Categoria: Santos do dia

  • Nossa Senhora das Graças

    A invocação de Nossa Senhora das Graças quer dizer que Ela tem em suas mãos todas as graças, porque é a depositária de todos os tesouros de Deus. Mas também significa Nossa Senhora dadivosa, misericordiosa, que tem as mãos abertas para mostrar que Ela quer dar tudo.

    Ela é a Mãe de misericórdia, que deseja tocar todas as almas, inundá-las de benefícios, encher o mundo inteiro das manifestações soberanas e celestes de sua bondade e de seu poder.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/11/1970)

  • Mãe da Divina Graça e da perseverança

    Estreitamente unido a Maria Santíssima por meio da escravidão de amor, segundo o método de São Luís Grignion de Montfort, tinha Dr. Plinio grande devoção à invocação “Mater Divinæ Gratiæ” — Mãe da Divina Graça —, neste mês comemorada na festa da Medalha Milagrosa.

    Sobre a efígie impressa na Medalha, cuja confecção foi pedida pela própria Mãe de Deus, abaixo reproduzimos um profundo comentário de Dr. Plinio(1), relacionando-a à Contra-Revolução, à realeza de Maria e à graça da perseverança que deve ser almejada por cada um dos filhos da Santa Igreja: Nós temos, numa das faces da medalha, Nossa Senhora pondo os pés sobre o mundo, na afirmação de sua realeza sobre toda a Terra. É exatamente essa a doutrina da realeza de Nossa Senhora que vem lembrada em Fátima e afirmada com uma vitória sobre a Revolução.

    Ela calca também uma serpente, o que está inteiramente coerente, concludente, porque desse lado está escrito: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós”.

    Quer dizer, é a Imaculada Conceição. Mas não é pura e simplesmente a Imaculada Conceição, porque há aqui um atributo que não se encontra nas imagens da Imaculada Conceição como tal: Nossa Senhora está com as mãos abertas em sinal de aquiescência, de atendimento, e de suas mãos partem fachos luminosos imensos, simbolizando as graças e os favores que pelas mãos d’Ela — quer dizer, pela ação e por meio d’Ela — descem sobre o mundo.

    Essas graças são concedidas para a conversão dos pecadores, dos hereges, mas também para o castigo dos irredutíveis e proteção daqueles que se mantiveram fiéis até o fim. São graças para a perseverança dos fiéis. Tudo isso sai das mãos de Nossa Senhora como de um manancial.

    Ela está afável, risonha, acolhedora, para todos aqueles que tendo em vista esse conjunto de fatos, de símbolos, de atributos, de noções, se dirigem confiantes a Ela, pedindo as graças de que precisam.

    Vamos pedir a Nossa Senhora que pelas graças da Medalha Milagrosa, Ela apresse o dia de sua vitória, de um lado. E de outro lado, também nos ajude a sermos fiéis durante todas as tormentas que se aproximam. Porque devemos nos lembrar bem disso: a perseverança é uma graça inestimável. Do que adianta ter virtudes, se depois cair no pecado?

    Essa perseverança não é fruto de nossas qualidades pessoais, mas da graça que se trata de pedir humildemente, de implorar com insistência, e à qual se trata de corresponder. Portanto, precisamos pedir as graças que nos assegurem a perseverança.

    Essa invocação de Nossa Senhora das Graças — ou de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa — é particularmente eficiente na luta contra o poder das trevas, que tanto e tanto nós devemos conduzir nos dias de hoje.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 212 (Novembro de 2015)

    1) Conferência de 27/11/1964.

  • Uma porta do céu se abriu para o mundo

    Neste ano a Capela da Rue du Bac celebra o jubileu das aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré. Como melhor modo de associar esta revista e seus leitores a data tão significativa, estampamos a seguir um eloquente comentário de Dr. Plinio sobre aquelas visões de alcance inapreciável para todos os homens.

    Quem visita a Capela da Rue du Bac, em Paris, onde Nossa Senhora apareceu a Santa Catarina Labouré e lhe pediu a cunhagem da Medalha Milagrosa, sente-se envolvido por uma intensa impressão de paz, de calma, de céus abertos, como se não existissem obstáculos entre a Terra e a feliz eternidade. No íntimo de sua alma, o fiel ouve a voz de Nossa Senhora, exorável, disposta a atender todos os nossos pedidos, com sua maternal benignidade transpondo distâncias incontáveis para se tornar acessível a nós. Tudo isso faz daquela capela um lugar de serenidade realmente privilegiado.

    Serenidade, calma e paz autênticas, ou seja, toques de sobrenatural que afagam nossa alma com verdadeira unção, verdadeira consolação e verdadeira confiança, e nos infunde a plena certeza de que, em última análise, Nossa Senhora nos alcançará as graças tão desejadas por nós.

    A época das aparições da Rue du Bac

    As aparições da Santíssima Virgem se deram em 1830, sendo a mais importante delas no dia 27 de novembro, quando revelou a Santa Catarina os tesouros de dádivas celestiais destinados ao mundo com a difusão da Medalha Milagrosa.

    Cumpre recordarmos que, naquela época, a par de um grande reflorescimento da prática da religião Católica, havia também fortes manifestações de laicismo e ateísmo hostis à Igreja, de maneira que um fosso abismal separava o catolicismo do anticlericalismo. Ecos dessa animosidade eu mesmo conheci, no Brasil dos anos 20. Portanto, quase um século depois das aparições da Rue du Bac.

    Tão profundo era esse valo divisório entre as coisas da Igreja e as da sociedade civil que, ao se transpor os umbrais do ambiente profano e ingressar no religioso, era como se deixássemos um país para entrar em outro. Lembro-me de quando comparecia à bênção do Santíssimo Sacramento na Igreja do Coração de Jesus, após a qual, saindo do templo, observava o edifício daquilo que então era o internato do Liceu, desdobrado em duas alas em torno de todo o quarteirão.

    As janelas dos andares inferiores permaneciam fechadas e protegidas por grades. Ao contrário daquelas dos andares superiores através das quais, no lado onde eu sabia situado o dormitório dos meninos, podia-se ver algumas luzes azuis acesas: sinal de que as crianças já dormiam. E o relógio da torre ainda não marcava nove horas da noite…

    Recordo-me da impressão que causava em mim o entrar na sociedade profana — insisto, dos anos 20 — e perceber o contraste entre o coruscante, o assanhado, o divertido daquele mundo, e o dormitório extenso, onde um grande número de meninos repousava sob a supervisão de um padre pronto a acordar ao menor sinal de perturbação, para restabelecer a ordem e a tranqüilidade!

    Encantava-me saber que aqueles meninos dormiam placidamente, aos cuidados de um sacerdote que representava ali a eterna tradição da Igreja ordenativa, moralizante, disciplinadora. Alegrava-me ver que, enquanto todos se achavam imersos no sono noturno, as luzinhas azuis simbolizavam a maternalidade da Igreja a envolver seus filhos em brumas amigas; a vigilância de quem sabe sorrir sem fechar os olhos, sempre ciente do que se passa. Tudo isso me dava a impressão de haver naquele ambiente uma austeridade, uma sacralidade, uma ordenação que o mundo fora não conhecia. Era outro universo.

    Pois bem, numa atmosfera análoga a essa tiveram lugar, na Paris de 1830, as revelações de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré.

    O sobrenatural se desenrola numa modesta capela

    Era esta uma freira da congregação das Filhas da Caridade, fundada por Santa Luísa de Marillac e São Vicente de Paulo. Essas religiosas se distinguiram sempre por sua extrema e abnegada solicitude cristã, dedicando-se ao cuidado dos pobres, órfãos, e enfermos nos hospitais e Casas de Misericórdia. Até há pouco eram conhecidas pelo seu hábito característico: túnica escura com gola branca engomada, a cabeça adornada por uma touca bretã, estilizada pela inspiração e pelas mãos da Igreja. Essa cobertura se desdobrava em duas abas largas, lembrando vagamente as asas de uma gaivota em voo. Na cintura, como é natural nos hábitos religiosos, pendia um grande rosário.

    Não tive contato assíduo com essas freiras, mas encontrei-me com muitas delas. Em geral pessoas robustas, fortes e prontas para o trabalho. Olhar límpido, reto, atitude despretensiosa de quem preferia passar desapercebida. Realizavam obras de misericórdia temporal como ocasião para obras de misericórdia espiritual. Ou seja, elas aproveitavam a ocasião de cuidar de um paciente terminal para trazer um padre junto a ele, para convidar uma criança a ir ao catecismo da paróquia, ou se encontravam uma pessoa desventurada na rua, procuravam ajudá-la em todo o necessário, etc. Enfim, faziam tudo quanto pudessem para atender aos infortúnios, as carências materiais e, sobretudo, as espirituais, nos mais variados ambientes por onde costumavam se infiltrar.

    A elevação desse apostolado das Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo era tão grande, e as admiravam tanto por isso, que costumavam ser tidas como o próprio símbolo da religião numa de suas expressões mais belas e comovedoras.

    O seu principal convento situa-se num antigo e aristocrático bairro da capital francesa, o Faubourg Saint-Germain, e se tornou conhecido pelo nome da rua em que foi edificado: Rue du Bac.

    Devemos imaginar a cidade de Paris nos idos de 1830, bem menor e menos populosa do que é hoje, silenciosa, tranquila, ainda sem ruídos de motores e luzes de néon. Podemos pensar na rua calçada com pedras, sobre as quais, vez por outra, o eco das patas de um cavalo ou das rodas de uma carruagem interrompia a longa calada da noite. No dormitório das freiras de São Vicente, não havia luzinhas azuis, mas talvez alguns candeeiros acesos. Todas as religiosas repousam, entre elas Santa Catarina Labouré.

    Nesse ambiente modesto, puro e elevado, completamente diverso do mundo exterior, o maravilhoso sobrenatural começa a se desenrolar.

