é uma prova da autenticidade desses fenômenos místicos. Indagavam qual poderia ser a origem de tais visões.

    A própria Hildegarda observou, surpresa, que, enquanto via interiormente sua alma, ao mesmo tempo enxergava as coisas exteriores com os olhos do corpo, como de costume, o que jamais ouvira dizer houvesse acontecido a qualquer pessoa.

    Ou seja, ela se achava por exemplo numa sala, em conversa com alguns conhecidos e, enquanto falava com eles, tinha visões extraordinárias. Era, portanto, uma grande mística. Desde, então, atemorizada, não ousou mais entreter-se com pessoa alguma sobre sua luz interior. Contudo, muitas vezes em suas conversas se referia a coisas ainda por acontecer e que pareciam estranhas aos ouvidos dos circunstantes. (…) Este estado de intuição sobrenatural perdurou durante toda sua vida

    Ela previa o futuro, e os fatos posteriores confirmavam os seus vaticínios.

    Escreve as revelações e é curada miraculosamente

    Tinha 40 anos, quando ouviu uma voz do céu ordenar-lhe que escrevesse tudo quanto visse. Resistiu durante muito tempo, não por obstinação, mas por humildade e desconfiança. Aos 42 anos e 6 meses, viu o céu se abrir e uma chama muito luminosa penetrou-lhe na cabeça, no coração e em todo o seu peito, sem queimá-la, mas aquecendo-a suavemente. Trata-se, evidentemente, de uma manifestação do Espírito Santo.

    Nesse momento, ela recebeu o dom de compreender os Salmos, os Evangelhos e os outros livros do Antigo e do Novo Testamento, de maneira a poder elucidar o sentido das palavras, embora não conseguisse explicá-las gramaticalmente, pois não conhecia o latim nem a gramática.

    Sabe-se que, naquele tempo, a Bíblia era quase sempre divulgada em latim. Embora não entendesse o significado das palavras, Santa Hildegarda conseguia explicar o conteúdo dos textos sagrados. Fato que constitui um milagre dos mais assinalados, e também contínuo, palpável. Era um fenômeno manifestado exteriormente, e qualquer um podia constatá-lo.

    Como perseverasse em recusar-se a escrever, mais por temor do que desobediência, caiu doente. Enfim, confiou sua preocupação a uma religiosa, sua diretora e, por intermédio dela, ao prior da congregação. Depois de aconselhar-se com os membros mais sábios da comunidade e interrogar Hildegarda, o prior ordenou-lhe que escrevesse, o que ela fez pela primeira vez. Imediatamente se viu curada e levantou-se da cama. É, portanto, outro fato extraordinário.

    Aprovação e louvores do Papa Eugênio III

    Passamos, agora, da história dela para a das revelações que escreveu. Estas eram garantidas por milagres, dos quais o mais recente havia sido o restabelecimento de sua saúde. Doravante, veremos que as revelações terão uma vida própria, diferente da existência dela. E essa história é realmente admirável.

    Tal cura pareceu tão milagrosa ao prior, que este foi a Mainz relatar o que sabia ao Arcebispo e às mais altas figuras do clero, mostrando-lhes os escritos de Hildegarda.

    Isso deu motivo a que o Arcebispo consultasse o Papa.

    Desejando Eugênio III estar ao par daquele prodígio, enviou ao mosteiro de Hildegarda o Bispo de Verdun, Alberon. Hildegarda respondeu com muita singeleza às perguntas que lhe foram feitas. Tendo o Bispo apresentado seu relatório ao Papa, este mandou que lhe trouxessem os escritos de Hildegarda e, tomando-os nas mãos, leu-os em voz alta…

    Percebe-se que o relatório foi favorável e por isso o Pontífice julgou oportuno tomar conhecimento direto dos escritos. Em seguida, uma cena que merecia ser representada numa iluminura ou pintada sobre esmalte:

    Leu-os em voz alta na presença do Arcebispo de Mainz, dos cardeais e de todo o clero.

    Pode-se imaginar uma sala da Idade Média, com aqueles tronos e assentos feitos de alvenaria, ligados às paredes, nos quais se instalavam esses dignitários eclesiásticos, todos eretos. Nesse ambiente repassado de elevação e seriedade, o Papa começa então a dar leitura das revelações de Santa Hildegarda. É uma cena de um colorido e um pitoresco especiais.

    Também contou tudo o que lhe fora relatado pelos emissários por ele enviados, e todos os assistentes renderam graças a Deus.

    Imagine-se a beleza do episódio, os presentes exclamando: “Oh! Graças a Deus! Bem haja nosso Redentor! Louvada seja Maria Santíssima! De fato, é tudo magnífico!”, etc. Um coro de louvores.

    “Vigilância!” — o conselho de São Bernardo

    E havia melhor: São Bernardo lá se encontrava. O que mais acrescentar? Nessa assembleia se ergue a voz possante, sagrada e melíflua do grande Abade de Claraval. É m fato tão impressionante que até nos causa arrepio. Estando ele ali, tudo se ilumina e se transfigura.

    São Bernardo estava presente e também deu testemunho do que sabia sobre a santa mulher, porque a visitara quando viajara para Frankfurt.

    Como veremos adiante, o Papa Eugênio III escreveu uma carta a Santa Hildegarda, devido à boa impressão que São Bernardo dela tivera na mencionada visita. O que continha essa missiva? Poder-se-ia conjeturar que o Pontífice apenas lhe teceu louvores… Mas, como era orientado por São Bernardo, o Papa, além de felicitá-la pela graça recebida, exortou-a a permanecer fiel a esse dom divino.

    Quer dizer, diante de uma grande santa, tem-se primeiro um movimento de admiração. Mas, depois, de temor, considerando que esta Terra é um vale de lágrimas e o risco do pecado não abandona nenhum homem, exceto se confirmado em graça. Daí as perguntas: “Isto durará? Uma maravilha dessas não pode cair?”

    O insigne lutador que foi São Bernardo, ele próprio um Santo magnífico e modelo da virtude da vigilância, compreendia os abismos que há potencialmente — embora de modo não consentido — na alma de qualquer um, até na dos que alcançaram alto grau de santidade. Donde a preocupação dele, e do Papa, em dirigir essas palavras a Santa Hildegarda.

    São Bernardo pediu pois ao Papa, no que foi secundado por todos os presentes, que divulgasse tão grande graça concedida por Deus à Igreja durante o seu pontificado, e a confirmasse com sua autoridade.

    O Papa seguiu o conselho e escreveu a Hildegarda, recomendando-lhe que conservasse, por humildade, a graça por ela recebida…

    Ou seja, o Sumo Pontífice diz a Santa Hildegarda: “Olhe, você está indo muito bem, mas não derrape. Depois trataremos de outras questões”. Desta forma foi objetivo e direto, como corresponde à ordem real das coisas nesta terra de exílio.

    …e relatasse com prudência tudo quanto lhe fosse revelado por intermédio do Espírito Santo.

    Em outros termos: “Conte as revelações que recebeu, mas tenha medo de tanta grandeza, porque ela pode precipitá-la no inferno”.

