Autor: Nelson

  • A Cooperação de Nossa Senhora com seu Filho

    Na seqüência de suas considerações sobre o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luís Grignion de Montfort, Dr. Plinio nos convida a contemplar as “maravilhas de graça” operadas em Nossa Senhora, cujo claustro materno tornou-se, durante nove meses, a paradisíaca habitação de Deus.

     

    Escreve São Luís no tópico 16 do Tratado:

    Deus Filho desceu ao seu seio virginal qual novo Adão no paraíso terrestre, para ai ter suas complacências e operar em segredo maravilhas de graça.

    Em primeiro lugar, devemos considerar a Encarnação de Deus Filho em Nossa Senhora. Ela, pelo processo da maternidade, foi gradualmente fornecendo-Lhe sua carne e seu sangue, e assim foi sendo formado, dentro de seu seio virginal, o corpo de Nosso Senhor, unido à divindade pela união hipostática. A participação d’Ela no mistério da Encarnação é imensa. Considerando que o corpo de Nosso Senhor, sua carne e seu sangue, são carne da carne e sangue do sangue de Nossa Senhora, não se pode imaginar uma maior intimidade com Deus. O papel de Nossa Senhora nesse mistério foi tal, que Deus quis que Ela antes desse o seu consentimento, para depois dar sua carne, seu sangue e, portanto, algo de seu próprio ser.

    Maria criou, governou e ofereceu Jesus em holocausto

    …Encontrou sua liberdade em ser aprisionado no seio da Virgem Mãe; patenteou sua força em se deixar levar por esta Virgem santa…

    Foi vontade de Deus Pai que Nosso Senhor ficasse contido n’Ela como dentro de uma arca, de um tabernáculo, em que Ele operava maravilhas de graças só por Ela conhecidas. E foi dentro d’Ela, como no interior de um santuário, que Nosso Senhor Jesus Cristo começou a dar glória ao Pai Eterno. No próprio momento em que começou a existir a união hipostática, Deus Pai recebeu de Nosso Senhor Jesus Cristo o mais perfeito ato de amor que jamais se deu na Terra. Ninguém nunca prestou-Lhe um ato de amor tão excelso quanto a humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    O Santo mostra ainda como Jesus, que era Senhor onipotente, contido em Nossa Senhora, deixou-se transportar por Ela, não só pelas montanhas da Judeia para visitar Santa Isabel, como por todos os lugares pelos quais Maria o quis.

    …Achou sua glória e a de seu Pai, escondendo seus esplendores a todas as criaturas deste mundo. Para revelá-las somente a Maria; glorificou sua independência e majestade, dependendo desta Virgem amável, em sua conceição, em seu nascimento, em sua apresentação no templo, em seus trinta anos de vida oculta, até a morte, a que ela devia assistir, para fazerem ambos um mesmo sacrifício e para que ele fosse imolado ao Pai eterno com o consentimento de sua Mãe, como outrora Isaac, com o consentimento de Abraão á vontade de Deus. Foi ela quem o amamentou, nutriu, sustentou, criou e sacrificou por nós.

    Ó admirável e incompreensível dependência de um Deus!… Nossa Senhora foi incumbida de criar Nosso Senhor e de O governar em sua infância, durante a qual Ele tinha para com Ela as mesmas relações de uma criança para com sua mãe. Pois seria falso imaginar que, na presença de outros, Nosso Senhor fazia o papel de criança; e quando não havia ninguém, apresentava-se como Deus. Ele estava junto a Nossa Senhora sempre como menino, do qual Ela cuidava como quem trata a um Deus.

    Depois Nosso Senhor cresceu, passando trinta anos de sua vida junto d’Ela, e consagrando aos homens somente três.

    Por fim, Ela O levou até o alto da cruz e, ali, ofereceu-O a Deus.