    Colóquios com a Rainha do Céu

    A primeira aparição ocorreu na véspera da festa de São Vicente de Paulo, em 18 de julho de 1830, como que preparada por uma atitude da vidente repassada de ingenuidade, inocência e caráter filial muito bonitos. Ela ouvira no dia anterior uma exposição sobre a devoção a Nossa Senhora, e sentiu um ardente desejo de vê-La. E foi se deitar com o pensamento de que, naquela mesma noite, encontrar-se-ia com a Santíssima Virgem.

    E foi o que aconteceu. Como nos relata a própria Santa Cataria Labouré, por volta das onze e meia da noite, ela ouve alguém lhe chamar. Corre a cortina de seu leito e vê um menino de 4 ou 5 anos que lhe diz: “Vinde à capela, a Santíssima Virgem vos espera”.

    A santa demonstra um pouco de receio, temendo que as outras religiosas a surpreendessem fora da cama, mas o menino a tranquiliza, ela se veste e começa a segui-lo pelos corredores do convento. Detalhe curioso, registrado pela vidente que muito se admirou do fato: por todos os lugares onde passaram as candeias estavam acesas.

    Ela entra na capela e sua surpresa é ainda maior ao notar todas as velas acendidas nos candelabros, como se estivessem preparados para uma Missa do Galo. O menino a conduz até o presbitério, ao lado da cadeira em que se sentava o vigário. Santa Catarina se ajoelhou, enquanto a criança permaneceu de pé. Ela, sempre com o receio de que alguma freira passasse por ali e os encontrasse, pedindo-lhe explicações que não saberia dar…

    Afinal, o menino lhe advertiu: “Eis a Santíssima Virgem”. A vidente ouviu um “frou-frou”, um roçagar de vestido de seda, mas ainda não distinguia Nossa Senhora. Então o menino insistiu — já não com voz de criança, mas em tom vigoroso — que a Rainha do Céu estava presente. Nesse momento Santa Catarina viu a Mãe de Deus sentada na cadeira do vigário, deu um salto para junto d’Ela e, genuflexa, apoiou suas mãos nos joelhos de Maria.

    Quer dizer, uma cena fabulosa, uma aparição cercada de afabilidade extraordinária. Compreende-se, pois, que Santa Catarina tenha registrado esse instante como o mais doce de sua vida, impossível de ser descrito em palavras. Recebeu ali diversos conselhos e orientações de Nossa Senhora, os quais preferiu manter em sigilo.

    A Medalha Milagrosa

    Podemos bem conceber como Santa Catarina se sentiu após esse encontro com Nossa Senhora, e como seu coração latejava de um intenso desejo de revê-La. Alguns meses depois, ela seria largamente atendida. O segundo e mais importante encontro se deu na tarde do sábado 27 de novembro de 1830. Assim o relata um cronista das diversas aparições de Maria:

    “Na sua capela da Rue du Bac, as Filhas da Caridade — Irmãs e noviças — se reúnem para a meditação vespertina. Recolhimento e religioso silêncio. De repente, em meio à sua piedosa contemplação, Catarina Labouré julga ouvir o roçar de um vestido de seda… A Santíssima Virgem, ali!

    “Qualquer pensamento é impossível diante da inconcebível beleza de Maria. Ela usa um vestido de seda alvíssima como a aurora. Da mesma cor é o véu que Lhe desce da cabeça até os pés. Estes repousam sobre volumoso globo, que parece fixo num ponto do espaço. As mãos, elevadas à altura do peito, sustentam graciosamente um outro globo, menor que o pedestal e encimado por uma cruz. A Virgem tem o olhar voltado para o céu. Seus lábios oram. Ela oferece o globo ao Mestre, seu Filho.

    “De súbito o globo desaparece e as mãos permanecem estendidas. Os dedos se cobrem de anéis guarnecidos de cintilantes pedrarias, que emitem raios deslumbrantes para todos os lados. Mil fulgores preciosos se fundem num só brilho transcendente. Mil irradiações circundam a santa figura.

    “A Virgem pousa os olhos sobre Catarina em contemplação, abismada num mundo de sensações, de sentimentos, de descobertas, de revelações inexprimíveis. No fundo de seu coração, a noviça ouve uma voz que lhe diz:

    “— Este globo representa o mundo inteiro, e especialmente a França, e cada homem em particular.
    “— A chuva de raios redobra em força, em magnificência.
    “— Eis o símbolo das graças que Eu derramo sobre aqueles que mas pedem. As pedras que permanecem na sombra (dirá ainda, uma outra vez, a Santíssima Virgem) simbolizam as graças que se esquecem de me pedir…”

    Segundo narração de Santa Catarina, formou‑se em torno de Nossa Senhora um quadro de forma ovalada, no alto do qual estavam escritas em letras de ouro as seguintes palavras: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós” . E novamente ela ouviu uma voz que lhe mandava cunhar uma medalha conforme aquele modelo. E a promessa: Todos os que a usarem, trazendo-a ao pescoço, receberão grandes graças, que serão abundantes para quem a portar com confiança”.

    Em seguida, diz a vidente, o quadro pareceu girar e ela viu o reverso da medalha: no centro, o monograma da Santíssima Virgem, composto pela letra “M” encimada por uma cruz, a qual tinha uma barra em sua base. Embaixo, os Corações de Jesus e de Maria, o primeiro coroado de espinhos, e o outro, transpassado por um gládio.

    Era o desenho da Medalha Milagrosa, como esta seria amplamente conhecida e difundida pelo mundo inteiro, alcançando graças e favores celestiais para incontável número de pessoas, milagres de ordem física, como a cura de doenças, e também de ordem espiritual, reformas de vida e conversões das mais inesperadas.

    Desígnios de alta misericórdia para o mundo

    Por exemplo, célebre se tornou a conversão de um prelado apóstata, o arcebispo francês Mons. Duprat. Ele abandonou a Igreja Católica e se tornou secretário de finanças de outro famoso bispo renegado, Talleyrand.

    Conta-se que Mons. Duprat, sabendo chegado aos seus últimos dias, relutava em se confessar e emendar. Algum zeloso parente ou conhecido, preocupado com a salvação eterna dele, prendeu a Medalha Milagrosa no travesseiro do arcebispo. Foi o bastante para que a graça o tocasse. Dias depois ele pedia que lhe trouxessem um padre: “Mudei de ideia, desejo me confessar”. O sacerdote se apresentou, e o filho pródigo fez as pazes com Deus, com a Igreja e com a sua consciência. Não se passou muito tempo, e morreu readmitido no seio da Esposa mística de Cristo.

    Casos como esse se multiplicaram ao longo dos anos e ainda hoje se verificam pelo mundo afora. Assim como tantas outras formas de amparo e benefício oriundos do uso da Medalha.

    Lembro-me, aliás, deste outro fato. Uma senhora da aristocracia francesa mantinha no salão nobre de sua residência, magnificamente decorado, um quadro com a Medalha Milagrosa, manchada e amassada no centro. Os visitantes que ela recebia em casa, estranhavam aquilo exposto com tanta evidência num recinto esplêndido, em meio a objetos de alta categoria, e perguntavam a razão disso. A senhora respondia:
    “— Guardo esta medalha porque meu filho era um estroina, e estando num mau lugar, levou um tiro. A bala acertou diretamente na medalha, e em vez de perfurá-la, de modo inexplicável apenas a danificou, como para autenticar o fato extraordinário, e caiu no chão. Diante do prodígio, meu filho se converteu e hoje é um católico modelar. Eu desejo, então, que minhas visitas conheçam este favor recebido de Nossa Senhora e saibam agradecer. Por isso esta medalha está aqui.”

    É simplesmente incontável o número de episódios semelhantes, onde foram obtidas graças preciosas através da Medalha Milagrosa. Motivo pelo qual ela é objeto de tanta devoção, tendo sido destinada por Maria Santíssima a ser um maravilhoso meio de se realizarem desígnios de sua alta misericórdia para o mundo.

    Expressão do carinho materno de Maria

    É interessante frisar, ainda, que essa particular proteção da Virgem Santíssima em relação a nós transparece muito na sua prerrogativa de Mãe da Divina Graça.

    Quantos já não nos sentimos, ao aproximarmos de uma imagem sob essa invocação, recebidos por um sorriso d’Ela, envolvidos por uma espécie de doçura que nos prometia compaixão, pena, a convicção de sermos atendidos e favorecidos por um ato de inesgotável bondade?

    É a certeza de que Nossa Senhora sempre se acha disposta a nos socorrer e amparar com sua clemência, seja em nossas carências materiais e físicas, seja marcadamente em nossas lacunas espirituais, ajudando-nos a vencer nossos defeitos, as tentações e o pecado. Portanto, Nossa Senhora das Graças podia se dizer Nossa Senhora da Misericórdia, que nunca, nunca, nunca nos deixará desamparados.

    E creio jamais ser suficiente insistir nesta verdade: Mãe da Divina Graça significa a tesoureira de todas as graças de Deus. As dádivas celestiais constituem um tesouro inexaurível, posto nas mãos de Nossa Senhora e por Ela difundido àqueles que recorrem à sua intercessão.

    Maria é a dispensadora de todas as graças e também a Mãe dos que Lhe suplicam favores. Mãe dos miseráveis, dos aflitos, daqueles que quase perderam a esperança, aos quais Ela reanima, e faz reacender em seus corações a chama da Fé.

