Categoria: Santos do dia

  • Santa Isabel da Hungria – Constância em meio à dor

    A Idade Média pode ser comparada a uma catedral, em cuja fachada estão colocadas imagens de muitos santos. Uma dessas figuras foi Santa Isabel da Hungria, glória da Ordem Terceira Franciscana e um dos ornamentos da Cristandade

    O calendário dos santos nos traz à memória Santa Isabel, viúva e religiosa, que viveu no século XIII, filha do Rei André II da Hungria e esposa de Luís, “Landgraf” da Turíngia.

    O que era um “Landgraf”? Ao pé da letra, “land” significa terra e “graf”, conde. O “Landgraf” é um Conde da Terra. E foi com um grande senhor feudal, um príncipe, que ela se casou.

    Muitos santos passam por dramas

    Eu gostaria de considerar a biografia de Santa Isabel da Hungria debaixo de um ângulo muito interessante, que é o seguinte:

    O itinerário, a linha geral, da vida de muitos santos se parece com o de Santa Isabel da Hungria. É uma situação inicial, um drama que leva a pessoa até ao heroísmo, depois se passam alguns anos de aperfeiçoamento e de estabilidade na quietude e no heroísmo, é a santificação, e por fim a morte.

    Pode-se encontrar isso na vida de quase todos os santos que mudaram o seu estado de vida.

    O santo mais característico nesse sentido é Santo Inácio de Loyola, um gentil-homem que frequentava a corte, era guerreiro e tinha todas as ambições costumeiras de um fidalgo de seu tempo. Entretanto, abate-se sobre Inácio o drama, que começa com o ferimento no cerco de Pamplona e termina quando ele fundou a Companhia de Jesus; foi uma fase convulsionada e difícil de sua vida. Fundada a Companhia de Jesus, inicia-se outro período de luta, mas com certa estabilidade. Depois de algum tempo ele morre.

    Assim foi também com Santa Teresa de Jesus. Ela era tíbia, quer como pessoa do século, quer como religiosa, mas que depois se transformou tanto, a ponto de ser um vergel de santidade até os dias atuais. Mas é o drama: a religiosa tíbia que passa a ser fervorosa e fundadora e tem de enfrentar inúmeras dificuldades e tragédias. Depois, segue um período de estabilidade; a obra está fundada, ela é a Superiora Geral, dirige-a por algum tempo e morre.

    No castelo de Wartenburg

    A mesma coisa se passou com Santa Isabel. Ela era filha do Rei da Hungria e esposa do Duque da Turíngia. Era, portanto, uma senhora de alta posição social, que vivia na perfeita prática da virtude. Não se pode falar propriamente de sua conversão, mas ela vivia feliz no século. Deus a destinava a ser uma glória da Ordem Terceira dos Franciscanos, para iluminar e tornar-se um dos ornamentos da Cristandade medieval.

    A Idade Média pode ser considerada como uma catedral, em cuja fachada estão colocadas imagens de muitos santos. Uma dessas figuras ornamentais e inspiradoras é exatamente Santa Isabel da Hungria.

    Ela foi para o Castelo de Wartenburg, na Turíngia, aos quatro anos de idade. Naquele tempo prevalecia a ideia — pelo menos nas altas camadas sociais — de que era conveniente mandar as meninas para os castelos das famílias onde deveriam se casar. Pois poderiam receber toda a formação do lugar e assumir inteiramente todos os seus costumes, embora elas fossem livres de dizer “não” no momento em que atingissem a maioridade, e de fato não se casassem.

    Santa Isabel foi para lá e teve uma vida muito feliz. Ela e seu esposo deram-se muito bem.

    O leproso acolhido no castelo

    Entretanto, o que acontece na realidade é que os verdadeiros filhos de Deus sempre acumulam em torno de si a inimizade das pessoas más e invejosas. Não existe nenhum verdadeiro católico que não seja perseguido. Nosso Senhor Jesus Cristo já prevenira aos seus de que todo autêntico discípulo d’Ele seria perseguido como Ele o foi.

    Santa Isabel tinha contra si toda espécie de odiosidades, que vinham, muitas vezes, devido a sua prática da perfeição. Os ímpios e invejosos exploravam aspectos de suas virtudes que eram incompreensíveis a eles, pois tinham mau espírito.

    Assim, por exemplo, em certa ocasião ela acolheu um leproso que viu passar pela rua e o convidou a entrar em seu castelo, deitou-o em seu leito e começou a tratar dele como se fosse o próprio Cristo, à vista daquela palavra de Nosso Senhor de que todos os sofredores representam a Ele. A sogra de Santa Isabel soube disto e procurou a Luís, seu filho, e lhe disse: “Veja o que sua esposa está fazendo! Colocou um leproso em sua cama, para que depois você seja contagiado! Vá até lá e veja que estou falando a verdade!”

    Ele foi e encontrou o leproso deitado na cama, e disse:
    — O que é isto? O que significa este homem deitado neste leito?

    Ela respondeu:
    — Meu esposo, este homem é Nosso Senhor Jesus Cristo.

    No momento em que ela afirmou isto, deu-se o milagre e o Duque viu, no leproso, a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. E sentiu um admirável odor de rosas, que se expandia da pessoa do leproso. Ele ficou profundamente impressionado e a sogra perdeu a partida.

    O Duque Luís era muito bom homem. Ele partiu para a Cruzada, foi contagiado pela peste e acabou morrendo.

    Terrivelmente perseguida, refugiou-se numa floresta com seus filhos

    Desde então, a perseguição se desencadeou contra Santa Isabel de um modo trágico. Ela, que era Duquesa da Turíngia e filha do Rei da Hungria, teve de morar num estábulo de porcos. Foi uma perseguição tremenda, que nos faz ver bem qual é a realidade das misérias humanas.

    As pessoas que a desprezaram eram as que tinham sido beneficiadas por ela, mas que agora se manifestavam frias na hora do infortúnio. Em vez de irem ao encontro dela, afastavam-se, mantinham distância, pois estavam com medo das represálias que poderiam sofrer pelos que odiavam a Santa Isabel.

    Certa noite ela acabou sendo acolhida num convento, no qual foi muito bem recebida, mas depois teve de se retirar, porque seu cunhado estava se aproximando. Antes de sair, pediu que se cantasse o “Te Deum”, para dar graças a Deus pelos sofrimentos pelos quais ela estava passando. Logo depois que saiu, caiu uma forte chuva sobre ela e seus filhos. E era uma chuva de inverno europeu, água gelada! E Santa Isabel, escondida numa floresta com seus filhos, sofrendo tudo aquilo teve um desfalecimento; parece ter sido tentada a ter dúvidas contra a Fé. Não se sabe qual foi o grau de seu consentimento, mas de qualquer maneira ela se penitenciou a vida inteira por isto. A Providência a perdoou, e ela chegou até a mais alta santidade. A fortuna lhe foi restituída, mas ela não quis voltar para as regalias antigas e dedicou-se de corpo e alma à Ordem Terceira dos Franciscanos.