    São Luís Grignion resume o papel de Nossa Senhora na Redenção: Ela gerou, criou, acariciou e finalmente acompanhou a vítima ao altar do sacrifício, onde Ela mesma o imolou, como diz o Santo autor. Porque verdadeiramente Nosso Senhor morreu com o consentimento de Nossa Senhora. Ela aceitou que Ele sofresse tudo o que padeceu, e morresse da maneira como expirou.

    Dediquemos mais tempo a Nossa Senhora, a exemplo de seu Divino Filho

    Há aplicações maravilhosas para nossa espiritualidade a tirar desse fato: Nosso Senhor vivendo trinta anos sob a dependência de Nossa Senhora.

    Em nossa vida de piedade, por exemplo, que importância damos, respectivamente, à nossa união com a Virgem Santíssima e ao nosso apostolado? Temos a impressão de que este é muito mais importante que a nossa união com a Mãe de Deus, de tal modo que dedicamos nosso quarto de hora de oração a Ela, e, o restante do tempo a nosso “enorme” apostolado?

    Nosso Senhor nos dá exemplo do contrário. Tempo dado à união como Nossa Senhora: trinta anos; ao apostolado: três.

    Podemos bem compreender o que representa de homenagem — “homenagem” de um Deus, a palavra parece até absurda —, de glória para a Virgem, o Verbo Encarnado vir ao mundo e passar trinta anos junto d’Ela, dedicando apenas três à realização de sua missão. E entender o que significa a graça de estar junto de Maria Santíssima. Assim sendo, quando vamos fazer uma visita a uma imagem de Nossa Senhora numa igreja, podemos nos unir a esses sentimentos de Nosso Senhor. Convém que, amiúde, interrompamos nossas atividades, e entremos numa igreja para fazer uma visita a Maria Santíssima com esta intenção: imitar Nosso Senhor, que não se apressou em iniciar desde logo sua vida pública, mas consagrou trinta anos a estar junto de Nossa Senhora. Vou seguir seu exemplo; por isso peço-Lhe que, dada minha impossibilidade de agradar como devo a Nossa Senhora, que Ele A agrade por mim neste momento. Quando me coloco diante do tabernáculo, devo pedir a Nosso Senhor a graça de que, em meu nome, Ele trate Nossa Senhora como eu gostaria de fazê-lo, embora seja incapaz.

    Eis uma boa visita ao Santíssimo Sacramento e a Nossa Senhora. Com isto se constrói uma vida espiritual digna desse nome. Mas é preciso que sempre tenhamos em mente todas essas idéias, esses princípios, para que possamos utilizá-los quando as ocasiões se apresentarem.

    Convicção e resolução em nosso amor, não mera sensibilidade…

    Pelo acima exposto, vemos como seria tolo dizer que há secura ou geometrismo na piedade por parte de quem assim procede. O que aí não se pode desejar é o vácuo, a bazófia. Pois o que recomendamos não é secura nem geometrismo, mas coerência: a inteligência ilumina, a vontade quer, e a sensibilidade acompanha o preito de amor da vontade. E se acaso a sensibilidade não acompanhar, não terá maior importância, pois o ato de amor estará feito. O amor reside na vontade.

    Não se trata, portanto, de experimentar uma espécie de consolação sensível, sentir o trêmulo da comoção, para só então rezar. Importa, sim, ter convicção e resolução. A Fé nos ensina que Nossa Senhora é imensamente bondosa, e por isso recorremos a Ela com confiança. É uma consideração racional, que não nasceu da sensibilidade. Essa atitude racional na oração, a construção de uma piedade toda ela alicerçada sobre convicções recebidas da Fé, que a razão anipula, isso sim é verdadeirasi um tabernáculo admirável, “como Adão no Paraíso”. Para compreendermos bem o que isto significa, é interessante apelarmos para certos conceitos subjacentes à seção Ambientes, Costumes, Civilizações, que nós escrevemos, sobre a importância da beleza e a propriedade dos ambientes. Estando no seio virginal de Nossa Senhora, Jesus encontrou todo o necessário para suas delícias espirituais: havia ali um ambiente, uma atmosfera que Lhe eram perfeitos, graças às virtudes excelsas de Maria Santíssima. Durante este período, Nosso Senhor teve com Ela uma união verdadeiramente incomparável.