    Basta considerarmos uma imagem de Nossa Senhora das Graças para compreendermos o quanto esse título exprime o carinho materno de Maria em relação a nós. Acolhe-nos de braços abertos, o sorriso nos lábios, repassada de um convite amorável para nos aproximarmos e convivermos um pouco com Ela. Envolve-nos com uma afabilidade e uma promessa de perdão sem limites, insondável. E nos faz ouvir no fundo da alma a sua voz carinhosa: “Tendes a Mim, sou inteiramente sua. E por causa disso, todos os caminhos para o Céu lhe são franqueados…

    Plinio Corrêa de Oliveira

  • Excelsas benevolências da Mãe da Divina Graça

    Embora não seja ainda dogma definido pelo supremo Magistério da Igreja, grande parte dos católicos aceita como verdade que Maria Santíssima é a medianeira universal de todas as graças. Dr. Plinio estava convencido disto, e o comentou com fervor diversas vezes, como na conferência que o leitor agora poderá acompanhar.

     

    A invocação de Nossa Senhora das Graças, cuja a festa se prende à aparição da Santíssima Virgem a Santa Catarina Labouré, em 27 de Novembro de 1830, muito fala às nossas almas de filhos devotos d’Ela, porém não diz tudo. Já o titulo de “Mãe da Divina Graças”, rezado na Ladainha Lauretana, exprime de modo extraordinário a augusta prerrogativa de Mãe enquanto medianeira e dispensadora universal dos dons de Deus.

    Significados da palavra “graça”

    Para melhor compreendermos e amarmos esse atributo de Nossa Senhora, todo voltado a nosso favor, devemos antes analisar os dois sentidos da palavra “graça” na linguagem católica.

    Numa primeira acepção, ela quer dizer favor.

    Por exemplo, se alguém sofre de uma doença, suplica ao Céu a cura e a obtém, pode afirmar: “Recebi uma graça”. É um favor que pediu e no qual foi atendido.

    Outra pessoa se encontrará em grave apuro econômico, precisando de auxílio para financiar urgentes necessidades de sua família, e roga a Nossa Senhora que lhe dê a oportunidade de ganhar o dinheiro indispensável. A ocasião se apresenta, ele alcança a soma desejada e resolve seus problemas. Foi uma graça, um favor que lhe foi proporcionado pela Divina Providência.

    Há contudo, um sentido muito mais elevado da palavra “graça”. Refere-se a uma dádiva tão imensa, tão suprema, que é a graça por excelência. O que vem a ser?

    Na sua infinita misericórdia, e sempre a rogos de Nossa Senhora, Deus concede a todas as almas uma força espiritual que é uma participação na própria vida incriada d’Ele. Essa poderosa assistência divina é a graça santificante, que Ele infunde nas almas no momento do batismo, e que pode ser enriquecida pelo homem ao longo da vida, mediante reiterados atos de virtude, a freqüência aos Sacramentos, etc.

    Recebendo essa participação na própria vida de Deus, a criatura humana é favorecida por um vigor, uma elevação e uma coragem de alma que caracterizam os santos e santas, beatos e beatas que, em grande quantidade, reluzem no firmamento da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Se procedêssemos a um recenseamento de quantos bem-aventurados existem no Céu, tomando apenas em consideração o calendário litúrgico, o resultado já seria de milhares. Na verdade, porém, o número de santos é muito maior do que o registrado nas hagiografias.

    Com efeito, por santo deve-se entender não só aquele que a Igreja proclamou como tal, elevando-o à honra dos  altares, mas também todas as almas que, embora desconhecidas, praticaram em vida a perfeição heroica.

    Passaram pelo mundo de maneira humilde e apagada, não deixaram vestígios pelas veredas da terra. Contudo, ao chegar ao Céu, brilham com luz extraordinária, porque observaram  a  virtude de um modo igualmente extraordinário.

    Esses santos serão por todos conhecidos no dia do Juízo Final, e muitos deles nos aparecerão como estrelas de primeiríssima grandeza. Talvez surpreendidos pela formosura de algum deles, perguntemos ao nosso Anjo da Guarda:

    Mas, aquele admirável que está lá, quem é?

    Ah,  aquele?  Foi   um   lixeiro   na   Terra. Porém, teve tanta resignação carregando o lixo, desempenhou tão bem sua missão de limpar  a cidade em que trabalhava, era tão atencioso para com as pessoas com quem tinha de tratar, e de tal maneira fazia isto só por amor de Deus, que toda vez que punha uma carreta de lixo no caminhão da limpeza era como se acendesse uma estrela no Céu. Ou seja, colecionava méritos para a eternidade…

    Outro terá sido um homem cheio de poder, riquezas, talentos e posições, recebendo a todo momento elogios e referências às suas grandes qualidades, e a todo instante exposto à tentação do orgulho e da vanglória. Era-lhe fácil tornar-se ébrio de tanto entusiasmo por sua pessoa e posição, Assim, se era preciso debelar uma peste que assolava certa região de seu país, ele mandava procurar os melhores médicos, conhecedores das melhores técnicas, a fim de que combatessem com toda a rapidez possível aquele mal. Era um homem, enfim, possante em idéias e realizações, mas, sobretudo, em amor de Deus e em caridade fraterna. Virtuoso, ele passou por esta terra sem sujar-se com enlevos e comprazimentos consigo mesmo, faleceu santamente e subiu para o Céu como uma estrela. E ali refulgirá por toda a eternidade.

    Dr. Plinio, num momento de distensão, durante uma reunião de trabalho feita sob o celestial olhar de Nossa Senhora das Graças

    Como um enxerto da vida divina no homem

    Todos esses santos, canonizados ou não, todas essas vitórias do espírito sobre a carne, da virtude sobre o pecado, todos os atos meritórios que qualquer fiel pratica, são frutos desta participação criada na vida incriada de Deus, ou seja, da graça. Uma participação altíssima, que poderia ser comparada, vagamente, a um enxerto.

    Tome-se uma árvore comum, na qual é enxertada a muda de uma outra árvore que dá frutos preciosíssimos. Quando chegar a hora da frutificação, esses valiosos rebentos nascerão na árvore que recebeu o enxerto. Assim também é a graça, um como que enxerto da vida incriada de Deus em cada um de nós. Se lhe correspondemos, ela frutifica em nós, elevando-nos a inimagináveis alturas.

    todavia compreendeu que o homem nada possui do que se orgulhar: tudo o que lhe pertenceu, recebeu de Deus e se destinava a servir a seu Eterno Benfeitor. Se não tivessem sido empregados em vista deste fim supremo, seus dotes e tesouros não teriam valido coisa alguma. Por isso, aceitando essa verdade, ele nunca consentiu num movimento de presunção e de amor-próprio, levando toda a sua existência na mais perfeita humildade e no desprendimento dos bens terrenos. Santificou-se.

    Um terceiro foi, digamos, um governante magnífico. À passagem dele, as multidões se desatavam em cânticos e entusiasmos por suas realizações e seus triunfos. Ele venceu batalhas nas quais lutou pelo bem, pela justiça; construiu cidades, socorreu populações castigadas por inundações, epidemias, e as mais diversas catástrofes. A isto era levado não só pelo fato de ser o chefe da nação, com meios de fazê-lo, mas também porque o movia um intenso amor ao próximo e uma grande sabedoria.

    A santidade, fruto da correspondência à graça

    Essa correspondência à graça significa praticar a virtude, significa evitar a todo custo o pecado. Não deve nos preocupar, neste mundo, se somos muita ou pouca coisa. O único que importa é saber se cumprimos ou não os Mandamentos de Deus, e os desígnios d’Ele a nosso respeito.

    Ainda há alguns anos, a Igreja inteira celebrou a glorificação de mais uma heroína da Fé: Santa Ana Maria Taigi. Quem foi ela? Uma distinta senhora, conceituada na sociedade em que viveu, generosa nas esmolas que distribuía? Não. Foi uma cozinheira, uma modesta doméstica no palácio dos príncipes Colona de Roma, no século XIX. Desempenhou de modo perfeito as suas humildes funções, trabalhou incentivada por um ardente amor a Deus, e teve uma vida semeada de dificuldades e sofrimentos pois ninguém vai para o Céu sem padecer santamente suportados. Carregou de modo admirável a sua cruz, tornou-se santa e hoje está na bem-aventurança eterna. Uma simples cozinheira, diante de cuja alma, se lhes fosse dado contemplá-la, se poriam de joelhos os maiores potentados da terra…

    Tal é o valor e tais são os frutos de nossa correspondência à graça divina.

    O excelso papel de Nossa Senhora das Graças

    E aqui se faz notória a gloriosa prerrogativa de Nossa Senhora que hoje recordamos.

    Como acima entendida, a graça é um imensíssimo favor de Deus que nos é outorgado a todos, desde o momento do batismo, e que não nos é negado ao longo de nossa existência inteira. Até o derradeiro instante do homem, na hora de ele exalar seu último suspiro, a graça o acompanha, o convida, chama e atrai. Mesmo no fundo dos piores pecados, ainda lhe é dado ouvir o solícito apelo da graça, incitando-o à conversão.

    Ora, a recepção desse grandíssimo favor e nossa correspondência a ele, não nos é possível sem que nos venha pelas maternais e misericordiosas mãos de Maria.

    Ela é a Mãe da Divina Graça, porque Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, fonte, princípio e autor de toda graça. Além disso, por disposição da Providência, Ela é também a dispensadora dos dons e favores celestiais, cuja totalidade constitui inexaurível tesouro que Deus confiou à gerência d’Ela. Nossa Senhora é, portanto, a tesoureira das riquezas divinas.

    Esse magnífico predicado mariano nos faz desfrutar, junto a Deus, de uma privilegiada posição. Pois temos a interceder por nós, continuamente, aos pés d’Ele Aquela que detém a chave de todas as graças, Aquela que é a onipotência suplicante e sempre nos obtém aquilo que, por nossos próprios méritos, jamais alcançaríamos. O valor de Nossa Senhora é tal que todas as nossas orações feitas por meio d’Ela são atendidas, de modo particular as preces e os pedidos que se referem à nossa santificação.