    A partir do momento em que seu marido vai para a Cruzada e morre, se inicia o drama para Santa Isabel: Ela fica sozinha, perde o ducado, é perseguida e começa para ela uma vida muito mortificada e miserável. Passa por dilacerações tremendas, e a boa moça se transforma numa heroína, depois na santa que vive todo o tempo na santidade e por fim morre. São três etapas que se pode verificar em muitas vidas de santos.

    Isso também se verifica na vida comum: uma família se constitui, luta para ganhar a vida, formar e santificar os filhos, fazendo deles verdadeiros cumpridores da Lei de Deus. Quando essa batalha é vencida, os pais já estão velhos, têm um período de estabilidade e depois vem a morte.

    Provavelmente isso se dará conosco. Nós temos um período de germinação, e depois de um período de lutas também chegará a ocasião de preparar a nossa alma e prestarmos contas a Deus.

    A vida não teria sentido se não houvesse a luta

    Devemos compreender, portanto, que todos os dramas da vida fazem parte dessa arquitetura e que a existência não teria sentido se não fosse exatamente esse aspecto de luta, de tragédia, de martírio, em função do qual todo o resto se desenvolve. Uma coisa é a preparação e outra é a conclusão, mas o importante é a parte da luta, a fase dramática, na qual o homem dá tudo quanto tem, tudo quanto pode dar!

    E precisamos nos preparar para isso com muito entusiasmo, como um cavaleiro se preparava durante sua vigília de armas. Compreendendo que a fase mais importante da vida vai ser essa: algum momento, por vezes interior, em que a pessoa transpira sangue como Nosso Senhor no Horto das Oliveiras. Mas ela tem um ato de fidelidade e vai para a frente, confiando na misericórdia de Nossa Senhora. É o ápice da vida!

    Feliz aquele cuja vida apresenta muitos ápices, que desfecha num ápice central! Compreendemos então a beleza da vida de cada homem, considerada sob este aspecto.

    A vida de Santa Isabel da Hungria nos apresenta exatamente um exemplo muito frisante, muito importante. Peçamos a ela que nos dê a coragem nessas grandes horas e o desejo dessas grandes horas.

    Devemos ver também na vida desta santa um exemplo de constância em meio às piores desgraças. Há duas formas de constância na desgraça: uma quando a desgraça acontece e a pessoa a suporta. Outra quando a pessoa prevê a desgraça, fita-a com olhos calmos e oferece a Nossa Senhora o sacrifício que vai ter, e faz a oração de Nosso Senhor no Horto das Oliveiras: “Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua!”

    Essa foi a vida de Santa Isabel da Hungria, e assim deve ser a nossa. Na calma, a resignação de ver as desgraças pelas quais devemos passar e ter a constância no decurso delas. Isso não se pode conseguir a não ser seguindo o exemplo adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo: na hora da aflição vigiar e orar para não cair em tentação. Peçamos isso a Nossa Senhora, cuja prece é onipotente!

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 19/11/1965 e 18/11/1966)

  • São Gregório Taumaturgo

    Se Deus fez grandes milagres para resolver pequenos assuntos, com muito mais razão realizará milagres extraordinários para solucionar questões de altíssima importância, desde que peçamos com muita insistência e confiança, através de Nossa Senhora.

    Em 17 de novembro comemora-se a festa de São Gregório Taumaturgo, a respeito do qual temos os seguintes dados biográficos:

    Gregório nasceu em Neocesareia, por volta de 213. Foi discípulo de Orígenes e se tornou bispo de sua cidade natal. Ilustre por sua doutrina e santidade, ele o foi ainda mais pelo número e pelo brilho dos milagres extraordinários — razão pela qual foi chamado o Taumaturgo — que o tornaram, segundo o testemunho de São Basílio, comparável a Moisés, aos Profetas e aos Apóstolos.

    Por sua oração ele moveu do lugar uma montanha que o atrapalhava para construir uma igreja. Secou uma lagoa que era para seus irmãos uma causa de discórdia. Deteve as inundações do Rio Icus que devastavam os campos, introduzindo no rio seu bastão, o qual imediatamente criou raízes e se transformou numa grande árvore, formando um limite que o rio nunca mais excedeu.

    Muitas vezes ele expulsou os demônios dos ídolos e dos corpos e realizou muitos outros prodígios, pelos quais multidões de homens foram conduzidas à Fé de Jesus Cristo.

    Possuía também o espírito dos Profetas, e anunciava o futuro. No momento de deixar esta vida, tendo ele perguntado qual o número dos infiéis que permaneciam em Neocesareia, lhe responderam que não era senão dezessete. E dando graças a Deus ele disse: “Esse é o mesmo número dos fiéis, no começo do meu episcopado”.

    Escreveu vários trabalhos que, como seus milagres, ilustraram a Igreja de Deus. Morreu entre 270 e 275.

    Milagres incontestáveis e não fruto de sugestão

    Sem dúvida, é um grande santo!

    Cabe-nos analisar um pouco a natureza desses milagres, para entendermos alguma coisa da missão dele.

    É interessante que no enorme conjunto de santos a Providência, que sempre faz com que a quase totalidade deles opere milagres, entretanto escolhe alguns para realizar muitos milagres. Isso tem uma razão de ser profunda, porque os milagres operados em grande número pela mesma pessoa indicam mais a ação extraordinária de Deus. Que uma pessoa faça um ato miraculoso, já é inverossímil. Mas que realize muitos e muitos é mais inverossímil ainda, de maneira que esses milagres dão muito mais glória a Deus.

    E aqui está um homem que parece ter sido escolhido para mostrar que todos os dons de milagres do Antigo Testamento e da Igreja primitiva ainda se conservavam no século III, em que ele viveu. O que esses milagres têm de interessante é que nenhum deles pode-se explicar pela sugestão.

    Posso compreender que um maluco diga que uma cura em Lourdes foi feita por sugestão. Mas nenhum doido pode dizer que uma montanha ficou sugestionada, e por isso mudou de lugar; ou que um lago secou por uma sugestão.

    Alguém objetaria: “Ele sugestionou as pessoas que os viram”.

    A sugestão não dura a vida inteira. Está um monte aqui, que se move para lá. É uma sugestão das pessoas que viram; quando passa a sugestão, onde se encontra o monte? O monte deveria ter voltado para o lugar anterior…

    O lago estava cheio e, por um fenômeno de sugestão, as pessoas tiveram a impressão de que ele secou. Mas se assim fosse, quando passasse essa impressão, o lago deveria estar cheio de novo… Depois, aquele crescimento imediato de uma árvore porque ele colocou o bastão dentro da água. Terminada a impressão, as pessoas deveriam ver o bastão e não a árvore. Ora, viram uma árvore crescer imediatamente, a ponto de mudar o curso de um rio… Portanto, são milagres categóricos, incontestáveis. A Providência deu a este santo esse dom de milagres para que assim se compreenda como a Igreja é divina.

    Deus nos atende com liberalidade magnífica

    Mas foi só para isso? Não. Há ainda outras razões.