    Prevendo o início e os desdobramentos da Revolução

    A santa relatou ao papa Eugênio, em carta bastante longa, tudo quanto ouvira da voz celeste, relativamente ao pontífice. Anunciava uma época difícil, cujos primeiros sinais já se manifestavam. Como se verá, essa época difícil que ela previa e cujos primeiros sinais já se manifestavam, era o início da Revolução.

    “Os vales se queixam das montanhas, as montanhas tombam sobre os vales…”

    Os vales são a parte inferior da sociedade

    “…porque os súditos não mais sentem temor de Deus. Estão um tanto impacientes por subir como que ao cume das montanhas para incriminar os prelados, em vez de acusarem os próprios pecados.”

    Deve-se notar que o termo “prelado”, na linguagem medieval, refere-se aos primeiros, não só na ordem eclesiástica, mas também na temporal. São Tomás de Aquino mais de uma vez fala de prelados espirituais e temporais, como sendo os principais da Igreja e do Estado. Então, os inferiores tinham inveja dos que ocupavam posição mais alta, e acusavam os pecados destes, sem se corrigirem das suas próprias faltas. Quando a pessoa não se emenda, torna-se fácil para ela dizer que o outro é um sem-vergonha, enquanto ela mesma é apenas “sem-vergonhote”…
    “Os vales dizem: ‘Sou mais adequado do que eles para superior’. Denigrem, por inveja, tudo quanto os superiores fazem”.

    Convém lembrar aqui o que afirmamos em “Revolução e Contra-Revolução”, a respeito do orgulho, aplicável igualmente ao vício da inveja: o orgulhoso odeia seu superior, e pode chegar ao ódio à superioridade enquanto tal. Para ele, o bem é a igualdade completa.

    “Assemelham-se os vales a um insensato que, em vez de limpar suas roupas sujas, nada mais faz senão observar de que cor é o traje do próximo.”

    Quer dizer, o invejoso proclama, por exemplo, que o conde ou o cônego são ruins, mas a sua alma está em pecado mortal. De que adianta essa censura ao defeito alheio?

    “As próprias montanhas, isto é, os prelados…”

    Portanto, os nobres, os clérigos e, em rigor, também a alta burguesia.

    “…em lugar de se elevarem continuamente às comunicações íntimas com Deus, a fim de cada vez mais se transformarem na luz do mundo, descuidam-se e se obscurecem.”

    Nessa passagem aparece uma linda noção sobre o papel da nobreza e do clero: ter comunicações contínuas com Deus para se iluminarem cada vez mais com o esplendor divino, para efeito, quer espiritual, quer temporal. Dessa forma, serão como a luz posta no alto da montanha, a iluminar o mundo inteiro. Como eles não seguiram esse chamado, mas relaxaram no trato com Deus, foram se obscurecendo. Não espargiram mais a luz que deveriam, causando assim a sombra e a perturbação que reinava nas ordens inferiores.

    Então, setores da plebe não prestavam, mas o ponto de partida dessa decadência foi a atitude de membros da nobreza e do clero que se deixaram tomar pela tibieza. Num justo e majestoso castigo, as partes mais baixas da sociedade, cheias de inveja, investem para derrubar aqueles superiores.

    Como essa disposição das coisas nos parece lógica, grandiosa, e como demonstra toda a economia da Providência através da História!

    Por outro lado, vamos assim compreendendo quem era Santa Hildegarda, objeto dessas visões e profecias.

    Avisos para o próprio Papa

    Ela continua, dirigindo-se ao Pontífice:

    “E porque vós, grande pastor e Vigário de Cristo, deveis buscar a luz para as montanhas e conter os vales…”

    Note-se a tarefa curiosa do Papa. Quanto às montanhas, buscar a luz; em relação aos vales, conter. Dizer aos revoltados que precisam obedecer, e às autoridades, que têm de se voltar para a luz.
    “Dai preceitos aos senhores e disciplina aos súditos. O soberano Juiz vos recomenda que condeneis e afasteis de junto de vós os tiranos importunos e ímpios, no temor de que, para vossa confusão, eles se imiscuam na vossa sociedade”.

    Provavelmente, o Papa podia assim acabar favorecendo algumas pessoas que tiranizavam o povo. Ora, ele havia sido monge cisterciense, como São Bernardo, e este então lhe escreveu a obra “De Consideratione”, na qual traçava o perfil de virtude que um autêntico Sucessor de Pedro deveria ter. Eugênio III seguiu os conselhos do Santo, levando uma vida tão exemplar que a Igreja o proclamou bem-aventurado.

    “Sede compassivo para com as desgraças públicas e particulares, pois Deus não desdenha as chagas e as dores daqueles que O temem.”

    A santa, [que se tornara] abadessa, fazia predições e dava apropriados conselhos aos bispos e aos barões, que de toda parte lhe escreviam e a consultavam. Ela foi entre as mulheres o que São Bernardo fora entre os homens. Teve inúmeras revelações sobre as obras de Deus desde a criação do mundo até a derrota do Anticristo.

    Morreu em 17 de setembro de 1179, na noite de domingo para segunda-feira, com a idade de 80 anos. A Igreja festeja a santa no dia de sua morte.

    Por esses breves traços biográficos nos é dado ver, portanto, que Santa Hildegarda, nimbada de contínuos e indiscutíveis milagres, foi também uma figura profética, tendo apontado o começo, o âmago e os desdobramentos da Revolução ao longo dos séculos. E como todos os heróis da Fé elevados à honra dos altares, é digna de nossa admiração e devoção.

    Plinio Corrêa de Oliveira

  • A beleza do santíssimo nome de Maria

    No dia 12 de setembro a Igreja celebra o Santo Nome de Maria, verdadeiro escrínio de significados e simbolismos, superiormente interpretados por grandes autores ao longo dos séculos. Fazendo eco a esses ensinamentos, Dr. Plinio deita um olhar sobre a beleza de tal Nome e as altíssimas qualidades da Mãe de Deus.

    A fim de tecermos algumas considerações sobre o nome de Maria Santíssima, creio que devemos analisar, inicialmente, o significado do nome de uma pessoa .

    Pela descrição da Sagrada Escritura (Gn 2, 18-20) sabemos que Deus fez desfilar diante de Adão todos os animais criados, e o primeiro homem, após observar cada um, determinou como eles haviam de ser chamados. Deu-lhes, portanto, um nome que era a definição daquela criatura, uma palavra que correspondia ao sentido mais profundo da natureza de cada animal.

    Imagens da perfeição de Deus

    Ora, perguntar-se-ia,  qual é o sentido de um animal? Este, por menor que seja, é um ser extremamente rico porque vivo, com um grau de vida pelo qual não só existe, mas se move por si mesmo. Além disso, refletem aspectos da perfeição infinita de Deus.

    Tomemos, por exemplo, a águia.  Ave esplêndida, da qual é próprio ostentar suas garras, suas grandes asas, sua força e seu ímpeto . Porém, mais do que esses atributos, ela simboliza uma certa qualidade de Deus, e tudo quanto há de físico na águia, sua anatomia e fisiologia, concorre para expressar essa característica divina.