    Por outro lado, Ela é especialmente Mãe dos que necessitam das preciosas dádivas do Céu. Mãe dos que pugnam sob o estandarte da fé, Mãe dos que se debatem contra as tentações, Mãe dos miseráveis, Mãe dos pecadores, Mãe dos desamparados, Mãe daqueles que quase perderam a esperança da salvação eterna e para todos, sem exceção, obtém Ela o poderoso auxílio dos dons de Deus.

    Essa é Nossa Senhora das Graças, essa é a Mãe da Divina Graça, que tem para com cada um de seus filhos solicitudes e bondades inimagináveis!         

     

    Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 32 (Novembro de 2000)

  • Cristo Rei

    Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei, a quem devemos obedecer, conhecendo a sua vontade e executando o que Ele nos manda com amorosa e pormenorizada exatidão.

    Para isto, devemos pedir a graça de Deus pela oração, pela prática dos Sacramentos, por nossas boas obras, pela vida interior. Em outros termos, sejamos bons católicos; sendo-o, seremos necessariamente apóstolos; e sendo apóstolos, seremos necessariamente soldados de Cristo Rei.

  • Cristo é verdadeiro Rei

    “Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados”, dizia o Papa Leão XIII na célebre Encíclica Immortale Dei, falando sobre a Idade Média. Ele acrescentava que naquele tempo “a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil”, de tal modo que, naquele grupo de nações europeias, os excelentes frutos foram superiores a toda expectativa.

    Essa descrição corresponde a um estado de coisas que não pode ser chamado senão de reinado de Jesus Cristo, uma realeza à qual Ele tem direito por natureza e por conquista. Por natureza, porque “tudo foi feito por Ele, e sem Ele nada foi feito” (Jo 1,1). Por conquista, porque nos resgatou da tirania do demônio, a preço de sangue.

    Essa é uma das linhas de reflexão desenvolvidas por Dr. Plinio, que o leitor encontrará na presente edição: o direito de Jesus ser Rei.

    Dr. Plinio mostra que esse direito do Homem-Deus a ser Rei se exerce não só sobre a sociedade espiritual – a Igreja Católica –, mas também sobre a sociedade temporal, nos moldes da exposição de Leão XIII na referida Encíclica.

    Em dezembro de 1925, o Papa Pio XI instituiu a festa de Cristo Rei. O tema vinha de encontro aos anseios do então jovem Plinio, de batalhar para implantar na face da terra esse reinado divino. O que Pio XI mostrava coincidia completamente com suas convicções: ou a sociedade civil organiza a vida na terra para constituir um vestíbulo do Céu, ou a transforma na antecâmara do inferno.

    De fato, dizia aquele Pontífice, como a sociedade humana se recusava a aceitar a realeza de Cristo, já sucumbia sob diversas mazelas: ódios e rivalidades, cobiças desenfreadas, um “cego e desregrado egoísmo”, o fim da paz doméstica “pelo esquecimento e relaxamento dos deveres familiares”, o rompimento da estabilidade das famílias, tudo conspirando para empurrar para a morte a sociedade humana.

    Como reverter essa situação? Com a implantação do Reino de Maria. Afinal, como argumenta São Luís Grignion de Montfort, “foi por intermédio da Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por meio d’Ela que Ele deve reinar no mundo”. Quando “o conhecimento e o reino de Jesus Cristo tomarem o mundo, será como uma consequência necessária do conhecimento e do reino da Santíssima Virgem Maria”. Assim pensava Dr. Plinio, que já via brilhar, no fim do túnel, a resplandecente luz de um reinado de Cristo muito mais completo, universal e perfeito do que foi na Europa medieval, confiado na promessa de Nossa Senhora em Fátima: “Por fim o meu Imaculado Coração triunfará”.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira

    Revista Dr Plinio 176 (Novembro de 2012)

  • Cristo Rei

    Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei da Igreja. E, antes da Revolução Francesa, o Divino Redentor era considerado Rei também da sociedade civil; de tal modo que as leis da Igreja eram automaticamente leis do Estado. Há quase cinquenta anos, Dr. Plinio percebia as negações ou as tímidas afirmações da Realeza de Cristo. O que recomendava ele naquela ocasião?

    A ideia da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo veio desde a vida terrena d’Ele mesmo; interrogado por Pilatos se era rei, Jesus disse: “Sim, Eu sou Rei” (Jo 18, 37).

    Encontramos manifestações várias e títulos diversos de Cristo como Rei, já na Igreja primitiva. Temos até a figura do Cristo Pantocrator, ou seja, Cristo Rei, porque Pantocrator quer dizer Senhor de todas as coisas. Ele está sentado sobre um trono que é o arco-íris, o sinal da aliança de Deus com os homens. E do alto desse trono Ele governa todas as coisas: a Igreja gloriosa, a Igreja padecente e a Igreja militante, como o Rei esperado por todos os séculos, Nosso Senhor Jesus Cristo dominando tudo e Senhor de tudo.

    Rei por direito de nascimento e por direito de conquista

    Essa ideia de Cristo Rei envolve uma noção que é a seguinte: não só de todas as coisas, mas especialmente de todos os homens Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei. E é Rei no sentido de que, enquanto Filho de Deus encarnado e nosso Redentor, Ele adquiriu um direito verdadeiro da realeza sobre nós. E esses dois títulos não se confundem um com o outro.

    O primeiro título, poder-se-ia dizer, é por direito de nascimento. Porque há um princípio que estabelece o seguinte: na hierarquia dos seres, quando um deles é imensamente superior ao outro, adquire uma autoridade sobre esse outro. E com fundamento nisto Ele, que é homem verdadeiro, ligado por união hipostática à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, tem uma superioridade infinita sobre todos os seres do universo. E não só como Deus, mas na sua humanidade, Jesus é Rei de todos os homens porque é a cabeça do gênero humano, a mais alta criatura existente no gênero humano. Nosso Senhor é Rei do gênero humano pela união hipostática e na sua humanidade santíssima.

    Ele é Rei também como Redentor, porque conquistou o gênero humano, sacrificou-se, se imolou na Cruz, e essa imolação salvou a humanidade do Inferno, abriu as portas do Céu para os homens. Com seu Sangue, Jesus conquistou a humanidade, adquiriu sobre ela um direito régio.

    De maneira que a realeza de Cristo tanto pode ser contemplada meditando-se Nosso Senhor sobre um trono, quanto no alto da Cruz. Porque do alto da Cruz, por direito de conquista, Ele se tornou Rei de todo o gênero humano.

    A realeza de Nosso Senhor na sociedade espiritual e temporal

    Qual é a conclusão disto?

    O gênero humano pode ser considerado como pertencendo a duas espécies de sociedades: a espiritual e a temporal. Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei da sociedade espiritual, a Igreja Católica. Se o Papa reina na Igreja, é como Vigário de Cristo, quer dizer, como representante de Cristo. Porque o verdadeiro Rei da Igreja Católica, no sentido pleno da palavra, é Nosso Senhor Jesus Cristo.

    A Igreja é uma instituição monárquica, antes de tudo porque ela tem um Rei, que é Nosso Senhor Jesus Cristo. O Papa, como Bispo de Roma, é indissolúvel e definitivamente o Vigário de Cristo, reina sempre em nome de Cristo, e o poder das chaves exercido pelo Papa é um poder que Cristo deu a seu Vigário. O verdadeiro Rei da Igreja Católica é Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Devemos analisar a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a sociedade temporal. A esse respeito, fazem-se as seguintes considerações sobre a separação entre a Igreja e o Estado que não são muito exatas:

    A Igreja tem uma finalidade espiritual, o Estado uma finalidade temporal. A Igreja conduz os homens ao Paraíso, e o Estado mantém a vida terrena. A partir disso, fica-se com uma ideia de que Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei da Igreja, mas que o Estado não tem verdadeiro Rei, e sobretudo os Estados católicos não devem reconhecer Cristo como Rei.

    Esse princípio é profundamente falso. O Estado, enquanto Estado, tem Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei. E o efeito concreto disto é a obrigação que tem o Estado de aplicar as leis de Nosso Senhor Jesus Cristo; e se não as aplica se coloca em estado de revolta contra o seu verdadeiro Rei.

    E qual é a aplicação dessas leis de Nosso Senhor?

    Antes de tudo, reconhecer a Igreja Católica como a única Igreja verdadeira e oficial; aplicar todas as leis da Igreja como sendo automaticamente leis do Estado. É o que se fazia antes da Revolução Francesa. De maneira tal que não era preciso que uma lei da Igreja fosse ratificada pelo rei do país, pelo Poder Público; entrava em vigor pelo simples fato de que a Igreja as tinha promulgado. As autoridades eclesiásticas eram objeto de continências e honras oficiais, porque eram autoridades públicas, e autoridades públicas porque autoridades da Igreja verdadeira do Deus verdadeiro que era Rei do Estado.

    Toda a vida civil se organizava no terreno cultural, artístico, e em todos os aspectos, de acordo com a lei de Nosso Senhor Jesus Cristo; isto era uma aplicação do princípio de que Cristo é Rei da sociedade humana.

    Verdadeiros soldados de Cristo Rei

    Isto, que entre nós são noções tão familiares, se esquece, e de vez em quando é preciso lembrar porque tudo quanto se ouve não só tende a fazer esquecer essas verdades, mas até a negá-las. De maneira que ficamos habituados à ideia de que o Estado é leigo, de que por sua própria natureza nada tem a ver com religião e por causa disso ignora, desconhece Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Então qual é a razão de lembrar essas noções?

    Uma coisa é ter na mente esses princípios teoricamente. Outra é ter disso um senso vivo e contínuo, como algo que está à flor da pele. De tal maneira que em todas as ocasiões da vida civil em que notarmos estar sendo negada a realeza de Cristo, isso deve nos causar dor, tristeza e indignação.

    Esse laicismo que caminha para um positivo ateísmo em todas as coisas, deve nos ferir de forma a vivermos na sociedade de hoje num estado de exilados, como alguém que reside num lugar onde tudo está posto de cabeça para baixo, e vive num protesto interno e contínuo disto. É assim que por toda a parte anda o fiel vassalo, o fiel militante de Cristo Rei.