    Primeiro, uma montanha que precisava ir embora, para ele poder ter um lugar cômodo a fim de construir uma igreja. Foi um prodígio enorme, feito por ocasião de um pedido não muito importante. Porque, afinal de contas, se não se pode edificar uma igreja aqui, constrói-se lá. Não é irremediável que uma montanha esteja atrapalhando a construção de uma igreja…

    Por que a Providência deu a ele a graça de operar esse milagre, a propósito de uma coisa que parece não ser de primeira importância?

    É para mostrar como Deus é paterno, como a Providência é materna para conosco. Os milagres não se operam somente quando estamos com angústia, presos pela “garganta” pelas maiores tragédias. Mas Deus é Pai, Nossa Senhora é Mãe, e nos dão graças muito grandes, com uma liberalidade magnífica, mesmo quando não nos encontramos na última aflição.

    O “Livro da Confiança” insiste neste ponto: é preciso pedir muito e com insistência, mesmo coisas que não sejam muito importantes, e ser-nos-ão concedidas.

    Aqui vemos um milagre enorme realizado apenas para simplificar a vida de um santo, a fim de que um desejo dele pudesse mais comodamente ser satisfeito.

    Outro milagre: seus irmãos estavam brigando por causa de uma lagoa, e ele a secou. É uma espécie de malicioso castigo para os irmãos. “Vocês estão se estraçalhando pela posse dessa lagoa? Pois bem, ela se tornará seca e não ficará com ninguém!”

    Provavelmente, se ele passasse uma boa descompostura nos irmãos, resolveria a contenda da mesma maneira; é um episódio íntimo, uma briguinha de família que não tem nada de mais trágico. Entretanto, foi feito o milagre para solucionar o caso.

    O terceiro milagre era para evitar as inundações de um rio. Também é uma coisa que a humanidade poderia continuar a existir se esse rio transbordasse.

    Agir com santa liberdade

    Isso nos deve conduzir à ideia de que, se para bagatelas dessas um santo pode ser atendido, podemos ser acolhidos também quando pedimos coisas muito mais importantes. Porque quem faz o mais, faz o menos. E se é mais extraordinário fazer um milagre por uma bagatela, é menos extraordinário realizá-lo para uma coisa que não seja bagatela.

    Portanto, pelas necessidades da nossa vida espiritual, quantas montanhas devem ser removidas, quantas lagoas têm que ser secadas, quantas inundações que transbordam e precisam ser remediadas! E com quanta confiança devemos, portanto, nos dirigir a Nossa Senhora pedindo a Ela esses favores!

    Alguém me dirá:
    — Ah, Dr. Plinio, antes fosse como o senhor diz… Mas a questão é que nós não somos São Gregório Taumaturgo. Ele era um santo e conseguia.

    Eu respondo:
    São Gregório está no Céu e se encontra ao nosso alcance; para quem olha as coisas sob o ponto de vista sobrenatural, é tudo tão simples. Não consigo obter porque eu sou eu, e não sou São Gregório Taumaturgo. Peçamos, então, a ele no dia de hoje em que se comemora sua festa.

    É preciso agir com as coisas do Céu com esta santa liberdade, eu diria quase com essa santa candura. Quanta coisa se recebe por essa forma! E é este o incitamento a que se presta a vida deste santo.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/11/1965)

  • Santa Margarida da Escócia

    Foi soberana da Escócia e sua padroeira, século XI.

    “Santa Margarida era rainha da Escócia e descendia, por seu pai, dos reis da Inglaterra e, por sua mãe, dos Césares.”

    “Como a mulher forte de que fala a Epístola, a prática das virtudes cristãs tornou-a mais ilustre ainda. Penetrada do amor de Deus, impôs-se terríveis mortificações e soube, com seu exemplo, levar o rei seu esposo, a uma conduta melhor para com seus súditos, e seus súditos a costumes mais cristãos. Educou os seus filhos com tanta piedade, que vários deles viveram em alta perfeição. Nada nela, porém, foi tão admirável, quanto sua ardente caridade para com o próximo. Chamavam-na ‘Mãe dos órfãos’ e a ‘Tesoureira dos pobres de Jesus Cristo’. Margarida se privava não só do supérfluo, mas até do necessário, comprando assim a ‘pérola preciosa do Reino dos céus’.”

    “Purificada por seis meses de sofrimento corporais, entregou sua alma a Deus, em 1093, em Edimburgo. A santidade de sua vida e numerosos milagres operados depois de sua morte, tornaram seu culto célebre no mundo inteiro. Foi designada por Clemente X padroeira da nação escocesa, sobre a qual reinou cerca de 30 anos. Admiremos a obra do Espírito Santo na alma da santa rainha, por Ele escolhida para o desenvolvimento do Reino de Cristo na Escócia e roguemos à santa pela volta desse país à unidade Romana.” (Missal Quotidiano e Vesperal, de Dom Gaspar Lefèbvre).

    Santa Margarida é uma princesa que vem trazendo sangue do mais ilustre para a Escócia, que vem trazendo consigo toda a flor da civilização ocidental, ao mesmo tempo que é uma rainha maravilhosa, que deixa vários filhos em estado de perfeição, ilustres por sua virtude, que intercedeu a favor do povo, que deu esmolas, que realizou milagres, e tudo isto, sempre ungido pela coroa real, dá uma ideia tão completa da realeza, mas também de um mundo concreto onde maravilhas são possíveis e onde o extraordinário e o estupendo são realizáveis, que acaba sendo uma espécie de plenitude do princípio axiológico; daquela afirmação de que as coisas podem encontrar ordem, estão naturalmente numa disposição ordenada, e de que a ordem, mesmo a mais maravilhosa e audaciosa é realizada na terra.

    É interessante ver como isso contrasta com o minimalismo de certo apostolado de hoje. Quando se consegue que uma pessoa seja mais ou menos boazinha, já é uma festa. Naquele tempo, o apostolado da Igreja era maximalista. As rainhas deviam ser santas e algumas delas o eram. Essas santas de tal maneira difundiam o bom odor de Jesus Cristo por toda parte, que isto acabava sacralizando a própria dignidade régia e criando uma espécie de ambiente de feeria, uma espécie de ambiente de maravilha na civilização medieval, da qual precisamente os vitrais são um reflexo.

    Os vitrais, apresentando os santos no meio de fogos incandescentes, no meio de pedacinhos de vidro dourados, cor de rubi, cor de esmeralda, com uma luz na cabeça, aqui a coroa real sobre uma mesa, a santa que derrama flores em torno de si, etc. Tudo isto é a imagem do próprio modo como o medieval concebia a vida, por exemplo, de uma Santa Margarida,  Rainha da Escócia. Isto evitava, naturalmente, que o povo se voltasse para o culto do horroroso, procurando entreter-se com a vida, tão freqüentemente escandalosa, de atores, atrizes e de tantas outras coisas assim. Porque o povo, queira ou não queira, procura o maravilhoso.