    Já consideramos o fato de que, neste período, Nossa Senhora vai fornecendo sua própria carne e seu próprio sangue para a formação do corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Durante esse tempo, havia uma atividade em extremo íntima entre Ele e Ela, sendo preciso notar que Nosso Senhor teve o uso da razão desde o primeiro instante do seu ser. Ele, portanto, vivia em Nossa Senhora dispondo já completamente de sua inteligência. Podemos imaginar a intimidade enmente a seriedade na vida espiritual. O que desejamos é produzir convicções profundas, construir uma estrutura de espírito útil à vida de piedade, e não apenas fabricar uma faísca passageira de emoção mariana.

    União inexprimível entre Mãe e Filho

    São Luís Grignion lembra, entre outras coisas, que Nosso Senhor, no período de sua gestação, enclausurou-se no ventre puríssimo de Nossa Senhora, e aí encontrou para tre Eles e o alto grau de cada ato de amor? A cada colaboração que Ela prestava para a formação de seu corpo, correspondia da parte d’Ele uma série de graças a Ela concedidas. Durante a gestação de Nosso Senhor havia, portanto, entre Ele e sua Mãe, uma união verdadeiramente inexprimível e de uma sublimidade incomparável.

    Em que sentido a consideração dessa união nos pode ser benéfica?

    O homem, na Igreja Católica, encontra-se diante de um firmamento de verdades. E assim como, colocados diante do céu físico, contemplamos inúmeras pulcritudes que enriquecem nossa alma, no universo de verdades da Santa Igreja poucas maravilhas podemos considerar tão grandes quanto a intimidade de uma alma inteiramente humana, como era a de Nossa Senhora, com Nosso Senhor Jesus Cristo, durante o tempo da sua Encarnação.

    Assim, nos é dado ter uma ideia da intimidade que também nós podemos adquirir, pela nossa santificação, com Nosso Senhor; faz-nos compreender um pouco o que é a vida da graça, e faculta-nos a apetência de uma maior união com Jesus Cristo.

    Essas considerações não podem ficar no vácuo. Na vida espiritual devemos propriamente desejar esses dons sobrenaturais, a união com Deus e os bens eternos!

     

     

  • Equilíbrio, façanha e alegria

    Quando analisamos a Idade Média, notamos que esta se encontra toda semeada do desejo e da  prática de atos heroicos. Não, porém, do heroísmo como vulgarmente se o entende, e sim como o propugna a Igreja, isto é, a palpitação contínua do coração do verdadeiro católico, que o inclina de modo constante para o melhor de sua alma: a façanha. Não se trata, portanto, de façanhas quaisquer, mas daquelas que interessam à Fé, e é a propósito delas que somos levados a afirmar ser a Idade Média toda ela “façanhuda”.

    Em seus diferentes aspectos, nos diversos terrenos de seu realizar, mesmo nos mais práticos, operativos, técnicos, ela está sempre empreendendo proezas. De maneira que, com freqüência, a  altura das torres são ousadias de impulso para o céu, as espessuras das muralhas são audácias de arquitetura, os vitrais são aventuras de luz e policromia, e assim por diante, os mil progressos artísticos e industriais da época medieval representam façanhas porque estão na fina ponta do que um espírito muito dinâmico poderia querer realizar.

    E examinando aquelas maravilhas, nos perguntamos como esses homens ousaram tanto! Ousadia que comporta riscos, e esse ombrear com o perigo do fracasso é igualmente belo. Contudo, o  melhor da façanha medieval é ter pensado com tanta maturidade, seriedade e prudência os seus planos arrojados que, na hora de concretizá-los, o risco está reduzido ao mínimo que as  circunstâncias da época permitem. Sempre deverão contar com ele, é verdade, mas protegido pelos escudos da prudência e da seriedade, do equilíbrio e do “saber fazer” todas as coisas com largueza de espírito.