    É só assim que nós podemos ser verdadeiros soldados de Cristo Rei. Não adianta ter na cabeça, no “mundo da lua”, uma porção de ideias de Cristo Rei, sem que a todo o momento não estejamos percebendo as negações, ou as palidíssimas e timidíssimas afirmações da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Lembro-me de que, quando fui constituinte em 1934 — depois isto se repetiu nas outras constituições, com estes ou aqueles termos —, vi um exemplo claro disso no preâmbulo proposto por um deputado católico muito ardoroso e muito aplaudido: “O povo brasileiro, pondo sua confiança em Deus e constituído em assembleia soberana, resolve tal coisa.” Como quem dissesse: “Deus, você é um Guaçu que está lá em cima e pode me estragar ou ajudar muito as coisas. Quero, portanto, que você seja um amigo. Mas “ex auctoritate propria” eu faço o que desejo. E ponho minha confiança para que você faça dar certo.”

    No próprio instrumento em que se afirma confiar em Deus, está negada a Realeza de Deus. Isto é uma coisa que um católico possa ver sem amargura? Não pode. E quando ele vê sem amargura, não é um verdadeiro devoto de Cristo Rei.

    O modo mais autêntico, elevado e sublime de realizar o Reino de Cristo

    O carregar dia e noite, a todos os momentos, em todas as ocasiões, essa amargura, essa tristeza — mas tristeza militante! — de que a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo está sendo subestimada aqui, negada lá, injuriada acolá, isto nos deve caracterizar.

    E na festa de Cristo Rei devemos ter muito em vista essas considerações para compreendermos bem qual é a formação que precisamos adquirir; devemos ter aqui a atitude e a postura de exilados. E lembrar que, para além dessa tristeza, Nosso Senhor Jesus Cristo Rei tem uma promessa para nós: a realização do seu Reino do modo mais autêntico, mais elevado, mais sublime que se possa imaginar, que é por meio da Realeza de Maria Santíssima. É o Reinado de Nossa Senhora, que na fímbria do horizonte se anuncia na promessa de Fátima: “Por fim o meu Imaculado Coração triunfará”.

    Então precisamos ter um horror da situação atual e um desejo ardente da situação para a qual estamos sendo solicitados, e que nos é dado como uma promessa. Este deve ser o nosso estado de espírito contínuo, em todas as ocasiões e em todos os momentos.

    Ter isto bem em vista e pedir a Nossa Senhora a graça da presença contínua dessa ideia é algo que convém muito rogar em nossas orações a Cristo Rei.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/10/1964)

  • Cristo Rei

    Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei da Igreja. E, antes da Revolução Francesa, o Divino Redentor era considerado Rei também da sociedade civil; de tal modo que as leis da Igreja eram automaticamente leis do Estado. Há quase cinquenta anos, Dr. Plinio percebia as negações ou as tímidas afirmações da Realeza de Cristo. O que recomendava ele naquela ocasião?

     

    A ideia da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo veio desde a vida terrena d’Ele mesmo; interrogado por Pilatos se era rei, Jesus disse: “Sim, Eu sou Rei” (Jo 18, 37).

    Encontramos manifestações várias e títulos diversos de Cristo como Rei, já na Igreja primitiva. Temos até a figura do Cristo Pantocrator, ou seja, Cristo Rei, porque “Pantocrator” quer dizer Senhor de todas as coisas. Ele está sentado sobre um trono que é o arco-íris, o sinal da aliança de Deus com os homens. E do alto desse trono Ele governa todas as coisas: a Igreja gloriosa, a Igreja padecente e a Igreja militante, como o Rei esperado por todos os séculos, Nosso Senhor Jesus Cristo dominando tudo e Senhor de tudo.

    Rei por direito de nascimento e por direito de conquista

    Essa ideia de Cristo Rei envolve uma noção que é a seguinte: não só de todas as coisas, mas especialmente de todos os homens Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei. E é Rei no sentido de que, enquanto Filho de Deus encarnado e nosso Redentor, Ele adquiriu um direito verdadeiro da realeza sobre nós. E esses dois títulos não se confundem um com o outro.

    O primeiro título, poder-se-ia dizer, é por direito de nascimento. Porque há um princípio que estabelece o seguinte: na hierarquia dos seres, quando um deles é imensamente superior ao outro, adquire uma autoridade sobre esse outro. E com fundamento nisto Ele, que é homem verdadeiro, ligado por união hipostática à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, tem uma superioridade infinita sobre todos os seres do universo. E não só como Deus, mas na sua humanidade, Jesus é Rei de todos os homens porque é a cabeça do gênero humano, a mais alta criatura existente no gênero humano. Nosso Senhor é Rei do gênero humano pela união hipostática e na sua humanidade santíssima.

    Ele é Rei também como Redentor, porque conquistou o gênero humano, sacrificou-se, se imolou na Cruz, e essa imolação salvou a humanidade do Inferno, abriu as portas do Céu para os homens. Com seu Sangue, Jesus conquistou a humanidade, adquiriu sobre ela um direito régio.

    De maneira que a realeza de Cristo tanto pode ser contemplada meditando-se Nosso Senhor sobre um trono, quanto no alto da Cruz. Porque do alto da Cruz, por direito de conquista, Ele se tornou Rei de todo o gênero humano.

    A realeza de Nosso Senhor na sociedade espiritual e temporal

    Qual é a conclusão disto?

    O gênero humano pode ser considerado como pertencendo a duas espécies de sociedades: a espiritual e a temporal. Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei da sociedade espiritual, a Igreja Católica. Se o Papa reina na Igreja, é como Vigário de Cristo, quer dizer, como representante de Cristo. Porque o verdadeiro Rei da Igreja Católica, no sentido pleno da palavra, é Nosso Senhor Jesus Cristo.

    A Igreja é uma instituição monárquica, antes de tudo porque ela tem um Rei, que é Nosso Senhor Jesus Cristo. O Papa, como Bispo de Roma, é indissolúvel e definitivamente o Vigário de Cristo, reina sempre em nome de Cristo, e o poder das chaves exercido pelo Papa é um poder que Cristo deu a seu Vigário. O verdadeiro Rei da Igreja Católica é Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Devemos analisar a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a sociedade temporal. A esse respeito, fazem-se as seguintes considerações sobre a separação entre a Igreja e o Estado que não são muito exatas:

    A Igreja tem uma finalidade espiritual, o Estado uma finalidade temporal. A Igreja conduz os homens ao Paraíso, e o Estado mantém a vida terrena. A partir disso, fica-se com uma ideia de que Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei da Igreja, mas que o Estado não tem verdadeiro Rei, e sobretudo os Estados católicos não devem reconhecer Cristo como Rei.

    Esse princípio é profundamente falso. O Estado, enquanto Estado, tem Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei. E o efeito concreto disto é a obrigação que tem o Estado de aplicar as leis de Nosso Senhor Jesus Cristo; e se não as aplica se coloca em estado de revolta contra o seu verdadeiro Rei.

    E qual é a aplicação dessas leis de Nosso Senhor?

    Antes de tudo, reconhecer a Igreja Católica como a única Igreja verdadeira e oficial; aplicar todas as leis da Igreja como sendo automaticamente leis do Estado. É o que se fazia antes da Revolução Francesa. De maneira tal que não era preciso que uma lei da Igreja fosse ratificada pelo rei do país, pelo Poder Público; entrava em vigor pelo simples fato de que a Igreja as tinha promulgado. As autoridades eclesiásticas eram objeto de continências e honras oficiais, porque eram autoridades públicas, e autoridades públicas porque autoridades da Igreja verdadeira do Deus verdadeiro que era Rei do Estado.

    Toda a vida civil se organizava no terreno cultural, artístico, e em todos os aspectos, de acordo com a lei de Nosso Senhor Jesus Cristo; isto era uma aplicação do princípio de que Cristo é Rei da sociedade humana.

    Verdadeiros soldados de Cristo Rei

    Isto, que entre nós são noções tão familiares, se esquece, e de vez em quando é preciso lembrar porque tudo quanto se ouve não só tende a fazer esquecer essas verdades, mas até a negá-las. De maneira que ficamos habituados à ideia de que o Estado é leigo, de que por sua própria natureza nada tem a ver com religião e por causa disso ignora, desconhece Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Então qual é a razão de lembrar essas noções?

    Uma coisa é ter na mente esses princípios teoricamente. Outra é ter disso um senso vivo e contínuo, como algo que está à flor da pele. De tal maneira que em todas as ocasiões da vida civil em que notarmos estar sendo negada a realeza de Cristo, isso deve nos causar dor, tristeza e indignação.

    Esse laicismo que caminha para um positivo ateísmo em todas as coisas, deve nos ferir de forma a vivermos na sociedade de hoje num estado de exilados, como alguém que reside num lugar onde tudo está posto de cabeça para baixo, e vive num protesto interno e contínuo disto. É assim que por toda a parte anda o fiel vassalo, o fiel militante de Cristo Rei.

    É só assim que nós podemos ser verdadeiros soldados de Cristo Rei. Não adianta ter na cabeça, no “mundo da lua”, uma porção de ideias de Cristo Rei, sem que a todo o momento não estejamos percebendo as negações, ou as palidíssimas e timidíssimas afirmações da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Lembro-me de que, quando fui constituinte em 1934 — depois isto se repetiu nas outras constituições, com estes ou aqueles termos —, vi um exemplo claro disso no preâmbulo proposto por um deputado católico muito ardoroso e muito aplaudido: “O povo brasileiro, pondo sua confiança em Deus e constituído em assembleia soberana, resolve tal coisa.” Como quem dissesse: “Deus, você é um Guaçu(1) que está lá em cima e pode me estragar ou ajudar muito as coisas. Quero, portanto, que você seja um amigo. Mas “ex auctoritate propria” eu faço o que desejo. E ponho minha confiança para que você faça dar certo”.