    A facilidade com que foi possível realizar o culto da personalidade na Rússia, com aquela horrenda “maravilha” que foi Stalin, prova bem isso. Não se apresentando um certo tipo de maravilha, tem-se que apresentar um outro tipo de “maravilha”. E quando o povo não se maravilha com Jesus Cristo, acaba se maravilhando com Barrabás.

    … imaginem, por exemplo para se ver o efeito do que seria uma vida de Santa Margarida sobre a alma das pessoas, que agora houvesse uma conversão da princesa Margareth Rose, e que ela começasse a realizar milagres, que ela fosse vista dando esmolas para pobres, não de um modo socialista, que ela tivesse filhos que fossem tidos como verdadeiros santos, e que isso se desse num ambiente de legenda.

    Ela seria odiada, contra ela se desencadearia uma perseguição horrorosa, mas ao mesmo tempo, milhares de almas vibrariam de entusiasmo por ela, e a fotografia dela estaria na parede das casas de operários, de camponeses de todos os lugares do mundo. Como esse simples fato impressionaria! E como impressionaria prodigiosamente! O prestígio de uma rainha na Escócia, naquela época, era imensamente maior do que o de uma rainha hoje, a “fortiori” de uma princesa.

    Os senhores podem imaginar o que era a fama de Santa Margarida, rainha da Escócia, em toda a Cristandade. Aí é que se compreende o bem que isso poderia fazer!

    Plinio Corrêa de Oliveira – excertos de palestra

     

  • Santa Gertrudes e a linguagem simbólica de Deus

    Aproveitando a ocasião de uma Festa de Cristo Rei, Dr. Plinio comenta, enlevado, os diversos reluzimentos da infinita majestade de Nosso Senhor Jesus Cristo ao longo de sua passagem neste mundo. Majestade coroada nas glórias da Ressurreição e perpetuada nos grandiosos acontecimentos da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

    Ao considerarmos a celebração da realeza de Cristo e, pois, da majestade do Filho de Deus, creio ser conveniente voltarmos nossos olhos para um aspecto pouco ressaltado quando se aborda esse tema.

    Risco, dor e dever são inerentes à majestade

    Majestade, do latim “major stare”, significa estar acima, no píncaro. Devemos então começar por compreender que essa condição de supremacia envolve muita reflexão. Não uma reflexão qualquer, mas inspirada, iluminada e elevada pela graça. Esse teor de pensamento patenteia, à pessoa que se encontra nessa posição suprema, o dever, o risco e a dor inerentes à sua condição. Porque possuir majestade consiste também — e não na menor medida — em aceitar a dor, o risco, as obrigações com todos os seus ônus.

    Alguns espíritos contemporâneos, superficiais e avessos à reflexão, amigos das facilidades e inimigos da dor e do sofrimento, talvez se sintam contrariados com essa noção de majestade. Tal recusa, porém, não torna essa noção perempta, porque ela permanece invariável: se alguém se afasta dela, não é o conceito que decai, e sim esse alguém. Mais ou menos como um navio que afunda e, por isso, se distancia da luz do sol. Não é o astro que soçobra e desaparece, mas o navio. O sol continua a brilhar no alto dos céus.

    A majestade autêntica provém da Fé

    As grandes verdades e normas, os grandes princípios e planos, as grandes máximas e execuções são os aspectos por onde um homem, mesmo de condição comum, pode ter majestade. Portanto, essa majestade todo indivíduo deve desejar, sem nenhum prejuízo para a modéstia e a virtude da humildade que ele igualmente deve praticar.

    Pois, entendamos, a majestade não é uma faceirice como uma gravata ou um atavio que vestimos para mostrar aos outros: “Veja, chegou-me de Paris”. Não, a autêntica majestade não é enfeite, e nunca ensoberbece aquele que a possui. Pelo contrário, o indivíduo que tem majestade se sente sempre pequeno diante dela, compreende que, por mais majestoso que seja, como simples indivíduo não é diferente de todo mortal. A majestade lhe vem da fé, da influência da Santa Igreja à qual ele se dispõe a aceitar. Se for honesto consigo mesmo, ele se perguntará sempre se levou sua própria majestade à altura para a qual foi criado.

    O Rei por excelência, crucificado e rejeitado

    Tocamos, então, no exemplo sublime que ilustra os conceitos acima considerados: Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Pensemos na majestade do Homem-Deus no Calvário, sentenciado, condenado e pregado na cruz. Sobre Ele recaíram as piores execrações possíveis. Era o rejeitado por excelência, como nenhum outro ser humano fora nem será. Durante três anos de sua vida pública, Nosso Senhor não fez senão procurar atrair os outros, manifestando-lhes uma sabedoria, uma misericórdia e uma bondade infinitas. Seu império sobre as forças da natureza tornou-se patente em mais de uma ocasião. Um poder capaz de levantar um morto sepultado há quatro dias e que já cheirava mal, com uma simples ordem: “Lázaro, sai para fora!”

    As tempestades agitam as águas do mar e, a uma palavra d’Ele, tudo serena. Falta vinho, Ele manda encher algumas bilhas de água e, quando o mordomo se põe a servir, espanta-se com a qualidade do vinho que é oferecido aos convidados das bodas de Caná. A multidão tem fome? Ele multiplica os pães e os peixes e ordena aos Apóstolos saciar aquela gente. A comida se verifica tanta que, com os restos, ainda enchem doze canastras.

    Por onde Nosso Senhor passava, maravilhas se sucediam. Poder, sabedoria, bondade e ternura insondáveis. Seu olhar, sua fisionomia, suas mãos e sua presença divinas estavam repletos de dons ofertados aos homens. O povo O proclama rei para em seguida rejeitá-Lo em favor do facínora Barrabás.

    Rejeição completa, na qual Nosso Senhor nada perdeu de sua majestade infinita, de sua distinção incomparável. Qualquer um que, de olhar límpido e isento de preconceitos, O visse pregado na cruz, ajoelhar-se-ia e diria: “Meu Rei!”

    Não houve nem haverá na História um monarca que tenha, sequer de longe, manifestado semelhante majestade.

    Grandeza régia do cadáver divino

    Nosso Senhor morre, alguns discípulos mais corajosos retiram o corpo d’Ele da cruz. Ao longo dos séculos, os pintores têm se empenhado em salientar um aspecto verdadeiro da descida da cruz, isto é, o corpo santíssimo de Jesus sujeito às leis da gravidade, sem vida, pendendo para onde o inclinam. Retirado do madeiro, o depositam no colo virginal de Maria Santíssima e o preparam para ser deixado na sepultura. Igualmente se esforçam os artistas em retratar a dor da Mãe e a inanição do Filho.

    Entretanto, se me fosse dado sugerir algo a um pintor ou escultor, pediria que encontrasse um meio de apresentar, na simplicidade e misérias extremas dessa Mãe e desse Filho, a sublime majestade de ambos: a régia grandeza do cadáver divino, e como Maria se sentia dignificada com aquele tesouro depositado no seu colo.