    Adão, conhecendo e interpretando essa expressão, resumiu no nome que pôs à águia o simbolismo daquela perfeição do Criador. Donde, o nome de cada animal representar, na verdade, a sua essência, o sentido mais profundo desse reflexo de um aspecto de Deus.

    Exaltando o nome de Maria damos glória a Deus

    Se o nome de um animal possui semelhante expressão, é de se admitir que expressão ainda maior entrou na composição do nome da Virgem Santíssima. Nossa Senhora foi chamada Maria, porque concebida sem pecado original; n’Ela tudo se harmonizava no grau superexcelente próprio àquela que estava destinada a ser a Mãe do Verbo de Deus encarnado. Assim, o nome de Maria, de um modo meio misterioso, significa não apenas um, mas o conjunto dos aspectos infinitamente perfeitos de Deus que Ela representa tão especialmente.

    Daí decorre essa verdade: quando glorificamos  o nome de Maria, glorificamos esse sentido mais profundo da pessoa d’Ela. E, portanto, glorificamos o próprio Deus de uma forma magnífica, louvando-O na figura de sua Mãe amadíssima.

     

    Se o nome de cada animal exprime a perfeição divina que ele reflete, expressão ainda maior terá entrado na composição do santo nome de Maria Nossa Senhora Menina

    Nomes perfeitos para Jesus e Maria

    Creio ser interessante ressaltar também a relação maravilhosa e insondável entre o nome e a pessoa, no que diz respeito a Nosso Senhor e Nossa Senhora .

    Com efeito, de todos os nomes existentes na Terra, haveria um que pudesse ser dado a Nosso Senhor Jesus Cristo igual ao nome Jesus?

    Como disse, é uma questão um tanto insondável, mas para nossa ótica Ele só poderia chamar-se Jesus . Imaginemos que Lhe fosse dado um dos nomes consagrados por grandes santos, como Francisco, Antônio, João . . . Não. Jesus é o nome d’Ele!

    O mesmo se pode dizer do santíssimo nome de Maria. Procure-se para Nossa Senhora um nome que pudesse substituir o seu e não se achará. Só podia ser Maria.

    Tratam-se de nomes, portanto, ligados meio misteriosamente ao sentido profundo da natureza humana de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Mãe, de tal maneira que constituem um lindo conjunto. Quando, no fim de uma carta, assinamos “in Jesu et Maria” — “em Jesus e Maria”, percebe-se uma tal afinidade entre os dois nomes que se diria a harmonia entre duas maravilhosas notas musicais.

    Razão de ser da festa do nome de Maria

    Por tudo isso se compreende que a Igreja tenha instituído uma festa litúrgica para o sacratíssimo nome de Jesus, celebrada em janeiro, e outra para o santíssimo nome de Maria, no dia 12 de setembro. Ou seja, uma comemoração particular para o nome, pois este é uma espécie de símbolo e de definição de quem o possui.

    Quando o Verbo Encarnado considera em si a união das duas naturezas numa só pessoa, ou quando o Padre Eterno ou o Divino Espírito Santo consideram no Filho essa união, ocorre-Lhes o nome Jesus. E quando contemplam Nossa Senhora, vem-Lhes o nome Maria.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 12/9/1988)

     

  • Martírio do Beato Inácio de Azevedo e seus companheiros

    Com as aventuras além-mar empreendidas pelos portugueses e espanhóis, a Fé Católica expandia-se dia a dia. Entusiasmado pela conquista de novas almas, Inácio de Azevedo empenhou-se na conversão dos indígenas brasileiros.

    Baseando no livro “Inácio de Azevedo, o homem e sua época”, de Gonçalves Costa, faremos comentários sobre alguns aspectos puramente sociológicos, e outros hagiográficos, que dizem respeito ao Bem-aventurado Inácio de Azevedo.

    Nome tão belo quanto a prataria portuguesa

    Ele era membro de uma família muito distinta. E, em todos os lugares onde há certa estratificação social, os nomes das famílias mais tradicionais acabam tomando uma certa sonoridade, em que se tem a impressão de ver a pessoa portadora de um desses nomes, com o estilo da nação a que pertence.

    Este é o caso do Bem-aventurado Inácio. Ele se chamava Inácio de Azevedo de Atayde de Abreu e Malafaia. É um nome tradicional, bonito e muito português; sua sonoridade é linda, e dá a impressão da prataria portuguesa, cujos objetos são tendentes ao nobremente bojudo e seguro de si. De fato, esse nome é um pouco de prataria.

    Sociedade impregnada pela Igreja

    Ingressou na Companhia de Jesus em 1548, sendo anotado a seu respeito no livro da Ordem os seguintes dizeres: “Tem pais vivos. O pai possui benefícios eclesiásticos e suficiência de bens. A mãe é freira num convento do Porto.”

    Estamos no século XVI; a Renascença já arrebentou, a Revolução está em curso. Mas como a Igreja ainda estava entranhada na sociedade! É uma família nobre, não de grande nobreza: o pai vivia de rendas eclesiásticas e tinha dado licença à sua esposa para ser freira, e o filho fez-se membro da Companhia de Jesus, a qual, naquele tempo, era a ponta de lança da Contra-Revolução; e tornou-se Bem-aventurado, hoje um dos padroeiros do Brasil.

    Como é bonito ver a impregnação da vida eclesiástica na sociedade dessa época.

    Desejo de ser herói

    O Bem-aventurado Inácio de Azevedo havia sido pajem do Rei D. João III; e, pelo lado materno, descendia de Santa Isabel, Rainha de Portugal.

    É bonito haver nele a descendência de Santa Isabel, Rainha de Portugal. Sendo pajem do Rei, ele frequentou o que a corte tinha de melhor.

    Em carta ao Padre Geral, Inácio pediu para ser enviado a pontos remotos, pois não queria ficar no mesmo ambiente onde viviam seus pais.

    Esse homem foi mandado da corte do Rei de Portugal – naquele tempo marcadamente um potentado, pelo tamanho do império colonial português – para o Brasil, onde havia índios com argolas atravessadas no nariz, canibais, com hálito cheirando a álcool mascado de cana fermentada, uma coisa horrorosa. Podemos imaginar a diferença! Era o que ele queria. Vemos o heroísmo que está presente em seu pedido.

    Zelo da Companhia de Jesus pelos novos missionários

    Do Brasil chegavam cartas dos Padres Nóbrega e Anchieta, relatando as esperanças e as dificuldades das missões. Dois noviços jesuítas haviam sido repatriados para Portugal, por não se adaptarem às novas terras.

    Vê-se como era duro aguentar…

    São Francisco de Borja, recém-eleito Geral da Companhia, conhecia as especiais virtudes do Padre Inácio e o indicou para visitador apostólico nas terras do Brasil.

    Quão cuidadosa era a Companhia de Jesus. Mesmo sendo poucos os jesuítas no Brasil, mandava-se um visitador apostólico incumbido de visitar a nascente Igreja daquelas terras. Percebemos o rigor da ortodoxia, da disciplina e do método.