    No próprio instrumento em que se afirma confiar em Deus, está negada a Realeza de Deus. Isto é uma coisa que um católico possa ver sem amargura? Não pode. E quando ele vê sem amargura, não é um verdadeiro devoto de Cristo Rei.

    O modo mais autêntico, elevado e sublime de realizar o Reino de Cristo

    O carregar dia e noite, a todos os momentos, em todas as ocasiões, essa amargura, essa tristeza — mas tristeza militante! — de que a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo está sendo subestimada aqui, negada lá, injuriada acolá, isto nos deve caracterizar.

    E na festa de Cristo Rei devemos ter muito em vista essas considerações para compreendermos bem qual é a formação que precisamos adquirir; devemos ter aqui a atitude e a postura de exilados.

    E lembrar que, para além dessa tristeza, Nosso Senhor Jesus Cristo Rei tem uma promessa para nós: a realização do seu Reino do modo mais autêntico, mais elevado, mais sublime que se possa imaginar, que é por meio da Realeza de Maria Santíssima. É o Reinado de Nossa Senhora, que na fímbria do horizonte se anuncia na promessa de Fátima: “Por fim o meu Imaculado Coração triunfará”.

    Então precisamos ter um horror da situação atual e um desejo ardente da situação para a qual estamos sendo solicitados, e que nos é dado como uma promessa. Este deve ser o nosso estado de espírito contínuo, em todas as ocasiões e em todos os momentos.

    Ter isto bem em vista e pedir a Nossa Senhora a graça da presença contínua dessa ideia é algo que convém muito rogar em nossas orações a Cristo Rei.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/10/1964)

    Revista Dr Plinio 176 (Novembro de 2012)

     

    1) Do tupi-guarani: grande.

  • Jesus Cristo Rei, Profeta e Sacerdote

    Seria uma belíssima leitura do Evangelho considerar, nas várias atitudes do Divino Salvador, se Ele está agindo como Rei, Profeta ou Sacerdote. Maria Santíssima tem, como ninguém, uma correlação com cada um desses títulos. Também os acontecimentos da História, o mundo angélico e mesmo o mundo visível poderiam ser analisados sob esse prisma.

    A Francisco Lecaros respeito da trilogia “Rei, Sacerdote e Profeta” aplicada a Nosso Senhor Jesus Cristo eu gostaria de expor algumas considerações, começando por tratar da ordenação interna desses três títulos, isto é, sobre como eles se relacionam.

    Rei da História

    A qual deles pertence o primado: é Ele como Rei, como Sacerdote ou como Profeta?

    Tenho a impressão de que, na ordem lógica, o primado fundamental é d’Ele como Rei; e o primado na ordem final é como Sacerdote. O Profeta quase faz uma ponte entre os outros dois. Ele é o Rei da História no seguinte sentido: Deus teve as suas intenções com a História, que são as do Homem-Deus. E suas intenções foram um plano que Ele concebeu, o qual a humanidade segue ou não, cumpre ou não cumpre. Esse plano é, provavelmente, relacionado com a atitude do homem perante Deus, com a atitude religiosa do homem, no senti-do mais lato da palavra.

    Em segundo lugar, é um plano da ordenação das coisas como corolário, como o homem deve ordenar, desde que ame Deus. De maneira tal que a ordenação dos homens traz uma ordenação dos acontecimentos, e uma ordenação destes acarreta uma ordenação das coisas materiais. Então as civilizações, as culturas, as obras de arte, os arranjos no mundo etc., também correspondem ao plano de Deus.

    Nosso Senhor intenciona fazer isso, mas dá liberdade ao homem de realizar uma coisa ou outra; entretanto, o plano d’Ele, de um modo ou de outro, acaba se cumprindo no que tem de essencial, e por uma imposição d’Ele. Porque Nosso Senhor, como Rei, faz realizar-se a glória que Ele queria. Ele manda e, portanto, é um Rei que governa de fato os acontecimentos, por mais que estes pareçam desgovernados.

    Um exemplo característico seria com a vida de Jesus. Dir-se-ia que havia um plano que era de Ele vir à Terra e converter o gênero humano. E entrou um plano B em que — não é verdade, mas dir-se-ia — houve a morte e Ele resgatou o gênero humano. De fato, Ele resgatou e cumpriu mais a fundo o plano de levar a humanidade até o Céu. E Nosso Senhor é Rei fundamentalmente por essa condução forte dos acontecimentos. Ele tem o plano, o direito e o poder de mandar. Jesus Cristo tem o mando efetivo. E com esses ou aqueles desvios, as coisas se realizam como Ele quer.

    A própria liberdade que o homem possui e, portanto, pode usá-la contra Ele, é dada por Nosso Senhor. Porque, se Ele quisesse, não criava o homem. Ele quis e, no fundo, é a bondade d’Ele que está sendo feita. Ele é o Rei.

    Rei-Profeta que sabe tudo quanto irá acontecer

    No elemento terminal da trilogia, Jesus é Sacerdote no sentido de que aquilo que Ele fez e ordenou, Ele oferece ao Padre Eterno.

    Nosso Senhor é Profeta na acepção de que Ele, como Rei, sabe o que vai acontecer. Não é como os reis da Terra que conjecturam, mas pode não acontecer o que queriam, e suceder o que não previram. Mas Ele sabe tudo quanto vai acontecer e anuncia. E depois Ele leva à condução o que Ele disse.

    O dom profético em Nosso Senhor é o conhecimento que Ele tem da própria vontade e do poder; de como e em que medida os fatos, dentro dos planos d’Ele, se ajustarão de maneira a realizar os seus desígnios. E enquanto revelador, porque o profeta revela. Assim eu concebo a trilogia.

    Impostação das almas face a Nosso Senhor

    Por comodidade de expressão eu disse Rei, Sacerdote, Profeta. Mas cada um desses títulos poderia ser tomado por outra ordem na qual um dos elementos da trilogia teria a dianteira sobre os outros.

    Poder-se-ia dizer, por exemplo, que Ele, como Profeta, é o Profeta-Rei: Ele previu, Ele fará, Ele oferecerá. Por qualquer das pontas pode-se ver o triedro todo.

    Caráter fundamentalmente moral do plano de Deus

    E o que faz dentro disso o plano moral?

    Não que o plano moral esteja numa posição secundária à vista disso, mas é uma outra coisa. Ele tem uma amplitude, um senso lato e até latíssimo que ultrapassa a mera interpretação mais estrita do exame de consciência individual, mesmo quando transposto para a clave dos povos, se esta equivale apenas a uma soma de mortificações que os homens têm que oferecer para alcançar a vida eterna.

    A realidade moral a que me refiro é a impostação total da alma humana, atingindo, portanto, a disposição da vontade, da inteligência e da sensibilidade, o cumprimento do Primeiro Mandamento em toda a sua amplitude pelo homem. Mas numa amplitude tal que não fica apenas o preceito a ser cumprido, mas um voo da alma para Deus, que se realiza, por assim dizer, independente do preceito, por uma propriedade da alma que vai para o Criador.

    Fundamentalmente, é a impostação das almas em face d’Ele, não só para que todas vão para o Céu e sejam felizes, mas é para que possam ordenar para a glória de Deus esta Terra, teatro de bata-lha esplendoroso da glória d’Ele.

    Nosso Senhor Jesus Cristo amará a Terra mesmo depois de destruída pelo incêndio, por ocasião do Juízo, como um general preza um campo de batalha no qual ganhou um grande embate. Se depois houve um homem que ateou fogo e liquidou com as gramas do campo de batalha; para o general isso é uma coisa muito secundária. O importante é que ele venceu a batalha naquele campo. Assim também a Terra. Os homens bons, os justos tornaram-na sagrada pela batalha que venceram com Nosso Senhor Jesus Cristo.

    É nessa amplitude que se pode falar do caráter fundamentalmente moral desse plano.

    Um só todo na ordem moral

    Ao estudar certas correntes teológicas, vi que faziam uma distinção entre o plano moral e o ontológico. Entretanto, não me parecia adequado distinguir o plano moral do ontológico daquela maneira, porque a raiz da Moral está na Ontologia. A boa Ontologia das coisas é o fundamento, o ponto de partida da Moral, pois a ordem das coisas está na natureza das mesmas coisas, é um imperativo desta natureza.

    “…devemos pensar em Nosso Senhor Jesus Cristo Sacerdote: oferecendo esse imenso ‘bonum, verum’, pulchrum” que o precioso Sangue d’Ele tornou possível.”

    Na época, eu li aquilo, percebi que estava errado e não sabia refutar. Com o curso dos anos, fui refletindo e conseguindo explicitar.

    Ademais, a ordem moral “latu sensu” é intimamente vinculada à ordem moral em seu sentido estrito. Elas se condicionam mutuamente. De maneira que não pode haver uma ordem moral sem verdadeiro “pulchrum”, sem um autêntico “verum”; e não pode haver um autêntico “verum” sem “pulchrum”; os três elementos do triângulo por sua vez se revertem uns nos outros e constituem um só todo no qual, entretanto, podem-se fazer distinções. Então, um mundo pulcro, acontecimentos pulcros, almas pulcras, uma História pulcra, tudo isso faz parte desse conjunto moral ao qual me refiro.

    É assim também que devemos pensar em Nosso Senhor Jesus Cristo Sacerdote: oferecendo esse imenso “bonum, verum, pulchrum” que o precioso Sangue d’Ele tornou possível.

    Enquanto Rei, Ele tinha o plano de fazer com que a História apresentasse um “verum, bonum, pulchrum” resplandecente, e que a Terra fosse mais bela, depois de ter vencido a prova e as tentações do demônio, do que seria se ao demônio não fosse dada a oportunidade de tentar.