    Não há negar que aquelas grandiosas catedrais góticas, aqueles castelos-fortalezas, aquelas abadias monumentais, aquelas torres e muralhas só podem ter sido construídos por arquitetos sérios, à solicitação de príncipes ou de bispos profundamente sérios, para um povo também ele imbuído de seriedade. Mas, ao mesmo tempo, dotados do senso católico que os leva a pôr em tudo uma nota característica que nos fala de equilíbrio, de harmonia, de contentamento de alma.

    Muralhas e torres de robustez quase inabalável — como as de Ávila, por exemplo, que tive a grata oportunidade de admirar — recordam a batalha e a luta, lembram dias de tragédia, de desventuras em meio aos perigos que traziam consigo os cercos contra a cidade. Mas, como não ver nesses gigantescos panos de muro e altaneiros torreões a temperança de alma e a dignidade com que arrostavam todas as vicissitudes?

    Como não ver a tranqüilidade e a alegria dessas pedras resplandecendo à luz do sol? Coisas equilibradas, do mesmo equilíbrio que se acha disseminado pela civilização medieval, e que constitui o ponto de partida da felicidade da Idade Média. Nela, todas as disposições lícitas do espírito se coadunam, dão-se as mãos, e a alma sente um certo aprumo, uma certa solidez, uma certa  serenidade, uma certa distância psíquica para considerar as belezas da criação, e para subir até Nossa Senhora, para chegar até Deus — fonte de todas as grandes alegrias, de todos os heroísmos, de todas as façanhas, de todas as santidades.

     

  • Arca da Esperança

    Com sua Fé inabalável e íntegra, Nossa Senhora foi a Arca da Esperança do futuro. Todas as expectativas do Antigo Testamento acerca do Messias, todas as promessas e certezas contidas no Evangelho de que Ele seria o Rei da Glória e o centro da História, todas as realizações do Novo Testamento, toda a grandeza que a Igreja haveria de atingir ao longo dos séculos e todas as virtudes que ela haveria de semear sobre a face da Terra inteira, tudo isso viveu dentro de uma só alma — a alma mil vezes bendita de Maria Santíssima!

     

    Plinio Corrêa de Oliveira

  • Caminho para a devoção eucarística

    O devoto da Santíssima Virgem encontrará  no Coração de Maria o próprio Coração de Jesus, naquilo que este Coração tem de mais amoroso, mais terno e mais compassivo. Ora, onde mais se manifestam as finezas do Coração de Jesus é na Sagrada Eucaristia.

    Assim, a devoção a Nossa Senhora leva natural e espontaneamente à devoção eucarística. E é aí — neste culto à Eucaristia, que só pode ser plenamente fervoroso com o culto mariano, pelo culto mariano e no culto mariano — que os católicos encontrarão o alimento de sua vida espiritual.

     

  • Graças de Pentecostes

    Talvez não nos enganemos ao pensar que um dos primeiros ambientes da Terra inteiramente abençoado e sacrossanto, no qual a bênção e a unção próprias das coisas sobrenaturais não só se fez presente mas perdurou enquanto o edifício existiu; em cujo interior brilhou um imponderável católico que todas as realizações da Igreja trazem consigo — e que é a manifestação do Espírito Santo —, que ­esse lugar tenha sido, precisamente, o Cenáculo onde se deu o esplendoroso espargir das graças de Pentecostes…

  • Eucaristia

    Ao recebermos o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo na Sagrada Eucaristia, devemos imaginá-Lo vindo à nossa alma da mesma forma como Ele entrava na casa dos doentes que ia curar: com afeto, semblante sereno, transbordante de bondade, disposto a ouvir e desejoso de fazer o bem. Em seguida, operava o milagre, concedia a graça.