    Por outro lado, vemos como os santos se encontram nessa história: São Francisco de Borja – Geral da Companhia de Jesus, portanto, o homem que tem nas mãos o leme da Contra-Revolução – escolhe um futuro mártir para vir ao Brasil, o qual, por sua vez, descende da Rainha Santa Isabel. Que beleza!

    Ao percorrer o litoral do País, acompanhou a expulsão dos calvinistas do Rio de Janeiro

    Em julho de 1566, o colégio jesuíta de Salvador na Bahia, tendo à frente o Padre José de Anchieta e o Padre Manoel da Nóbrega, recebeu festivamente o emissário de São Francisco de Borja, numa visita que se estenderia por dois anos, e ao longo da qual o Bem-aventurado Inácio de Azevedo percorreria as principais vilas nascentes do litoral brasileiro.

    Dois anos visitando o Brasil! É preciso dizer que as distâncias enormes se percorriam devagar. Em 1567, acompanhou no Rio de Janeiro a expulsão dos calvinistas.

    Que bonita nota deveria ser acrescentada nas narrações dessas nossas Histórias do Brasil, nesses manuaizinhos, quando tratam da expulsão dos franceses: Nesta verdadeira vitória de Cruzada, esteve presente, com seu ardor, um futuro mártir, o Bem-aventurado Inácio de Azevedo. Daria outro conteúdo à narração.

    Pelas mãos dos jesuítas o Brasil vai sendo modelado

    Em carta que dirigiu de Salvador ao Geral da Companhia, ele pondera: “Também servirão, além dos padres solicitados, os irmãos oficiais, como pedreiros e todos os demais, porque há na terra muita falta deles, e custa muito fazer as coisas. Por esse motivo, em todas as partes onde residem os homens, ouço dizer que há falta de edifícios e abundância de materiais com que se pode construí-los”.

    É dessas frases do Português antigo que tem um especial sabor: “há falta de edifícios, mas abundância de material”. Quase dá para ver as pequeninas cidades implorando que as florestas e as pedras sejam utilizadas para serem transformadas em edifícios. É uma coisa épica.

    “Muito me consolo nestas partes, e consolar-me-ia nelas toda a minha vida, ainda que importasse ir a Portugal para ajudá-la mais, trazendo gente e oficiais”. Ir a Portugal buscar gente e oficiais, eis o plano do Padre Inácio de Azevedo.

    Quer dizer, ele esteve no Brasil e viu que era preciso trazer para cá padres, irmãos coadjutores, pedreiros, carpinteiros, etc.

    É muito bonito ver a Igreja Católica, por mãos dos jesuítas, tomando a primeira argamassa da sociedade temporal e modelando-a. Quase como Deus que fez primeiro o boneco de barro, para depois criar o homem.

    Assim, para poder fundar aqui uma realidade eclesiástica grande, a Igreja ia modelando a realidade civil na qual ela deveria ser insuflada. Ou seja, cuidando das construções e do progresso temporal, a Igreja empreenderia também o progresso espiritual. O Bem-aventurado Inácio de Azevedo não sabia disso, mas trabalhava com ânimo.

    A fim de recrutar novos missionários, o Bem-aventurado Inácio de Azevedo volta a Portugal

    Ele então viajou para Portugal a fim de pedir, pessoalmente, que fossem mandados jesuítas para o Brasil. Compreende-se bem sua atitude. Certamente todos tinham medo de vir ao Brasil, tão distante, remoto, vago e ameaçador. Afinal, deixar o aconchegado, bonito e saboroso Portugal, a duras penas conquistado aos árabes, e vir para o Brasil misterioso… Que diferença!

    Ademais, sabe-se como o temperamento português é cauto. Ele é capaz de dar passos arriscados, mas depois de saber bem como são as coisas. Por isso eles queriam conversar com a pessoa que vinha do lugar, para depois resolver se viajariam ou não.

    Então se entende o passo do Padre Inácio de Azevedo, chegando a Portugal e procurando pessoas a fim de convidá-las para vir ao Brasil.

    O encontro com o Rei

    De volta a Portugal, em 1568, Padre Inácio dirigiu-se para Almeirim, a fim de encontrar-se com o Rei D. Sebastião. Este ouviu com interesse as notícias que o missionário trazia do Brasil, dando todo o apoio à campanha de recrutamento proposta. Vemos que ele ia direto ao ponto fundamental. Foi falar com o Rei porque de um impulso do monarca dependia o andamento das coisas.

    Por sua vez, os reis eram muito desejosos de receberem notícias diretas das pessoas que tinham estado nas terras recém-descobertas, porque não havia os meios de comunicação que existem hoje. O Padre Inácio deu logo início à empresa, através de sermões e visitas, exímio como era na arte de conversar.

    Aqui fica consignado um traço curioso. Eu o imagino procurando as pessoas e dizendo:

    – Homem, fui eu que estive lá, é assim…

    – Mas deveras, estivestes lá? Contai-me…

    Padre Inácio fazia a narração e pegava a ganchos os que deveriam vir. Parece-me que tudo isso faz sentir a respiração da antiga História do Brasil, de um modo pitoresco e muito honroso para a Igreja.

    Dois personagens tecem a grandeza de Portugal

    Seu contemporâneo, Padre Maurício Cerpe, contou a esse respeito: “Tanto que chegou a este reino, foi coisa para dar graças a Deus ver quanta gente se mover para ir ao Brasil. Não falo já de nós da Companhia, porque esses todos queriam ir com ele, mas os de fora. Onde quer que chegasse, logo se moviam de maneira que se alvoroçava a terra e uns se moviam a ir com ele, outros falavam isso como grande novidade muito para ser desejada.”

    Quer dizer, ele produzia um alvoroço geral. Vejamos o que custa a grandeza de um povo. Dom Sebastião e o Bem-aventurado Inácio de Azevedo conversam; o futuro de um era morrer no mistério e na tragédia da África, e do outro, morrer na tragédia e no martírio em pleno mar. Conversando, os dois estão tecendo a grandeza de Portugal.

    Mas com que homens essa grandeza se tece! Eles tinham conhecimento dos riscos que a vida quotidiana traz. Eram membros de uma nação que estava no seu apogeu.

    São Pio V abençoa o apostolado no Brasil

    De Portugal seguiu para Roma, a fim de pedir ao Papa São Pio V sua bênção para a empresa do Brasil. O Pontífice quis ouvir uma descrição minuciosa desse novo mundo, onde a Fé cristã começava a iluminar a noite indefinida do paganismo. E, além dos privilégios pontifícios para o Brasil, e mão livre para arregimentar pessoal seleto, o santo Pontífice concedeu indulgência plenária a todos os que acompanhassem, e muitas relíquias, terços, Agnus Dei, e outros objetos devotos.

    Não consta que ele tenha ido visitar banqueiros; visitou o Pontífice e o Rei. Não consta que tenha trazido dinheiro; trouxe Agnus Dei, bênçãos, relíquias, e com isso esperava fazer o seu caminho.