    Pensemos nas naus de Vasco da Gama procurando atravessar o cabo da Boa Esperança. Aquilo tem um “pulchrum” em si que é o “pulchrum” da tormenta e o do homem procurando enfrentá-la. Tem uma beleza própria da luta do homem contra os elementos.

    Maior ainda é a beleza da luta do homem contra o homem. E uma batalha — que é a luta de muitos contra muitos — tem uma beleza muito maior do que a luta de um contra outro.

    Reflexos da trilogia no mundo angélico

    Reportando ao mundo angélico, eu seria propenso a achar que os elementos dessas três manifestações de glória de Nosso Senhor — Rei, Sacerdote e Profeta — se encontram refletidos na ordem angélica, de maneira que há Anjos chamados, por sua natureza, a glorificá-Lo mais enquanto Rei, Anjos mais glorificativos do Sacerdote, e outros mais glorificativos do Profeta.

    Em torno dessa hipótese — que submeto inteiramente ao ensinamento da Igreja — haveria temas muito “suculentos” a abordar como, por exemplo: Qual é o coro mais alto?

    Absolutamente falando, o que é mais elevado: a realeza ou o sacerdócio? Ou será, em algum sentido, o profetismo? Uma vez que o profeta, enquanto recebendo uma comunicação de Deus, introduz nesta ordem algo superior a ela, não é mais do que o rei e do que o sacerdote?

    Seria muito bonito, à luz dessas considerações, classificar os coros angélicos existentes, e imaginá-los constituídos assim, reluzindo e cantando a Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei, como Profeta e como Sacerdote de maneiras diferentes.

    Reluzimentos no mundo visível

    Nasceria daí uma pergunta que me encanta, mas para a qual não tenho senão vislumbres de resposta:  Poder-se-ia num mundo sensível, visível, como também no mundo das almas, imaginar almas mais voltadas a contemplar a Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei, outras como Sacerdote e outras como Profeta?

    A consideração de Nosso Senhor  Jesus Cristo como  Guerreiro cabe  evidentemente no  rei. Cristo gladífero seria Ele enquanto Rei, que avança de gládio em punho  para mandar, etc.

    A consideração de Nosso Senhor Jesus Cristo como Guerreiro cabe evidentemente no rei. O general ato, a condição de guerreiro é própria ao rei. O rei, quando não é obedecido ou se lhe transgride a vontade em qualquer coisa, é o que luta, faz a guerra para impor a sua vontade. É conforme a ordem e o direito. De maneira que é essencial à função de rei. Cristo gladífero seria Ele enquanto Rei, que avança de gládio em punho para mandar, etc.

    Então nesta Terra nós não poderíamos considerar vislumbres disso, por exemplo, no pai de família? Ele não tem um pouco do sacerdote, do rei e do profeta? Reluzimentos ele possui.

    É conhecido o aforismo: “O pai é rei de seus filhos, o rei é pai dos pais.” Realmente, a presença do pai só é plena na casa quando ele é majestoso, o atrativo e a movimentação da residência. Ele enche a casa com o movimento forte e o pulsar de sua alma.

    De outro lado, o pai tem qualquer coisa de sacerdotal. A missão sacerdotal foi toda absorvida pelo sacerdócio sobrenatural e pertence a uma classe instituída por Nosso Senhor. Mas não deixa de ser verdade que o pai de família conserva residualmente uma representação da família junto a Deus. E por causa disso é ele que consagra a família ao Sagrado Coração de Jesus, não é necessariamente o sacerdote; ele pode rezar, dar bênção, tem certas funções de intermediário natural junto a Deus, que não desapareceram.

    Certa ocasião, um bispo me disse que a oração do pai e da mãe, Deus atende muito mais especialmente do que qualquer outra prece. Porque aquele é o pai, aquela é a mãe; embora uma pessoa possa rezar por um determinado filho de outrem com mais fervor, com mais virtude, se é o pai que está pedindo, Deus toma em consideração especial a oração do pai. Não quer dizer que Ele leve mais em conta a oração do pai do que a de um Santo, mas que é um título especial próprio para ser atendido. De maneira que um mau pai que faça uma boa oração a favor de seu filho tem condições especiais de ser atendido. A “fortiori” se for bom pai. Há uma qualquer coisa de sacerdotal nisso, e a família vive suas horas augustas desse modo.

    Profeta. Não se pode negar que muito difusamente se encontra daqui, de lá e de acolá, além da função de guia, própria ao profetismo, uma certa capacidade de precognição do futuro em determinados pais e mães: “Olha, cuidado, vai acontecer assim…” Ou então quando dizem: “Bom filho, tu vais ser abençoado, Deus vai te dar tais graças…”; e, de um modo ou outro, Deus concede. É um complemento harmonioso da autoridade paterna.

    Nós não teremos uma obrigação de desenvolver esse tríplice aspecto de nossa personalidade? E no Reino de Maria esses três lados não vão reluzir muito mais nos homens, embora nas proporções da vocação de cada um? Eu acredito que sim.

    Por exemplo, Santo Inácio de Loyola era um verdadeiro rei, sacerdote e profeta para os seus filhos espirituais.

    Distinguindo esta trilogia nos acontecimentos da História

    Poder-se-ia fazer uma História que procurasse distinguir os aspectos “régios”, “proféticos” e “sacerdotais” presentes em todo exercício de poder de alguém e na história de alguém ao longo da vida. Assim, todos os acontecimentos históricos dariam glória a Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto Rei, Profeta e Sacerdote, na medida em que, nesses acontecimentos, esses aspectos fossem mais salientes.

    Então, por exemplo, a batalha de Lepanto não é uma glorificação da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo, no que ela tem de mais quintessenciado, que é a realeza de Nossa Senhora? A meu ver, pode-se e deve-se achar isso.

    Considerados sob este prisma, os acontecimentos da História, à medida que se desenrolassem, glorificariam a Nosso Senhor Jesus Cristo, à Santíssima Trindade por meio de Nossa Senhora, pois todas as graças e favores espargidos ao longo da História por Deus vieram porque Ela pediu. Compreende-se assim a onipotência suplicante d’Ela, conseguindo que a roda da História se movesse no sentido da glória de Deus.

    Tudo isso ponderado, no Juízo Final reluziriam sucessivamente essas três luzes com aclamações e esplendores em que, nunca deixando de brilhar, cintilassem ora mais, ora menos, considerando a História do conjunto da humanidade. Então, diante de tal acontecimento preponderantemente régio, sacerdotal ou profético, ora as almas régias, ora as sacerdotais, ora as proféticas clamariam de um modo especial e dariam à Santíssima Trindade, ao Verbo Encarnado, a Nossa Senhora uma glória especial àquele título.

    A instituição da Igreja foi um ato de realeza do Redentor

    Maria Santíssima teria, como ninguém, uma correlação com cada um desses três títulos, na devida proporção e de modo uniforme. Ela é “Regina Prophetarum” e a Co-Redentora do gênero humano.

    Rei, Sacerdote e Profeta no Evangelho

    Constituiria uma belíssima leitura do Evangelho considerar, nas várias atitudes de Nosso Senhor, se Ele está agindo como Rei, como Profeta ou como Sacerdote. E, tomando a figura do Santo Sudário, imaginá-la animada, falando e exprimindo-se conforme as diversas cenas evangélicas.

    Vemos, então, que o conceito de realeza, sendo a d’Ele, toma uma amplitude diversa da que nossa inteligência humana seria levada a conceber. Desde logo os limites se rasgam. Por exemplo, o poder que Ele tinha de fazer milagres, creio que Ele o exercia como Rei: mandar aplacar a tempestade, expulsar os vendilhões do Templo são caracteristicamente atos de realeza.

    Também quando Ele instituiu a Igreja foi um ato de realeza. Porque é próprio ao rei fazer uma instituição. De algum modo a realeza antecede ao reino, o rei funda o reino. Nosso Senhor Jesus Cristo, fundando a Igreja, num sentido mais especial, funda o Reino d’Ele. Então: “Tu és Pedro e sobre esta pedra… Eu te darei as chaves do Reino do Céu…” (cf. Mt 16, 18-19), tem uma majestade!

    Coroado de espinhos, Ele era Rei. O Rei que reina do fundo do infortúnio.

    Entretanto, notem que coisa bonita: durante toda a Paixão, Ele fez, ao mesmo tempo, o papel de Rei, de Sacerdote e de Profeta. Porque Nosso Senhor profetizou durante toda a Paixão a vitória d’Ele.

    A divina altivez, uma das notas da presença d’Ele durante toda a Paixão, é a profecia da vitória. Ele, como Rei, coroado de espinhos, entretanto sabia muito bem que have-ria um momento em que o portador da mais alta coroa da Terra, em certo sentido, a da França, faria uma cape-la para conter um espinho da Coroa d’Ele. Apesar daqueles verdugos es-tarem caçoando, havia n’Ele a segurança do Profeta. Quando Ele disse “Destruí este templo e Eu o reconstruirei em três dias” (Jo 2, 19), falava de Si mesmo como templo, e que ressuscitaria ao cabo de três dias. Entra aí o Sacerdote, em termos magníficos, falando de Si mesmo como se fosse um templo: Pontífice e Vítima. Porque Ele como Vítima é Ele como Sacerdote. Quer dizer, as coisas se entrecruzaram.

    Nosso Senhor, com uma vara na mão, o cetro de irrisão da realeza, e a túnica de bobo, sabendo, entretanto, que todos os doutores iriam analisar ponto por ponto o que Ele tinha dito e encontrariam abismos de sabedoria onde aqueles boçais estavam fazendo o que estavam fazendo. É um profetismo de sabedoria.

    Nenhum rei ousaria empunhar essa cana! Vou dizer mais: nenhum Papa ousaria empunhá-la. No máximo consideraria uma glória imensa possuir um fragmentozinho dessa cana.