    Incomparável majestade da Ressurreição

    Pensemos, em seguida, na Ressurreição e naquilo que poderíamos chamar de “re-esplendor” da majestade de Nosso Senhor Jesus Cristo. No interior do jazigo, escuridão profunda. Mais majestoso do que todo o céu e do que toda a terra, ali repousa o corpo exangue do Redentor. Em determinado momento — imaginemos — a alma santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo a ele retorna e o revivifica, vencendo a morte.

    Se um relâmpago, mera descarga elétrica, pode ser majestoso; se o sol, cujo fulgor é produto de gases em combustão, tantas vezes nos parece envolto em majestade, que dizer da apoteose que terá sido a alma de Cristo voltando ao seu corpo?

    O tema é por demais elevado para nossas cogitações, e creio que pincel de artista algum seria capaz de representá-lo de maneira conveniente.

    A pedra do sepulcro se move e o Senhor Glorioso abandona as trevas do túmulo para reaparecer na luz da vida. É a primeira festa de Páscoa da História da Igreja e que se repetirá, todos os anos, até o fim dos tempos. Majestade!

    Pentecostes e as catacumbas: exemplos perfeitos de majestade

    Poderíamos ainda evocar outras cenas que se seguiram à gloriosa Ressurreição do Rei Divino, as quais espargem reflexos de sua infinita majestade.

    Cenáculo. Nossa Senhora e os Apóstolos estão ali reunidos, recolhidos em oração e recordações dos ensinamentos do Mestre. Sentem que algo de extraordinário está por acontecer. Seus corações se inflamam a cada nova oração, a cada nova lembrança das palavras de Jesus. O ambiente se reveste de grandeza, e os discípulos se tomam de um encantamento crescente pela pessoa de Maria Santíssima, vendo n’Ela a imagem do Filho. Tudo reluz.

    Subitamente, quando pensam que atingiram o auge de suas cogitações, tudo ainda estava por vir: o Divino Espírito Santo aparece em forma de línguas de fogo e deita sobre cada um deles a plenitude de seus dons. Majestade!

    Apresentação no Templo, por Gentile da Fabriano – Museu do Louvre, Paris

    Muda a cena. Correm os séculos, e estamos nas catacumbas de Roma. Labirintos escavados no subsolo da velha urbe. Terra onde os cristãos depositam os corpos inanimados dos seus mártires. Naqueles túneis vivem e transitam pessoas humildes e ilustres, ricos e estropiados, católicos de todas as condições que iam assistir a Missa celebrada pelo sucessor de Pedro.

    É uma noite de Natal, digamos. Noite comum para os romanos antigos, alguns dos quais se embriagavam em orgias; mas, lá embaixo, naquela cidade sob a cidade, entre paredes ornadas com pinturas primitivas que lembram cenas evangélicas, o Papa celebra o nascimento e a glória de Cristo. Exemplos perfeitos de majestade.

    Revestida de seu manto majestoso, a Igreja atravessa os séculos

    É a majestade da Fé, a majestade do sobrenatural professada até nas condições hostis e adversas das catacumbas, desafiando o martírio e a morte, enfrentando o império mais poderoso da Terra, admirando a pessoa do vigário daquele Cristo que adoram, com uma reverência tão grande que sua admiração ilumina aquele subterrâneo inteiro.

    Majestade das almas, e, mais ainda, majestade de Deus que de algum modo se comunica àqueles primeiros cristãos e brilha nos seus olhares e na suas demonstrações de Fé.

    Majestade primitiva da Igreja que continha em germe todas as majestades que ela manifestaria ao longo dos séculos, nas suas liturgias e na sua história, como uma rainha revestida de um imenso e precioso manto de beleza.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 27/11/1982)

  • O maravilhoso realizado na Terra

    Na vida de Santa Margarida da Escócia nota-se a existência do maravilhoso na Idade Média dia. Não do maravilhoso como uma fábula ou lenda, mas como algo de realizável.

    Para a brumosa Escócia, então terra de missão, essa princesa vinha trazendo sangue ilustre, toda a flor da civilização ocidental, tornando-se uma rainha magnífica, que deixa vários filhos ilustres por suas virtudes, e que intercedeu a favor do povo, deu esmolas, realizou milagres.

    Tudo isso sempre ungido pela coroa real, além de uma ideia completa da realeza, apresenta um mundo concreto onde maravilhas são possíveis e o extraordinário, o estupendo, a ordem, mesmo a mais excelente e audaciosa, são realizáveis na Terra.

    Santas como esta de tal maneira difundiam o bom odor de Jesus Cristo por toda parte, que acabavam sacralizando a própria dignidade régia e criando uma espécie de ambiente de feeria, de maravilhoso da civilização medieval, do qual os vitrais são um reflexo, apresentando os bem-aventurados em meio a pedacinhos de vidros dourados, cor de rubi, de esmeraldas, com uma luz na cabeça, a coroa real sobre uma mesa, uma santa que derrama flores em torno de si… Tudo isso é a imagem do próprio modo como o medieval concebia a vida, por exemplo, de uma Santa Margarida, Rainha da Escócia.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/6/1964)

  • São Martinho de Porres

    Na Lima dos santos, brilhou a figura de São Martinho de Porres, misto de fidalgo e homem do povo, cujas virtudes esplendentes contribuíram para conferir à civilização peruana do seu tempo uma beleza e uma ordenação católicas até hoje insuperáveis. Ordenação e beleza que anseiam por reviver e traçar um futuro ainda mais glorioso que o passado.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 9/5/1994)
    Revista Dr Plinio 116 (Novembro de 2007)

  • Refulgente destruidor das heresias

    Santo Alberto Magno refulgiu enquanto intelectual, contemplativo e homem de ação porque colocou acima de tudo a vida interior. Mereceu, assim, este elogio expresso num vitral da igreja dos dominicanos de Colônia: “Este santuário foi construído pelo Bispo Alberto, flor dos filósofos e dos sábios, modelo dos costumes, refulgente destruidor das heresias e flagelo dos maus.”

     

    A respeito de Santo Alberto Magno, temos uma biografia muito interessante(1) sobre a qual pretendo tecer alguns comentários.

    São Tomás de Aquino: o mais ilustre de seus discípulos

    Alberto, o Grande, nasceu por volta de 1206, em Laurigen, na Baviera. Depois de uma educação cuidadosa, recebida em sua infância, foi estudar Direito em Pádua. Lá ele encontrou o Bem-aventurado Giordano, mestre geral dos Irmãos Pregadores, cujos conselhos o engajaram a entrar na família dominicana.

    Logo se fez notar por sua terna e filial devoção para com Nossa Senhora, e pela fidelidade de sua observância monástica. Enviado a Colônia para completar os seus estudos, era tão aplicado que parecia ter penetrado todas as ciências humanas, mais do que nenhum de seus contemporâneos.

    Julgado digno de ensinar, foi nomeado professor em Hildesheim, Friburgo, Ratisbona, Estrasburgo, enfim na Universidade de Paris, onde ele demonstrou o acordo existente entre a fé e a razão, as ciências pagãs e as ciências sacras. O mais ilustre de seus discípulos foi São Tomás de Aquino, que lhe devia suceder na Sorbonne.