    Trajetória de preparativos para a viagem

    São Francisco de Borja, entrementes, desejava agradecer a Dona Catarina, Rainha de Portugal, a valiosa ajuda que ela concedera ao Colégio Romano, e quis enviar-lhe uma reprodução da célebre imagem de Nossa Senhora, conhecida como pintada por São Lucas, venerada na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, e incumbiu o Padre Inácio de ser o portador do quadro.

    Como Geral da Companhia, São Francisco de Borja morava em Roma. Sabendo que o Bem-aventurado Inácio ia para Portugal, quis que este fosse portador do quadro. A partir de então, a devoção ao quadro de Nossa Senhora, de São Lucas, ficaria intimamente associada ao missionário.

    Em julho de 1569, o Padre Inácio partiu para Portugal, passando por Madri. Em Madri, João de Mayorca foi um dos primeiros espanhóis a aderir. E, como era pintor, esse novo missionário aproveitou para fazer várias reproduções do quadro da Virgem, destinando um deles ao Colégio da Bahia.

    Quer dizer, esse pintor tirou várias cópias do quadro que era para a Rainha. E uma dessas cópias vai ter importante papel na vida do Bem-aventurado Inácio de Azevedo.

    Afonso Fernandes Cançado associou-se à empresa em Portugal, e fez questão de substituir o sobrenome, pois, segundo explicava, para tal tarefa o nome Cançado não lhe caía bem.

    Francisco Perez de Godói, canonista formado em Salamanca, também se juntou ao Padre Inácio. Perez de Godói era primo de Santa Teresa de Jesus que, ao tomar conhecimento de sua adesão, ficou muito alegre.

    Santa Teresa, a Grande, soube, portanto, que havia um Brasil! E que um primo dela vinha para esse país, tendo ficado muito alegre com isso. Veremos daqui a pouco o papel de Santa Teresa nessa história.

    Ferreiros, marceneiros, pedreiros e tecelões também acertavam detalhes para sua viagem ao Brasil. No total, entre religiosos e artesãos, haviam sido reunidos noventa elementos, que foram conduzidos para uma chácara da Companhia no Vale do Rosal a fim de aguardar a partida dos navios para a América. Porém, foram cinco meses de espera.

    É preciso recordar que não havia ainda companhia de navegação regular para o Brasil. Isso apareceu apenas no século XIX. De vez em quando havia um navio que vinha para o Brasil: o Rei, a Companhia das Índias mandavam levar alguma coisa; mas era raro. Por isso transcorreram cinco meses de espera.

    Durante esse período, é claro que foi feito um vasto simpósio, à la Companhia de Jesus, preparando a ida para o Brasil: direção espiritual, trabalhos, enfim, uma adaptação completa, muito bem feita!

    Tendo sido o navio assaltado por calvinistas, o Bem-aventurado Inácio cai no mar agarrado ao quadro de Nossa Senhora

    Em maio de 1570, partiram os religiosos na esquadra do Governador Geral, D. Luiz de Vasconcelos. O Bem-aventurado Inácio de Azevedo, com mais 39 companheiros, viajava na nau Santiago. Fizeram escala na Ilha da Madeira, onde o Governador, muito vagaroso, quis prolongar a estadia, enquanto o Comandante da nau Santiago trazia a bordo mercadorias, cuja entrega nas ilhas de Las Palmas era urgente.

    Esse homem tem responsabilidade no martírio que se seguiu, porque foi por causa desse atraso que eles cruzaram no caminho com a nau calvinista francesa, que agrediu o navio português e causou as mortes.

    Sujeitando-se ao risco de ficar à mercê dos ataques dos piratas, esta nau poderia partir sozinha até Las Palmas, aguardando ali o restante da esquadra. A proposta foi levada a D. Luiz, tendo a ela dado seu assentimento o Padre Inácio de Azevedo.

    A nau Santiago seguia avante. Em 15 de julho, já próxima da ilha de Las Palmas, defrontou-se com navio dos terríveis calvinistas franceses.

    Efetivamente, esses abalroaram a nau Santiago com forte impacto. Os atacantes atingem a corveia, há tinir de espadas, brados de fidelidade a Cristo e à Igreja, mesclados aos berros e blasfêmias dos hereges; as primeiras gotas de sangue começam a tingir o chão.

    O Bem-aventurado Inácio de Azevedo, que se encontrava junto ao mastro central, segurando nas mãos o quadro da Virgem de São Lucas, recebeu na cabeça o primeiro golpe, sendo jogado no mar, agonizante e segurando o quadro que ninguém lhe conseguira tirar das mãos.

    Por isso ele é representado, habitualmente, flutuando já meio agonizante nas águas, mas segurando o quadro. É muito digno de nota que, estando agonizante e com a gesticulação de quem naufraga e procura mover os braços para não afundar, já não tendo provavelmente consciência de si, apesar disso ele segurasse o quadro. É claro que a quem de tal maneira segura uma imagem de Maria Santíssima, Nossa Senhora, do Céu, está segurando a alma dele.

    O sangue dos mártires foi derramado para que o Brasil viesse a ser católico

    O olhar marcado dos tripulantes portugueses continuava a fixar-se nos vultos, e eles foram em seguida jogados também ao mar, entre os quais, sobressaía a figura imóvel de Azevedo. Na Espanha, Santa Teresa de Jesus teve revelação do fato, e afirmou que vira os quarenta mártires, de coroas na cabeça, subindo triunfantes ao Céu.

    Vemos que lindo fato da História do Brasil. É evidente que esse sangue foi derramado para que o Brasil fosse católico; era a razão pela qual eles estavam dando as suas vidas.

    Somente o irmão João Sanchez não foi morto pelos piratas. Era cozinheiro, e esses resolveram tirar proveito de seus serviços. Foi ele que, retornando depois à Espanha, contou com pormenores todo o ocorrido. Infelizmente, abandonou a Companhia de Jesus. Essa é a criatura humana! Esse homem tinha obrigação de ser bem-aventurado também. Depois se desligou da Companhia de Jesus e voltou ao estado original.

    O culto dos quarenta mártires foi autorizado em 1854, pelo Papa Pio IX. Na atual Catedral de Salvador, na Bahia, conserva-se um quadro pintado, que se diz ter sido do Beato Inácio.

    Não há nenhuma prova de que o quadro tenha escapado das mãos do Bem-aventurado Inácio de Azevedo e chegado à Bahia.

    Na previsão do muito batalhar a favor da ortodoxia, que haveria numa nação a qual, em certo momento da História da Igreja, seria a de maior população católica do mundo, logo no início, para irrigar isso, a Providência dispôs que houvesse quarenta mártires que nem conseguiram chegar até o Brasil – Inácio de Azevedo esteve durante dois anos aqui. O sangue deles não foi vertido no Brasil, o mar dispersou; mas foi derramado com a intenção de servir à causa católica no Brasil.

    Esse sangue subiu ao Céu como suave odor, e eles rezam continuamente por nós. No Brasil ficava o Bem-aventurado Anchieta, esperando, rezando e realizando seus feitos para que algum dia o Brasil fosse uma grande nação católica.