    No total, Ele é que foi Rei! E sabia que aquilo proclamava a grandeza d’Ele. Quer dizer, era Profeta, um Rei que profetizava, e que Se oferecia com Vítima. Ele era, pois, na Paixão, o Rei, o Profeta e o Sacerdote. É uma verdadeira beleza!

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/11/1982)

  • Nosso Senhor Jesus Cristo deve reinar efetivamente sobre nós

    Celebrar a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo é festejar seu poder sobre nós. E, implicitamente, nossa obediência em relação a Ele.
    Há exatamente 70 anos, Dr. Plinio lembrava o profundo significado da Solenidade de Cristo Rei.

     

    Neste domingo em que a Santa Igreja de Deus celebra a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo, encher-se-ão, no mundo inteiro, os templos católicos com uma multidão piedosa que irá depositar aos pés dos altares suas súplicas e suas orações. Contemplando em espírito essa imensa multidão, composta de pessoas oriundas de todas as raças e de todos os pontos do globo, tão numerosa que, segundo a previsão do Apocalipse, “ninguém a pode recensear”, um pensamento se apodera de mim. E ao mesmo tempo eu experimento o desejo imperioso de o comunicar aos meus leitores.

    Ai daqueles que, por covardia ou egoísmo, calaram os bons conselhos que poderiam ter dado

    Ser-me-ia, sem dúvida, muito mais grato e mais fácil cingir-me exclusivamente a considerações de ordem geral sobre a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tenho, porém, a certeza de que tais considerações outros as farão. Mas o pensamento que está em mim, posso eu porventura ter a certeza de que todos os demais o tiveram, e de que em hipótese afirmativa o externarão? Uma dolorosa negativa me responde a esta pergunta. E, por isto, deixando a outros uma tarefa, aliás, incontestavelmente indispensável e fundamental, vou fazer a tarefa mais ingrata, mais obscura, mais desagradável, porém mais necessária: a de dizer uma verdade áspera e dolorosa, neste grande dia de festa.

    Os bons pensamentos têm isto de característico: quando aproveitados, servem de remédio, tanto a nós mesmos quanto ao próximo. Quando, porém, nós os rejeitamos em nossa vida interior, ou os calamos em nossas relações com o próximo, eles se transformam, segundo São Paulo, em carvões ardentes que nos causticam e calcinam a alma. Ai dos que receberam e, por egoísmo ou covardia, não atenderam aos bons conselhos! Ai também dos que, por covardia ou egoísmo, calaram os bons conselhos que eles poderiam ter dado! Estes conselhos salutares, que eles não externaram, queimá-los-ão a eles próprios pelo interior, como brasas ardentes. E no dia do juízo serão levados à conta de talentos inaproveitados.

    Aí vão minhas reflexões, portanto…

    Quantos procuram implantar o Reino de Cristo no mundo, esquecidos de que devem começar por si mesmos…

    Quando pronunciou, em Lisieux, sua magistral alocução, o então Cardeal Pacelli, já predestinado pelo Espírito Santo a reger futuramente a Igreja de Deus, fez uma queixa amarga, que nos cabe hoje recordar. Disse ele que entre os muitos homens que desobedecem hoje às palavras dos Pontífices, há uma categoria que causa especial mágoa ao Papa. Não se trata dos que não têm Fé, e nem dos que, tendo uma Fé morta e inoperante, não procuram ouvir o que o Papa lhes diz. Os que mais fazem sofrer o Papa — e este é o ponto que nos interessa — são os que, aos pés do púlpito, em atitude externa correta e reverente, ouvem a palavra do Vigário de Cristo comunicada pela Hierarquia Eclesiástica… mas não a compreendem; se a compreendem não a amam, e se a amam platonicamente não lhe dão execução!

    Assim, no dia de hoje, quantos e quantos católicos, elevados pelo Batismo à dignidade de cidadãos do Reino de Deus, nem sequer cumprirão o preceito dominical! Quantos outros católicos, ainda, indo à igreja, ouvirão algum sermão sobre a Realeza de Jesus Cristo, sem saber, entretanto, e sem procurar saber em que sentido se deve atribuir a esta tão clara e tão litúrgica festa! Quantos católicos, finalmente, acompanhando até o próprio texto da Liturgia Sagrada, lerão as maravilhosas lições que ela contém sobre a Realeza de Jesus Cristo e não a compreenderão! Quantos os católicos que procuram implantar o Reino de Cristo no mundo inteiro, esquecidos ou ignorantes de que devem começar por implantar dentro de si mesmos! E quantos outros supõem que podem implantar realmente dentro de si o Reino de Cristo, sem sentir um desejo ardente e devorador de o implantar no mundo inteiro! Em outros termos, não são tais católicos do mesmo jaez daqueles que ouvem corretamente… porém, só com ouvidos do corpo e não com os da alma, o que lhes diz a Igreja pela voz dos Pontífices?

    A doutrina da Realeza de Jesus Cristo está intimamente ligada à belíssima e piedosíssima prática da entronização do Sagrado Coração de Jesus nos lares. Se se entroniza a imagem do Sagrado Coração de Jesus no lugar mais rico e mais nobre do lar, é exatamente porque se reconhece que Ele é Rei. Entretanto, quanto lar há por aí, em que a imagem está entronizada na sala, mas em que Cristo não está entronizado nos corações!

    Evidentemente, não quero exagerar a tristeza, já de per si tão grande, deste quadro, cometendo a injustiça de desprezar o que há de belo e de bom apesar destas lacunas. Qualquer ato de piedade, qualquer atitude de reverência para com a Igreja de Deus, por mais superficial e insignificante que seja, deve ser por nós, católicos, apreciado, amado e estimulado com um zelo imenso, reflexo direto de nosso amor a Deus. Longe de nós, pois, um pessimismo de sabor farisaico, que nos fizesse contestar todo e qualquer valor a estas práticas de piedade, desde que sejam sinceras, por mais que a frieza ou a ignorância lhes toldem o brilho sobrenatural.

    Entretanto, feita esta reserva, a verdade aí está: a queixa de São João ainda hoje é muitas vezes procedente: “in propria venit et sui eum non receperunt”…

    Jesus Cristo, o Rei por excelência

    Não seria, aliás, difícil conhecer a doutrina da Igreja sobre a Realeza de Jesus Cristo.

    Na sua infinita misericórdia, Deus Se dignou de comparar o amor infinito com que nos ama ao amor que nos têm nossos pais. Evidentemente, não quer isto dizer que Ele tenha reduzido na comparação as insondáveis dimensões de seu amor, para as amesquinhar até as proporções exíguas dos afetos de que os homens são capazes. Pelo contrário, se Ele se serviu dessa comparação do amor paterno, foi apenas para nos dar a entender, de longe, o quanto Ele nos ama. Se dermos à palavra “pai” o sentido que ela tem na ordem natural, Deus não é apenas nosso Pai, mas muito mais do que isto, por ser nosso Criador. Porém, como a função de pai, na natureza, não é senão de coadjuvar a Deus na obra da Criação, se alguém merece na realidade o nome de Pai, é Deus. E nosso pai, segundo a natureza, outra coisa não é senão o depositário de uma parcela da paternidade que Deus tem sobre nós.

    O mesmo se dá com a Realeza de Jesus Cristo. Para nos fazer compreender a autoridade absoluta que, como Deus, Ele tem sobre nós, Jesus Cristo dignou-Se de Se comparar com um Rei. Entretanto, como é por Ele que reinam os reis — e a autoridade dos reis só é autêntica por provir d’Ele — na realidade, o único Rei, Rei por excelência, é Ele. E os reis ou chefes de Estado não são senão seus humildes acólitos, dos quais Ele se digna servir-Se na obra da direção do mundo. Cristo é Rei por ser Deus. Chamando-O de Rei, queremos simplesmente afirmar a Onipotência divina, e nossa obrigação de Lhe obedecer.

    A um rei se deve obediência!

    Obediência! Eis aí um dos conceitos contidos essencialmente no conceito da Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. Cristo é Rei, e a um Rei se deve obediência. Festejar a Realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo é festejar Seu poder sobre nós. E, implicitamente, nossa obediência em relação a Ele.

    Como é que se obedece a um rei? A resposta é simples: conhecendo-lhe as vontades e cumprindo-as com amorosa e pormenorizada exatidão.

    Assim, pois, o único modo de obedecermos a Cristo Rei é conhecer sua vontade e segui-la. Dessa noção tão clara, tão simples, tão luminosa, um programa de vida, também ele claro, luminoso e simples, se segue.

    Para conhecer a vontade de Cristo Rei, devemos conhecer o Catecismo. Porque é ali, através do estudo dos Mandamentos — estudo este que só será completo com o estudo de toda a Doutrina Católica — que conhecemos a vontade de Deus. E para seguir esta vontade, devemos pedir a graça de Deus pela oração, pela prática dos Sacramentos e por nossas boas obras; finalmente, pela vida interior, isto é, pela leitura espiritual, pela meditação. E pela vida vivida exclusivamente à luz do Catecismo, seguiremos a vontade de Deus.

    Disse Nosso Senhor que o Reino de Deus está dentro de nós mesmos. Ora, este pequeno reino, pequeno como extensão, mas infinito como valor, porque custou o Sangue de Cristo, cada um de nós o deve conquistar para Nosso Senhor, destruindo tudo aquilo que, dentro de nós, se oponha ao cumprimento de sua lei.

    Finalmente, as leis de Cristo se aplicam não apenas a um indivíduo em particular, mas aos povos e nações. Que os povos conheçam e pratiquem na sua organização doméstica, social e política, as Encíclicas — que são a expressão da própria vontade de Deus —, e Jesus Cristo será Rei.

    Em outros termos, sejamos bons católicos; sendo-o, seremos necessariamente apóstolos; e sendo apóstolos, seremos necessariamente soldados de Cristo Rei.

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de “O Legionário”, Nº 372, de 29 de outubro de 1939)