    Poderoso intelectual, grande contemplativo e homem de ação

    Ele voltou a Colônia para dirigir os Capítulos Gerais de sua Ordem, foi nomeado Provincial na Alemanha, depois Bispo de Ratisbona. Lá ele se dedicou a seu rebanho e conservou seus hábitos de simplicidade religiosa. Mas ele renunciou três anos depois, em 1262. Desde então exerceu o ministério da pregação, agiu como árbitro e pacificador dos príncipes e dos bispos, assistiu ao II Concílio de Lyon e morreu em 1280. Por decreto de 16 de dezembro de 1931, Pio XII o inscreveu no número dos Santos e o nomeou Doutor da Igreja Universal.

    Num vitral da igreja dos dominicanos de Colônia podiam-se ler, a partir do ano de 1300, as seguintes palavras: “Este santuário foi construído pelo Bispo Alberto, flor dos filósofos e dos sábios, modelo dos costumes, refulgente destruidor das heresias e flagelo dos maus. Ponde-o, Senhor, no número dos vossos santos.”

    Ele tinha por natureza, segundo se diz, o instinto das grandes coisas. Assim como Salomão, ele implorou o dom da sabedoria, que une intimamente o homem a Deus, dilata as almas e leva para cima o espírito dos fiéis. E a sabedoria lhe comunicou o segredo de unir uma vida intelectual intensa, uma vida interior profunda e uma vida apostólica das mais frutíferas, porque ele foi ao mesmo tempo o iniciador de um poderoso movimento intelectual, um grande contemplativo e um homem de ação.

    O essencial é a vida interior

    A linha geral da vida de Santo Alberto Magno está bem expressa quando se diz que ele refulgiu ao mesmo tempo nesses três dons. Ele se manifesta, nessas condições, como uma daquelas grandes figuras da Idade Média, que são os construtores e consolidadores dessa era histórica, a quem Deus deu graças para se tornarem salientes em todas as coisas, de tal maneira que se ele tivesse feito só uma delas, por exemplo, simplesmente tivesse sido o intelectual que foi, já seria um homem imortal.

    Além de intelectual, ele foi um grande religioso e um grande contemplativo. E, como Santo, também só por isso teria a imortalidade. Por outro lado, apenas como modelo de bispo ele teria também uma fama durável em sua pátria.

    Por que a Providência estabelece a conjugação desses três dons, e faz alguns homens brilharem nessas três pistas ao mesmo tempo? É para dar a entender a seguinte verdade: O homem deve ser, primeiro, de vida interior, e depois as outras coisas. Mas quando ele escolhe ser, antes de tudo, homem de vida interior, de fato ele põe a mais importante das condições para, nos outros campos, ser o que deveria.

    Santo Alberto Magno foi muito maior como intelectual porque tinha vida interior. De maneira tal que se ele simplesmente quisesse ser um grande intelectual, pela mera ambição da cultura, ele tinha vantagem em continuar a vida interior. Se apenas desejasse ser um homem de ação, pela mera vantagem de o ser, ele deveria continuar a vida interior. Porque a vida interior verdadeira, plena, faz o homem executar a vontade de Deus com toda a perfeição e dá à alma recursos que são, em parte, a plenitude de seus recursos naturais e, em parte, carismas e dons que o fazem centuplicar as suas possibilidades. De maneira que ele fica muito maior nas outras atividades porque exatamente naquele elemento essencial ele soube ser grande.

    Isso me faz lembrar um dito de Dom Chautard, o famoso autor de A alma de todo apostolado, para um político francês anticlerical, Clemenceau. Este, sabendo que Dom Chautard estava envolto em mil atividades, perguntou-lhe o seguinte:

    – Como é que o senhor consegue levar a cabo tantas atividades num dia de 24 horas? Respondeu Dom Chautard:

    – O segredo é que além de fazer tudo quanto faço, eu ainda rezo o Rosário. Então, acrescentando essa ocupação, há tempo para todas as outras.

    É um paradoxo, porque acrescentando deveria diminuir o tempo. Mas nisso que parece uma brincadeira há uma verdade profunda: se dermos a Deus todo o tempo que devemos dar, dedicando-nos à vida interior, a Divina Providência velará por nós e teremos tempo para tudo. Essa é a grande verdade que se desprende da vida de Santo Alberto Magno.

    Um elogio que desapareceu completamente

    Eu gostaria de analisar rapidamente esse lindo elogio a ele, escrito no vitral da igreja dos dominicanos de Colônia:

    Este santuário foi construído pelo Bispo Alberto, flor dos filósofos e dos sábios, modelo dos costumes…

    Coisas positivas, construtivas.

    …refulgente destruidor das heresias e flagelo dos maus.

    Quando é que hoje se elogia alguém por ser um refulgente destruidor das heresias ou flagelo dos maus? É verdadeiramente incrível como nós caímos, a tal ponto que esse elogio desapareceu completamente…                v

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/11/1966)

     

    Revista Dr Plinio 248 (Novembro de 2018)

     

    1) Não dispomos dos dados bibliográficos da obra citada.

     

  • Gedeão

    Gedeão, segundo o anjo que lhe apareceu, era um valente guerreiro (cf. Jz 6,12). Entretanto, ao receber sua altíssima missão, estava com medo de morrer. Isso nos evoca uma importante ideia a respeito de valentia: Valente não é o homem que não tem medo, mas aquele que domina o seu medo.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/10/1990)

    Revista Dr Plinio 164 (Novembro de 2011)

  • Na vossa luz veremos a luz

    Ó minha Mãe, Medianeira de todas as graças, na vossa luz veremos a luz. Mãe, antes ficar cego do que deixar de ver vossa luz, porque vê-la é viver. Na sua claridade contemplaremos todas as luzes; e sem ela, nenhuma luz refulge. Não considerarei vida os momentos em que ela não brilhar; e eu, da vida, não quererei ter mais nada do que a mente banhada por essa luz.

    Ó luz!, eu vos seguirei custe o que custar: pelos vales, montes, desertos e ilhas; pelas torturas, pelos abandonos e olvidos; pelas perseguições e tentações, pelos infortúnios, pelas alegrias e triunfos.  Eu vos seguirei de tal maneira que, mesmo no fastígio da glória, não me incomodarei com ela, porque só me preocuparei convosco.

    Eu vos vi, e até o Céu não desejarei outra coisa,  porque, uma vez, vos contemplei!

    Plinio Corrêa de Oliveira

    Revista Dr Plinio 80 (Novembro de 2004)

  • Invencibilidade de quem se abre para a graça

    São Bernardo, Bispo de Hildesheim, era descendente de bárbaros, mas modelou-se de tal modo pelo espírito da Santa Igreja que realizou maravilhas espirituais e materiais em sua diocese. Para uma alma aberta à ação da graça absolutamente nada é impossível! E nada é tão forte como o enlevo, a veneração e a ternura, forças espirituais incomparavelmente mais fortes do que todas as potências materiais.