    Plinio Correa de Oliveira

    (Extraído de uma conferência realizada em 3/4/1981)

  • Nossa Senhora Aparecida

    Pode-se dizer que o Brasil é um feudo de Nossa Senhora enquanto concebida sem pecado original, ou seja, da Imaculada Conceição.

    O fato dessa imagem ter sido encontrada no Rio Paraíba, no século XVIII, é de grande significado para o Brasil. Naquela época, embora francamente admitido pela maioria dos católicos, o dogma da Imaculada Conceição ainda não estava definido. E fazer uma profissão de Fé nesse augusto privilégio de Nossa Senhora constituía um distintivo de requintada ortodoxia.

    Ora, exatamente a partir do aparecimento dessa imagem, mais de um século antes da definição dogmática, foi o Brasil colocado sobre o patrocínio da Imaculada Conceição. Isto indica um chamado especial da Mãe de Deus para nossa Pátria, e é motivo de imenso júbilo para todos os brasileiros devotos da Santíssima Virgem.

    (Extraído de conferência de 12/10/1970 )

  • Carlos Magno: Fundador da Europa católica

    Carlos Magno difundiu a cultura, favorecendo a formação de mosteiros onde se formava a Literatura. Foi coroado Imperador pelo Papa, em Roma. Ele aparece na História como um gigante que, ao mesmo tempo, liquida todos os elementos de deterioração e de agressão, e começa a implantar o que hoje é a Europa.

     

    A certa altura da História do Ocidente, Carlos Magno aparece como evangelizador dos povos habitantes das regiões que constituíam, então, o centro histórico ocidental, ou seja, toda a orla do Mediterrâneo, compreendendo a Europa, Ásia Menor e África.

    Bárbaros pedem licença para se fixarem dentro do Império Romano

    O equilíbrio das situações e das forças era completamente diferente. A Ásia era o continente cultivado, florescente, com as grandes tradições, a grande cultura, a grande arte, os grandes impérios,  etc. A Grécia, que ainda era um foco de civilização nos primeiros séculos de nossa era, havia entrado em decadência, tinha sido invadida por outras populações, já não era mais o que fora. A Itália e toda a Europa aquém do Reno e do Danúbio estavam invadidas por bárbaros. Esses bárbaros eram germanos, depois normandos – de uma origem germânica também –, hunos que deram origem  aos atuais húngaros magiares, invadiram a Europa por vários lados.

    O Império Romano do Ocidente, que cobria a Europa Ocidental, resistiu durante muito tempo. Mas com o luxo, a degradação dos costumes, etc., o desejo de batalha dos romanos do Ocidente foi  caindo. Eles foram pondo uma resistência cada vez menor aos bárbaros que queriam invadir. Em determinado momento, os bárbaros, situados para além do Reno e do Danúbio, mandaram  comunicar aos chefes militares romanos, colocados ao longo do Reno e do Danúbio, que eles estavam fugindo por sua vez de um invasor mais bárbaro, o qual vinha por detrás. Não sabiam quem  era – tratava-se dos hunos –, mas estava vencendo e acossando a eles. Então, a fim de poderem fazer uma resistência eficaz, pediam licença aos romanos para atravessarem o Reno e o Danúbio e  se fixarem dentro do Império Romano. Assim, eles ficariam protegidos pelos rios e poderiam lutar contra os hunos mais facilmente.

    Os bárbaros invadem o Império Romano…

    Os romanos acharam que isso era muito inteligente, porque os bárbaros, os germanos, lutariam contra os hunos. Uns aniquilariam outros, e os romanos ficariam sem combater uns e outros.

    Estas são as falsas espertezas dos civilizados apodrecidos, muito parecidas com as falsas espertezas dos burgueses de hoje, diante da investida do socialismo, do comunismo. É a mesma  mentalidade. A mentalidade do podre, do decadente, é assim. Eles não só consentiram, mas os soldados romanos ajudaram a estabelecer pontes de madeira para que os bárbaros, os quais tinham sido, durante séculos, mantidos para além dos rios, os atravessassem.

    Eles então invadiram o Império, e os hunos, em vez de entrarem pelo Reno, vieram pela Hungria e invadiram o Norte da Itália, o território que seria hoje a Áustria, e foram até Roma. Átila ia  destruir Roma, e o Papa foi de encontro a ele e lhe pediu, como Vigário de Cristo – o chefe dos hunos não era católico, nem mesmo cristão –, que poupasse a cidade de Roma. E Átila contou que  viu no ar uma figura majestosa, venerável, poderosa – era São Pedro –, a qual com espada o ameaçava se fosse por cima de Roma.

    Então ele teve medo e voltou atrás. Foi o único fator que conseguiu fazer com que Átila recuasse. O Papa regressou a Roma e a cidade foi poupada.

    Vejam, então, a podridão do Império Romano. Os romanos não conseguiram reter os bárbaros, São Pedro conseguiu. E a aparição do primeiro Papa, no ar, fez com que Átila gradualmente se  retirasse da Itália e voltasse para a Panônia – a antiga Hungria –, e se afundou naquelas terras.

    …e não queriam que seus filhos estudassem, pois ficariam moles como os romanos

    Portanto era a hora de os bárbaros irem embora também. Mas nem se falou disso, pois eles estavam estabelecidos e abancados lá. Então o que fazer? Os governadores e os soldados romanos  tiveram medo dos bárbaros e todos fugiram. Mas da Santa Sé veio uma ordem para todos os bispos e padres não abandonarem seus postos.

    Deveriam permanecer nos cargos e continuar a exercer seu ofício, tentando converter os bárbaros. É uma coisa extraordinária realmente. Resultou daí uma situação assim: muitos bárbaros eram  tão bárbaros que eles não conseguiam dormir nas cidades romanas, porque diziam que sentiam falta de ar devido às casas que havia em volta. Aquelas casas tiravam o ar deles. Então iam para o  mato ou o campo, durante a noite, para dormir; e pela manhã voltavam para fuxicar na cidade, o que eles achavam naturalmente interessante, agradável. De um lado.

    De outro lado, não queriam que os filhos deles estudassem, porque diziam que se o fizessem ficariam moles como os romanos. E que para ter meninos guerreiros, a fim de tocar a eterna guerra  deles, o único jeito possível era que não estudassem. Eles queriam conservar a barbárie porque tinham horror à civilização; confundiam civilização com podridão. Não eram católicos, mas pagãos.

    Para terem ideia de como se foram espalhando pelo Império, eles entraram na França, cobriram essa nação, invadiram a Espanha, Portugal, transpuseram o Mediterrâneo, entraram pela África e  cobriram quase todo o Norte desse continente.

    Foi, portanto, uma população imensa que se transmudou, mas que destruiu tudo na sua passagem. A administração romana se retirando, os bárbaros ficaram governando.