    Tal é o amor com que o Deus infinito olha para nossa alma e nos espera. É para tal intimidade que nos convida. Nunca seremos tão íntimos de alguém quanto de Nosso Senhor, na Sagrada Eucaristia!

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 15/9/1973)

  • Viver e morrer de amor

    Santa Teresinha do Menino Jesus, declarada por João Paulo II Doutora da Igreja, foi também brilhante escritora e poetisa: talentos que exercitou no convento carmelita de Lisieux a fim de propagar o que ela chamava a sua “pequena via” rumo à santidade. Dr. Plinio nos comenta um dos mais célebres poemas da santa, “Vivre d’Amour”.

    Entre as diversas poesias escritas por Santa Teresinha do Menino Jesus, uma é atraente pelo simples título: “Viver de amor”. Divide-se em duas partes bem concatenadas: primeiro, a santa fala em viver de amor; em seguida, em morrer de amor.

    Almas purificadas no amor a Deus

    Parece-me que os trechos mais característicos da “pequena via”(1) — fundada por Santa Teresinha — são estes:

    Viver de amor é banir todo o temor!

    Toda lembrança das faltas do passado.

    De meus pecados não vejo na minha alma nenhuma marca,

    Pois num instante o amor tudo apagou.

    Chama divina, ó doce fornalha,

    Em teu seio eu fixo minha habitação;

    E em tuas labaredas canto à vontade:

    Eu vivo de amor!

    O belo pensamento contido nessa estrofe pode ser assim interpretado: naqueles que são incapazes de grandes lutas e embates, e seguem a “pequena via”, a ação da graça é tão profunda que eles se deixam conduzir pelo enlevo por Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Enquanto na grande via, normalmente, os pecados deixam durante muito tempo — e às vezes, pela vida inteira — seu rastro, nas almas que vivem de amor, as da “pequena via”, não devem se lembrar nem se preocupar com suas faltas passadas, porque o amor de Deus as tocou e consumiu todas as marcas daquelas misérias.

    Então, cumpre não ter mais pensamentos que perturbem e desnorteiem, mas dirigir os olhos apenas para o Altíssimo, e compreender que, para as almas da “pequena via”, o amor de Deus queima e purifica tudo. Em nada lhes aproveita, pois, falar do passado.

    Grande tesouro num vaso mortal

    Nessa poesia há outra parte que, sob certo ponto de vista, é ainda mais ousada. Não fala dos pecados passados, remotos — já sepultados, porque a alma deles se arrependeu, e a respeito dos quais parece mais especialmente tratar o trecho anterior — mas de certas faltas que a pessoa, de vez em quando, volta a cometer. Assim, diz Santa Teresinha:

    Viver de amor é guardar em si mesmo

    Um grande tesouro num vaso mortal.

    Meu bem-amado, a minha fraqueza é extrema,

    Ah! Como estou longe de ser um anjo do Céu!

    Tais palavras denotam o receio de Santa Teresinha em cometer algum pecado. Ela, uma santa tão grande, porém da “pequena via”, acentua o pensamento de que é um vaso mortal, capaz de se quebrar com facilidade. Portanto, achava-se distante de ser um anjo do Céu e podia cair em pecado.

    Proteção e ternura especiais de Deus

    Mas, nas horas de fraqueza, Nosso Senhor a socorre, a levanta: Tu vens a mim, Tu me dás tua graça, eu vivo de amor. Quer dizer, a cada momento em que a pessoa comete uma falta — diz a Escritura que o justo peca sete vezes, isto é, tem falhas, lacunas, lapsos — e pede perdão, Nosso Senhor oscula essa alma e remedeia os efeitos do pecado praticado.

    Assim, com toda a tranqüilidade, apesar da borrasca em que está, a pessoa pode viver de amor. Trata-se de uma proteção e uma ternura especialíssimas de Deus para com as almas pequenas que se deixam enlevar e consumir por esta forma de amor para com Ele.