     

    Vamos considerar alguns dados biográficos sobre São Bernardo, bispo, tirados da obra Vida dos Santos, do Padre Rohr­bacher(1).

    Realizador de inúmeros benefícios

    São Bernardo foi Bispo de Hildesheim, no Sacro Império, no século X. Sendo muito dotado em relação às artes, cultivou-as com cuidado enquanto bispo.

    Reuniu uma grande biblioteca, composta tanto de obras eclesiásticas quanto filosóficas. Incrementava o aperfeiçoamento da pintura, do mosaico, da serralharia, da ourivesaria, recolhendo cuidadosamente os trabalhos curiosos que os estrangeiros enviavam ao rei. E mandando jovens de bom comportamento serem educados para exercitá-los nessas artes.

    Embora muito dedicado às funções eclesiásticas, não se cansava de prestar serviços ao rei e ao Estado. E tão bem se saía, que chegava a despertar a inveja de outros fidalgos.

    Havia muito tempo que Saxe permanecia bastante exposto às incursões de piratas e de bárbaros. O santo bispo muitas vezes os repelira, ora com suas tropas, ora com auxílio de outras. Mas os assaltantes eram senhores das duas margens do Elba, e da navegação do mesmo rio. De maneira que se espalhavam por todo o território do Saxe e quase chegavam a Hildesheim. Para detê-los São Bernardo mandou construir duas fortalezas em dois pontos de sua diocese, guarnecendo-as. Não obstante a despesa acarretada por essa obra, enriqueceu sua diocese com a aquisição de várias terras, cultivou-as e guarneceu-as com belos edifícios.

    Quanto à catedral, decorou-lhe as paredes de painéis com maravilhosas pinturas. Mandou fazer para as procissões nos grandes dias santos um livro com os Evangelhos trabalhado com ouro e pedras preciosas, incensórios dos mais altos preços, grande número de cálices, sendo um de cristal, um de ouro puro, com peso de vinte libras, uma coroa de ouro e prata de prodigioso tamanho, suspensa no centro da igreja, sem contar uma infinidade de outros objetos do mesmo gênero. Rodeou de muralhas e torres o claustro da catedral, de maneira que servissem ao mesmo tempo de adorno e defesa. Nada havia no Saxe que lhe pudesse ser comparado.

    Um homem “pedra filosofal”

    A Santa Igreja é como a pedra filosofal de que falavam os medievais. Segundo uma lenda da Idade Média, havia uma pedra que tinha o condão de transformar em ouro tudo aquilo em que ela tocava. Então, os alquimistas procuravam encontrar o segredo do fabrico da pedra filosofal, pois assim ficariam prodigiosamente ricos.

    Pois bem, a Igreja Católica é a verdadeira pedra filosofal. Tudo aquilo em que ela toca e que se abre à sua influência se transforma em ouro, fica esplêndido.

    Quem seria São Bernardo? Este homem viveu no século X. Ora, esse era um século ainda pouco distante do fim das invasões e, portanto, tinha muito de barbárie. Eram os descendentes desses bárbaros que governavam a Europa. Vemos toda a influência da Igreja na alma de um semibárbaro, de alguém que se abre para ela e imediatamente começa a fazer tudo quanto há de maior e de melhor, realizando toda espécie de benefícios, e se põe a civilizar.

    Tudo quanto ele faz é grandioso do ponto de vista temporal, que visa servir ao espiritual, destinado a colocar o temporal em ordem ao espiritual. Nisso São Bernardo age como um grande príncipe, um grande senhor, ele que era um grande dignatário eclesiástico.

    Em primeiro lugar, notamos o amor dele à cultura. Mandou transcrever livros numa época ainda muito longe de Gutenberg e da tipografia, de maneira que era preciso copiar manualmente cada livro, trabalho executado por aqueles famosos copistas que transcreviam obras enormes. Assim, reuniu ele uma grande biblioteca, composta tanto de obras eclesiásticas como filosóficas. Portanto, é um Santo que não vai promover apenas uma alfabetização comum, mas prepara alta cultura. São livros de Teologia e Filosofia com os quais ele organiza uma grande biblioteca.

    De outro lado, ele era um artista e incrementava, com o bafejo e segundo o espírito da Igreja para a formação das almas, o aperfeiçoamento da pintura, dos mosaicos, das serralharias, da ourivesaria. Esses serralheiros não só tornavam seguras as casas, protegendo a ordem, mas suas obras constituíam adornos para as portas e davam decoro à vida.

    As joias, os mosaicos, esse descendente de bárbaros amava e produzia tudo isso. Quão menos bárbaro era ele do que esses eclesiásticos miserabilistas de nossos dias, que querem esvaziar de todas as obras de arte os santuários e reduzir a igreja a um local de onde as artes fugiram espavoridas!

    Talento e sabedoria imbuídos do espírito da Igreja

    Depois a ficha continua, dizendo que São Bernardo recolheu cuidadosamente os trabalhos curiosos que os estrangeiros enviavam ao rei. É uma praxe natural de todos os tempos os chefes de Estado trocarem presentes ao visitarem outros países. Esses presentes ficavam acumulados nos palácios reais e muitos não tinham uso. São Bernardo mandou recolhê-los e organizá-los. Assim, talvez um dos mais antigos museus do mundo tenha sido esse homem quem mandou fazer. Tudo sob o espírito, o bafejo da Igreja.

    Ademais, mandou educar jovens de bom comportamento para exercitá-los nessas artes. Ele organizou, portanto, uma escola de artistas. Obra magnífica a partir da qual saíram iniciativas como essas, multiplicadas por homens desse espírito, mais ou menos pela Europa inteira, dando origem às inumeráveis obras de arte cheias de espírito católico que a Idade Média conheceu.

    O Rio Elba era uma avenida para a penetração dos bárbaros que com frequência chegavam até a sua diocese. Então ele, que dispunha de tropas – porque os bispos naquele tempo eram por vezes senhores feudais e podiam dispor de tropas –, mandou organizar torres e fortificações tão bonitas que eram, ao mesmo tempo, o adorno da paisagem. Também nisso nota-se o descortino, o talento desse homem; mas uma forma de talento própria à sabedoria, e uma forma de sabedoria própria a quem tem o espírito católico.

    Quanto à catedral, esse Santo, canonizado pela Igreja, inaugurou um verdadeiro luxo eclesiástico. Com certeza, havia muita gente pobre na diocese dele. Entretanto, para incutir respeito ao Santo Evangelho nas procissões solenes dos grandes dias, mandou elaborar um livro dos Evangelhos trabalhado com ouro e pedras preciosas. E, mais ainda, para dar glória a Deus, incensórios dos mais altos preços, grande número de cálices preciosos para a celebração da Missa. Além disso, continua a ficha:

    …uma coroa de ouro e prata de prodigioso tamanho, suspensa no centro da igreja…

    Com certeza para afirmar a realeza de Nosso Senhor e de Nossa Senhora.

    …sem contar uma infinidade de objetos do mesmo gênero.