    Constantinopla e  Alexandria

    Podem imaginar o que era governo de bárbaros. As estradas romanas eram as melhores do mundo. Começaram a cair, porque de estrada é preciso cuidar. Se não tem quem cuide,  começa a nascer vegetação na estrada, acontece de tudo. Como esses bárbaros nem tinham ideia de como organizar a proteção de uma estrada, isso tudo ia se deteriorando. As pontes caiam, eles  não consertavam. Ficavam aqueles  abismos, não se podia transitar. Grupos de bandidos circulavam de um lado para outro, não havia polícia. Era o caos mais completo que pode haver.

    Para abreviar a narração, os  romanos começaram a se casar com as bárbaras, os bárbaros com as romanas, e foi se formando uma sociedade composta de civilizados podres e bárbaros insuportáveis. Pairava sobre esse caos a  bênção da Igreja, ensinando, batizando, distribuindo os sacramentos quanto podia, dando exemplos de virtude, suscitando Santos que, vivendo no meio deles, iam gradualmente amansando a barbárie e corrigindo a podridão.

    De toda esta história apareceu uma população mista, semibárbara, incomparavelmente mais atrasada do que o mundo oriental que tinha sua grande capital em Constantinopla – depois Bizâncio  –, que era a sede do Império Romano do Oriente. Não confundir com o Império Romano do Ocidente, que tinha sede em Roma, às vezes em Milão, enfim, na península itálica. Constantinopla,  lindíssima cidade do Estreito de Bósforo, com uma parte construída na Europa e outra na Ásia.

     E depois os povos da Ásia Menor, dos quais muitos eram ricos e altamente civilizados. Isto ia até o Egito. E a outra grande cidade oriental, não europeia, com civilização, portanto, oriental,  influência grega muito forte, era Alexandria, no Egito. Eram as duas grandes cidades famosas no mundo inteiro. Para esse pessoal dos Bálcãs e do Sul do Mediterrâneo, prevalecia a ideia de que a Europa era uma caipirada. Tinham razão. Uns bárbaros, uns cafajestes, com os quais não havia grande coisa a fazer.

    Invasões dos maometanos e dos vikings

    No meio de tudo isso, com acontecimentos históricos que seria muito longo narrar, foi gradualmente aparecendo a nação que é a primeira da Europa contemporânea a nascer das mãos da Igreja, a  rança. Depois as outras nações foram se convertendo, a ação dos Santos, da Hierarquia, foi apaziguando esses povos, e se podia supor que as coisas relativamente começassem a melhorar, quando outras circunstâncias imprevistas vieram perturbar tudo isso. As circunstâncias foram tríplices.

    Em primeiro lugar, uma invasão maometana. Maomé – também é outra coisa interminável para se contar – fundou uma religião nova, segundo a qual Jesus Cristo era apenas um profeta. Dizia  Maomé que existia um só Deus, Alá, e Jesus Cristo, mero profeta de Alá, não era Homem- -Deus unido hipostaticamente à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Maomé estava animado por  um ódio terrível aos católicos.

    Essa religião começou a atuar no Oriente Próximo, mas depois se estendeu pelo Egito e todo o Norte da África. Os maometanos destroçaram o que restava de romano católico e de bárbaro católico.  Invadiram a Espanha e, de invasão em invasão, chegaram até o coração da França, em Poitiers.

    Mais ou menos ao mesmo tempo, uma parte dos bárbaros, que não tinha atravessado o Reno e o Danúbio, começaram a invadir de novo as terras católicas, a França, a Alemanha, etc. E o que agravava mais a situação era que um povo muito estranho, como até então não tinha aparecido na História, principiou a agredir a Europa.

    Era um povo pagão, de origem germânica, cuja característica principal estava no seguinte fato: o povo inteiro – os famosos vikings – migrou em barquinhos pequenos com proas lindas, e os vikings eram navegadores excelentes. Puseram-se a atacar o litoral europeu e descer pelos rios franceses até o coração da França.

    De maneira que tudo era novamente um caos. Primeiro ocorreu a invasão dos árabes, depois a dos germanos. Mas houve também uma ação gloriosa: os convertidos germano-romanos, animados por missionários, sobretudo irlandeses, empreenderam a penetração pacífica, mas muito mais perigosa que todas as outras, no território germânico para converter os germanos.

    Surge Carlos Magno

    Aquilo que era um renascer do mundo católico se encontrava exposto a terríveis perigos. Foi então que apareceu a figura famosa de Carlos Magno. O que fez Carlos Magno? Ele impôs sua  autoridade a todos que eram descendentes de gauleses, romanos e germanos, essa mistura. Levou sua autoridade até a ponta da Espanha.

    No Norte da Espanha, em Santiago de Compostela, visitando a catedral, me falaram de uma capelinha construída por ordem de Carlos Magno, em estilo românico, que fica encaixada na
    escadaria da catedral. Eu fiz questão de visitá-la, porque queria prestar homenagem a essa reminiscência do Imperador Carlos e o meu culto a Deus Nosso Senhor, que assim foi glorificado por esse grande homem.

    De outro lado, Carlos Magno entrou na Itália e apaziguou a ferro os bárbaros que lá havia. Ele apoiava os missionários e, segundo notícias que desconfio serem falsas – não tive tempo de estudar a  fundo –, punha para os bárbaros germanos esta alternativa: quem se converte está bom; quem não se converte vai morrer. E assim organizou matanças que, notem bem, a Igreja não aprovou. Ele  empregava processos drásticos.

    Um desses processos era o seguinte: os germanos, que estavam além do Reno, acreditavam estupidamente na divindade de um carvalho que havia ali, chamado Irmensul, o qual eles diziam que  deitava raízes até o centro da Terra.

    Carlos Magno disse: “Vou mostrar a vocês o que é esse carvalho ‘divino.’” Mandou arrasar a árvore. “Olhem o deus de vocês.” Arrasado o carvalho, os germanos não tinham nada que fazer, estava  liquidado o caso.

    Um protetor ardorosíssimo da Igreja Católica

    Por sua valentia, sua personalidade extraordinária, seu heroísmo, Carlos Magno de tal maneira adquiriu prestígio sobre aquela gente, que foi reconhecido como o soberano aquelas regiões.

    Numa noite de Natal, rezando na Basílica de São João de Latrão, que é a Catedral dos Papas em Roma, o Pontífice o coroou como Imperador do Ocidente, fundando assim o Sacro Império Romano que durou exatamente mil anos.

    No começo, Carlos Magno não queria, mas afinal de contas, vendo ser vontade do Papa, aceitou. Terminada a Missa, foi aclamado por todo o povo como Imperador do Ocidente, do império que só  terminou no século XIX, quando Napoleão o declarou extinto. Carlos Magno foi um protetor ardorosíssimo da Igreja Católica. Defendeu-a contra os invasores maometanos e bárbaros. Nos últimos
    anos de sua vida, os germanos estavam começando a invadir o seu império, e ele ainda lutou contra eles.