    Como se vê, é a ideia fundamental da “pequena via — como, aliás, do espírito de Santa Teresinha — expressa com muita meiguice, de um lado, e de outro, com muita força e sabor.

    “Realiza-se o meu sonho, morrer de amor”

    Por fim, ela fala em morrer de amor:

    Morrer de amor é um bem doce martírio.

    É aquele que eu gostaria de sofrer.

    Ó Querubins, afinai vossas liras

    Porque eu sinto: meu exílio vai terminar;

    Dardo inflamado, consuma-me sem cessar,

    Vida transitória, teu fardo me é bem pesado.

    Divino Jesus, realiza-se o meu sonho:

    Morrer de amor!…

     

    Morrer de amor, eis a minha esperança

    Quando se romperem os meus laços.

    Meu Deus será minha grande recompensa.

    Outros bens não desejo possuir.

    De seu amor quero ser inflamada,

    Quero vê-Lo, unir-me a Ele eternamente.

    Eis o meu Céu, eis o meu destino:

    Viver de amor!!!

    Percebe-se que havia na alma de Santa Teresinha um sopro do Espírito Santo para que ela se consagrasse como vítima ao Amor Misericordioso, e aceitar essa forma de martírio prematuro em benefício das almas que deveriam ser salvas. Mais do que isso: para o serviço e a glória de Deus.

    Ela deseja morrer de amor a Deus e prevê, pressente — por essas premunições interiores misteriosas da graça — que o enlevo haveria de crescer em sua alma a ponto de lhe tirar a vida. Então, sentindo que a morte se aproxima, ela a saúda como uma libertadora que lhe romperá o cárcere do corpo, permitindo-lhe, afinal, tocar nas paragens magníficas onde se encontra Deus Nosso Senhor. Ou seja, o Paraíso Celeste, no qual ela espera viver eternamente.

    Viver de amor, morrer de amor: este é o tocante pensamento de Santa Teresinha, expresso em sua bela poesia. 

     

    Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência na década de 1970)

     

     

    1 ) Conforme o pensamento de Santa Teresinha, trata-se da via do reconhecimento da própria fraqueza e da ausência de coragem, de força de vontade para enfrentar imensos sacrifícios. E da convicção de que Nosso Senhor se compadece das almas fracas, pequenas em comparação com a dos grandes santos do passado, assistindo-as com bondade e abundância de graças que suprem nelas as lacunas de dons maiores que a natureza não lhes proporcionou (cf. “Dr. Plinio” nº 91, outubro de 2005).

     

  • Largamente Atendidos

    Do fundo das infidelidades crônicas que nos perturbam, das sombras dos pecados que cometemos no passado, das insatisfações conosco mesmos, devemos pedir à Santíssima Virgem nos alcance a graça especial de compreendermos como Ela nos auxilia e ampara, até o inimaginável.

    Nossas misérias são uma razão especial para Lhe suplicarmos a cura dos males que nos afligem. E por maior horror que nos inspirem nossos defeitos interiores, nem por isso deixará de ser verdade que, levantando os olhos para Maria, com firme e inabalável confiança, seremos por Ela largamente atendidos.

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 23/5/1964)

  • Fascínio e Respeitabilidade

    A primeira impressão que se tem diante do castelo de Valençay é de deslumbramento. Um conjunto de torres que se elevam garbosas para o ar, e de alas intermediárias vastas, extensas, indicando  senhorio, poder, grandeza e esplendor.

    Nos dois ângulos do corpo principal, erguem-se duas torres muito maciças, fortes e robustas, que formam agradável harmonia com a graça e a elegância da ala central. Esta se compõe de três  andares. O primeiro, arejado por grandes portas e janelas em arco, era destinado aos melhores aposentos da casa no tempo em que Valençay foi construído.