    Ele foi um verdadeiro organizador do luxo eclesiástico e civil. Padroeiro do luxo santo, nobre, do luxo que simboliza a virtude e toda espécie de valores morais e, portanto, conduz as almas a Deus.

    Devemos ter em relação à Igreja amor, veneração e ternura sem medida

    Nada havia no Saxe que lhe pudesse ser comparado.

    Há na Sagrada Escritura uma frase que diz: “Em toda a Terra não foi encontrado alguém semelhante a ele” (cf. Eclo 44, 20). Isto se pode afirmar de cada Santo, porque em toda a Terra não foi encontrado um que fosse semelhante a ele. E aqui nós temos um Santo assim. Em toda a região que ele conheceu, São Bernardo era a flor, o adorno, a torre, a glória, a sabedoria, a orientação, a doutrina. Por quê?

    Unicamente por isto: porque nele, criatura miserável, pecadora, concebida no pecado original e, como tal, sujeita a toda espécie de degradações morais, potencialmente um infame pelo simples fato de ter nascido – pois esta é a condição dos homens concebidos no pecado original e que se fecham à graça divina –, nele, entretanto, pousou esse dom sobrenatural, admirável, único, do qual nasce todo bem, e que confere aos homens toda espécie de fortaleza: a graça de Deus. A essa graça ele se abriu e, a partir do momento em que ele se abriu para ela, dele nasceu todo gênero de maravilhas.

    Ora, a sede, o veículo, a Esposa verdadeira e única do Autor dessa graça, Nosso Senhor Jesus Cristo, é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana da qual não pretendemos ser senão uma célula, um pequeno membro vivo, uma emanação, uma centelha, um elemento integrante; e cada um de nós coloca toda a sua ufania apenas neste ponto: ser um homem católico na força do termo e mais nada. Podem dizer o que quiserem, caluniar como entenderem, até matar, se desse homem se pode afirmar que ele foi um varão católico, nele o espírito da Igreja viveu, dele se disse tudo quanto de bom, de grande e de admirável se pode afirmar de um homem.

    É assim que nós devemos entender e amar a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Diz-se que Deus é admirável em seus Santos. A Igreja, que é o espelho de Deus e a Esposa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus, a mais bela criatura de todo o universo, a Igreja Católica Apostólica Romana é admirável nos seus Santos. É neles que compreendemos a Igreja. Olhando para aqueles que são conformes a Igreja entendemos como ela é.

    Então compreendemos que devemos aplicar ao amor, à veneração e à ternura que temos para com a Santa Igreja aquelas palavras de São Francisco de Sales: “A medida de amar a Deus consiste em amá-Lo sem medida.” A medida de amar a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, nossa mãe, consiste em amá-la sem medida. A medida da veneração e da ternura que devemos ter à Santa Igreja Católica consiste em ter em relação a ela uma ternura e uma veneração sem medida.

    Fidelidade à Igreja

    Que este Santo tão glorioso, Bernardo, reze por nós e nos obtenha pelo menos a raiz dessa forma de amor para com a Igreja que é a coisa mais forte que há no universo. Fala-se hoje em dia em forças materiais enormes, organizadas, encadeadas e desencadeadas pelo homem. Nada disso é forte como o enlevo, a veneração e a ternura, forças espirituais incomparavelmente mais fortes do que todas as potências materiais. Que Nossa Senhora implante em nossas almas essa disposição, essa veneração e ternura pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

    Santa Igreja Católica… como não soltar um “ai” depois de dizer isto? Como não olhar para as ruínas que fumegam, para os corpos que enchem as ruas, para o sangue que se verte de todos os lados, para os corvos que se abatem sobre os cadáveres, para os tremores de terra que abalam aquilo que os incêndios ainda não consumiram? Como não ter um gemido pensando nisso?

    A Santa Igreja Católica: Jerusalém celeste, cidade perfeita, com muralhas de brilhantes e pérolas, vias cobertas de safiras e esmeraldas, torres revestidas de rubis, e as ruas calçadas de ouro e prata. A Igreja, minha mãe, onde está ela?

    Essa pergunta causa uma dor que constringe o coração e o coroa de espinhos em toda a sua superfície. Entretanto, além de despertar esta dor, suscita uma alegria: Nosso Senhor disse que o Reino de Deus está dentro de nós (cf. Lc 17, 21). O Reino de Deus é a Igreja Católica, nós somos os filhos da Igreja, fiéis a ela. Isso se manifesta na nossa fidelidade à Doutrina que ela ensina e que não foi inventada por nós, aos Sacramentos por ela administrados, à Tradição gloriosa de dois mil anos que nos vem em documentos inconcussos e nos explicam como é verdadeiramente a Igreja, e aos quais nos conformamos. Nossas ideias não são um capricho, nossa orientação não é um ato de preferência arbitrária e pessoal, somos os escravos da Igreja Católica, que a seguimos no que ela quer, no que ela ensina e sempre ensinou e que aí está, apesar de toda a fuligem das épocas, para nos dar a entender como devemos ser. Nós conseguimos ser como somos por sermos filhos dela, porque sua graça tocou em nós.

    Se nos abrirmos à ação da graça, venceremos a Revolução

    Se nos abrirmos a essa graça, como São Bernardo se abriu, faremos maravilhas. E não haverá nada que consiga impedir que nós vençamos a Revolução. Porque nós vemos, pelo exemplo dele e de tantos outros Santos, que para uma alma aberta à ação da graça absolutamente nada é impossível.

    O Hino das Congregações Marianas cantava: “De mil soldados não teme a espada quem pugna à sombra da Imaculada”. A espada poderá parecer uma arma bem anacrônica. Pois bem, de mil bombas atômicas, ainda que todo o universo se desagregasse em explosões atômicas, a alma que se abre à influência de Nossa Senhora na Igreja não temeria, porque, se fosse esse o desígnio da Santíssima Virgem, depois dessas explosões seguiria o Reino de Maria num universo renovado. Porque o que Nossa Senhora quer, isso se faz irrecorrível e invencivelmente. É o desígnio d’Ela que manda em tudo. E nós devemos ter mil vezes mais medo de despertar uma expressão de tristeza na face augusta de Maria, do que da cólera de todos os ímpios e na explosão de todas as bombas atômicas.

    Para isso, temos que abrir as nossas almas para a graça de Deus. Peçamos, então, à Santíssima Virgem que Ela condescenda em ser cada vez mais a nossa aliada, pois assim faremos tudo.

    Que Maria Santíssima nos dê aquela abertura de alma que sem Ela não teríamos. Aquela generosidade da qual Ela é a fonte, para que possamos dizer-Lhe, ligeiramente adaptado, aquilo que foi dito por Ela ao Anjo quando este Lhe anunciou a missão: “Eis aqui os escravos de Maria, faça-se em nós segundo a vontade d’Ela”.         v

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/10/1967)
    Revista Dr Plinio 260 (Novembro de 2019)

     

    1) Cf. ROHRBACHER, René François. Vidas dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. Vol. XIX. p. 33-37.