    Pouco depois ele morreu, tendo levado uma vida carregada de méritos. Esse homem extraordinário difundiu  a cultura, favorecendo a formação de mosteiros onde se estudava e se formava a  Literatura. Ele tinha por conselheiro um monge, Alcuíno, homem muito capaz que começou a fundar a cultura europeia. Então Carlos Magno aparece na História como um gigante, que ao mesmo  tempo liquida todos os elementos de deterioração e de agressão, e começa a implantar o que hoje é a Europa. É o Pai da Europa católica, apostólica, romana, que limpou de invasores grande parte da Europa. Por exemplo, Espanha e Portugal ele defendeu muito contra os árabes, mas em todo caso não bastou; somente no século XV os árabes foram expulsos da Espanha. Seja como for, a luta  foi-se efetuando e o núcleo da Europa de hoje foi ele quem fez.

    Por causa disso ele é o Fundador da Europa, mas da Europa católica, que defendeu a população necessária para que a Europa fosse Europa. Ao mesmo tempo, Carlos Magno sobretudo defendeu e expandiu a Fé Católica.

    E começou um movimento missionário que foi, ao longo dos séculos, até o Norte da Rússia, convertendo os povos do Mar Báltico. Por esta forma se constituiu a maior semente de cultura existente  o mundo, que foi, na História cristã, o continente europeu.

    Ele foi Santo?

    Uma vez que ele tinha tais méritos, pode-se perguntar qual foi seu papel diante da Igreja. Ele foi um Santo? A resposta que me parece melhor para dar a essa pergunta é: se um Santo tivesse feito  isto, ter-se-ia dito que é uma obra típica de um Santo, e de um grande Santo. De um dos maiores Santos da História da Igreja.

    De outro lado, se ele tivesse sido um homem pecador – não que vive em estado de pecado mortal, mas que de vez em quando peca mortalmente –, dir-se-ia que não poderia realizar esta obra.  Porque é uma obra de apostolado insigne. E segundo Dom Chautard, no famosíssimo livro A alma de todo apostolado – que explica a doutrina da Igreja –, quem não possui vida de piedade intensa, não tem Fé, Esperança e Caridade intensas – são as virtudes teologais –, depois as virtudes cardeais, este não pode fazer uma obra de apostolado fecunda. Então, como Carlos Magno pôde fazer uma das maiores obras de apostolado de todos os séculos se não fosse muito virtuoso? Evidentemente é muito difícil explicar isso.

    É verdade que há pontos nebulosos na história de Carlos Magno. Ele se casou com uma princesa da Lombardia – onde havia um povo bárbaro, que tinha ocupado o Norte da Itália –, depois se  separou dela e casou com uma outra. Houve uma anulação de casamento regular? Havia nulidade mesmo de casamento, ou isto foi uma transgressão do princípio através do qual o casamento é  indissolúvel?

    Certas matanças feitas por ele a Igreja censura. Realmente não é fácil justificá-las. Dizer a um indivíduo “ou tu crês ou te mato” não se pode fazer. Nem obrigar uma pessoa a crer, ou a dizer que  crê, quando ela não acredita. E Carlos Magno, agindo desta forma, fez mal. Mas qual era o grau de conhecimento que ele tinha de que isto era ruim? Há uma porção de problemas a este respeito.

    Católico, guerreiro e monarca por excelência

    O fato é que a figura de Carlos Magno se projetou sobre toda a Idade Média. Ele foi o grande pró-homem da Idade Média, quer dizer, homem por excelência, católico por excelência, guerreiro por  excelência, monarca por excelência, Carlos Magno. “Magno” é a palavra latina que quer dizer “grande”: Carlos o Grande. Mas o adjetivo “magno” ficou de tal maneira colado ao nome dele que, mesmo nas nações onde o termo “magno” quase não se usa ou desapareceu de todo, ainda ninguém diz dele “Carlos o Grande”, mas “Carlos Magno”. Há uma magnitude que está inerente a ele.

     Em Aix-la-Chapelle, ele ia tomar águas. Devido a um incômodo qualquer de natureza gástrica, bebia essas águas que lhe faziam muito bem. E até hoje, em Aix-la-Chapelle, há uma fonte de água  mineral, chamada Fonte de Carlos Magno, onde as pessoas doentes da cidade a tomam gratuitamente.

    Essa fonte jorra água noite e dia. As pessoas vão com garrafões e os enchem com aquela água. Bebem, faz bem para muita gente pelas suas propriedades químicas, não é uma água milagrosa. Foi  feita a análise química. Essa água fazia bem no tempo de Carlos Magno, e faz bem até hoje em dia. Na cidade de Aix-la-Chapelle ele tinha um palácio, do qual restam lindos vestígios. E mandou  construir a catedral onde assistia ao Ofício num trono, o qual se conserva até hoje e que nós tivemos a felicidade de oscular.

    Nesse povo se manteve a ideia de Carlos Magno como um Santo. Desde os primeiros tempos do Imperador até nossos dias, em algumas cidades da zona, se celebra Missa em louvor do que eles  chamam o Bem-aventurado Carlos Magno, com permissão da Igreja. Comemora-se uma festa oficial naquela região, da qual toma parte todo o povo.

    “Chanson de Roland”: uma das mais bonitas obras poéticas de todos os tempos

    É extremamente improvável admitir a hipótese de que Carlos Magno não esteja no Céu. Porque, embora não tenha sido canonizado, a Igreja autoriza um culto a ele; é impossível imaginar que  esteja no Inferno. Entretanto, a Igreja ainda não se pronunciou a respeito da heroicidade de suas virtudes.

    Só mediante um pronunciamento da Igreja infalível é que se pode generalizar o culto dele a todo o orbe católico.  Mas o modo como são tratadas as relíquias dele nessa catedral é como se tratam as relíquias de um Santo.

    A vida de Carlos Magno inspirou uma das mais bonitas obras poéticas de todos os tempos, que é a “Chanson de Roland”. Roland, o sobrinho dele, seu principal guerreiro e braço direito, formava,  com outros onze guerreiros, os doze pares de Carlos Magno. Eram seus doze grandes guerreiros, seus grandes sustentáculos, que o ajudaram a fazer essa obra extraordinária de defesa e de  conquista.

    Episódios da luta deles foram cantados na canção de gesta de Roland, que é uma verdadeira maravilha. Essa canção de gesta projeta a beleza da figura de Carlos Magno de modo extraordinário, e  contribuiu para formar uma atmosfera de respeito verdadeiramente religioso, por vezes tributado até por pessoas laicas.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/12/1988)

     

  • Rainha do Brasil

    Com a coroação de Nossa Senhora Aparecida, esta devoção, nascida tão humildemente, culminou num verdadeiro ato jurídico, por efeito do poder das chaves concedido por Nosso Senhor Jesus Cristo à Igreja.

    Maria Santíssima ficou sendo no Céu, além de Advogada, a verdadeira Rainha do Brasil. Esta realeza estabelece um vínculo especial de Nossa Senhora com este povo. Devemos ver neste fato um prenúncio do Reino de Maria, pois ao ser a Santíssima Virgem aclamada Rainha do Brasil, o Reino d’Ela fica juridicamente declarado.

    Rezemos, portanto, pelo triunfo do Coração Imaculado de Maria, que no Brasil se apresenta sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

    (Extraído de conferência de 5/10/1964)