    No segundo pavimento, onde se abrem vidraças retangulares, outra série de quartos e salas. E, por fim, para quebrar a monotonia que uma fachada desse gênero pudesse apresentar, existe o sótão, bem alto e vasto, como vasta é a própria fachada.

    Nele encontramos uma aprazível seqüência de janelas e óculos, embutidos num extenso telhado de ardósia.

    A preocupação de ornar está presente em todo o castelo, porém tão circunspecta que o observador a sente sem perceber, e é necessário um pequeno esforço de atenção para distinguir os adornos. 

    Em grande parte, porque o ornato não se encontra naquilo que se põe para enfeitar, mas na discreta, fina e bela proporção das coisas (arte esta que vem a ser um dos traços característicos do gênio francês). Assim, nesse corpo central, a nota de adereço pode ser vista na espécie de sobrancelha grossa, mas bonita, aposta acima de cada mansarda e de cada óculo do sótão.

    Por outro lado, a “cara” séria e o caráter um tanto pesado das torres laterais são aliviados pela existência dos pequenos torreões, vazados e leves, que sobre elas se erguem à maneira de  campanários. Na parte central da fachada eleva-se outra torre, de estilo diferente, quadrada, com alto teto em “V”.

    Sem ser inteiramente gótica, ela entretanto encerra uma reminiscência de Idade Média que lhe confere particular atrativo. É uma torre de fortaleza. Nos quatro ângulos, pequenos torreões  arrendondados, outrora ligados por ameias de que ainda se notam vestígios na base da parede sobre a qual se levantam o teto e as chaminés.

    * * *

    No muito belo jardim de Valençay, extensos canteiros com grama e arbustos estabelecem certa distinção reverencial entre o visitante e o castelo, em relação ao qual aquele se sente mantido à  distância. É compreensível, pois tudo quanto é respeitável, ao mesmo tempo que atrai, impõe certos limites. É o próprio da respeitabilidade, cujo modelo infinito e perfeito é Nosso Senhor Jesus  Cristo.

    Contemplando as imagens que procuram retratar mais fielmente o Divino Redentor, por vezes nos perguntamos qual seria nossa atitude se Ele, em corpo e alma, estivesse diante de nós. Com  certeza, nosso coração teria a tendência de voar até o d’Ele, mas dobraríamos imediatamente os joelhos em terra. É a confirmação de que tudo quanto é respeitável e elevado atrai, mas mantém a  posição.

    Assim também é Valençay: belo e atraente, porém incute respeito.

    * * *

    Fascínio e beleza de uma habitação que, à primeira vista, espanta pelo que tem de amplo e na qual, em épocas remotas, tudo girava em torno de uma pessoa: o senhor de Valençay. E de uma  família: a dele. Mais ou menos até a Revolução Francesa, o castelo foi, portanto, a residência de uma pequena dinastia feudal, com uma corte local, constituída de nobres das redondezas. Ali se  reuniam para festas, caçadas, conversas, ou, no caso dos vassalos, para prestar homenagens ao senhor de Valençay e render-lhe seus tributos.

    Igualmente se apresentavam no castelo plebeus, que vinham pedir justiça ou proteção, ou prestar serviços, ou ainda à procura de auxílios materiais, etc. Em suma, o castelo era o centro da vida de  toda uma região.

    Para tanto contribuía o fato de que Valençay — à semelhança de todos os grandes castelos — situava- se a uma considerável distância da capital do país. De maneira que não só os nobres e aldeões  tinham dificuldade em se deslocar até a sede da realeza, como as ordens do soberano encontravam obstáculos para chegar até eles. Assim, o senhor de Valençay vivia em seu feudo como um  monarca de diminutas proporções. Um pequeno e esplêndido rei dominando um pequeno e esplêndido reino, onde ele conhecia cada súdito e o chamava pelo próprio nome. Quando partia para  uma caçada, ia passear pelo campo ou admitia alguém em seu castelo a fim de tratar dos negócios do governo local, indagava da saúde deste e daquele, indicava remédios, e, não raras vezes,  fornecia alimentos e agasalhos.

    Procurando atender às mais diversas necessidades de seus súditos, dava conselho sobre o melhor casamento para a filha de Fulano, ou a respeito de em qual batalhão do rei deveria se alistar o  filho de Sicrano. Ou ainda escrevia cartas de recomendação para tal moço ou tal moça que manifestasse o desejo de abraçar a vida religiosa. Nestes casos fazia valer sua amizade para com importantes personalidades eclesiásticas, abrindo para seus protegidos as portas de um seminário ou de algum convento.

    Numa palavra, o senhor de Valençay era o pai de todos os habitantes do seu feudo, e sua esposa, a mãe. Era um regime patriarcal, em que ambos constituíam o centro e a cúpula do pequeno  universo constituído em torno do castelo. E todo o esplendor deste se aliava de modo extraordinário à patriarcalidade que permeava as relações entre as várias classes sociais.

    Tudo decorria harmoniosamente dos senhores de Valençay, que estavam para o resto do feudo mais ou menos como, na torre central do castelo, telhados e ameias parecem defluir das duas  chaminés postas no alto. Assim como seus antigos senhores, Valençay é grandioso, mas acolhedor. Não infunde medo. Apenas desperta fascínio e respeito.

    Plinio Corrêa de Oliveira

    Revista Dr Plinio 15 (Junho de 1999)

  • Dona Lucilia e o mar

    Instado por jovens discípulos a relacionar seu encanto pelo mar com seu filial afeto por Dona Lucília, Dr. Plinio demonstra o quanto a contemplação do olhar de sua bondosa mãe o incitava a admirar, ainda mais, o mar de perfeições postas por Deus em Maria Santíssima.

     

    Pensando sobre o mar, múltiplas vezes lembrei-me de mamãe. E o por onde ela mais me recordava o mar, era o olhar. Olhar amplo, profundo, sereno, mas ao mesmo tempo firme e movimentado como o dela, poucas vezes em minha vida eu encontrei; se é que encontrei…

    Pensamento que se ”move” como as ondas do mar

    Lembro-me perfeitamente daquela fotografia dela, sentada sobre um banco de madeira e com a mão no rosto, numa atitude evidentemente contemplativa. O vaivém de seus pensamentos me davam a impressão do movimento nobre e sereno das ondas do mar, quando estão fora da tempestade, mas o mar não está parado.

    O mar é bonito, sobretudo quando não está parado nem agitado. Mas quando movimentado, ele tem vida e é belo. E ao contemplar o olhar profundo, escuro, mas cheio de claridade de mamãe, eu gostava enormemente de pensar no mar.

    Na última vez que estive junto ao mar, havia diante de mim uma linda fotografia de Dona Lucília, em tamanho quase natural, representando-a sentada num banco, como há pouco referi. E eu pensava: “A mente e o coração dela são grandes como o mar!”

    Portanto, considerando o mar, mais de uma vez — ainda agora — pensei nela. Olhando para ela, quantas vezes pensei no mar!

    Soldados de Maria

    Que ela reze por vós, e vos dê também a compreensão de tudo quanto havia de providencial, de belo, de enlevado que Nossa Senhora pôs na alma dela, para que sejam soldados do mar da Contra-Revolução, nesses dias de agitação. Soldados de Nossa Senhora é o que acima de tudo queremos ser.

    Meus caros, tenho que ir andando. Mas eu vos vi um pouco, e já me deu satisfação. O mar é assim: quando passamos por ele e olhamos um pouco, já vimos muito.

    Agora, o que me resta é rezar convosco por vós, ante Maria que é o mar, o oceano incomensurável no qual Nosso Senhor colocou qualidades perfeitas e magníficas. v

     

    Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/10/1993)

    Revista Dr Plinio 185 (Agosto de 2013)